Desde que rompeu com gravadoras para fundar seu selo em 2009, a banda canadense Metric ostenta a petulância de adolescente revolucionário. Talvez por isso, a honestidade da vocalista Emily Haines em Synthetica seja tão feroz e sem medo de exposição.
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Na abertura, ela já informa o que se está por ouvir: “Eu sou tão perturbada quanto dizem / Não consigo fingir /Achei uma entrada para escapar para a escuridão”, canta, em inglês, a loira em Artificial Nocturne. É só um aperitivo do clima soturno do álbum carregado de sintetizadores. A atmosfera de viagem intergaláctica só é quebrada lá pelos dois minutos, quando a bateria de Joules Scott-Key entra e muda a música como o humor de um bipolar.
Com os integrantes da banda mais perto dos 40 do que dos 20 anos, Synthetica mistura música eletrônica com o espírito orgânico de um rock que não envelhece. Não é nada inovador, mas tudo está no lugar certo. As faixas do disco oscilam entre o desespero agressivo (“Eu calo a boca e sigo em frente / O grito vira um bocejo”, em Dreams So Real) e um otimismo orgulhoso (“Eu sei pensar por mim mesma / Eu tenho algo que nenhuma pílula pode matar,” na faixa-título). E esse conflito arrebata de forma elegante.
– É uma proclamação de quem somos e como nos sentimos em relação ao mundo. A música que abre é simplesmente a honestidade de dizer “Sou esta pessoa e vou viver sem pedir desculpas por isto” – explica o guitarrista Jimmy Shaw, que também assina a produção, por telefone a Zero Hora, de Toronto, no Canadá.
Em tempos de vazamento na internet e áreas premium com preços abusivos em shows, o lançamento do quinto disco envolveu uma ação online feita pelo próprio Metric. Foram vários jogos de adivinhação em que os prêmios finais eram as faixas. Resultado: quando o álbum físico chegou às lojas, os fãs já tinham ouvido tudo sem pagar nada. Ainda assim, Synthetica entrou no top 20 dos mais vendidos da Billboard na semana do lançamento.
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Agora sem chefes, os integrantes do Metric vendem 10% dos ingressos de shows via site oficial, a preços mais baixos e lugares na frente garantidos. O Facebook da banda é abastecido regularmente. No Instagram, Shaw deu a entender que a meia hora de entrevista o ajudou a perder o voo para Sidney, na Austrália. Tudo válido para diminuir a distância com o público.
– Quanto mais converso com os fãs depois dos shows, mais interessante a coisa se torna. Porque você sabe para quem e por que faz música – comentou o guitarrista.
Talvez por esse motivo, eles ainda tenham o que dizer – e dizem tão bem a ponto de ganhar o aval de Lou Reed, que empresta seu timbre grave para Wanderlust. É um hino nômade, que integra a ala mais solar de Synthetica e aponta a luz no fim do túnel da esperançosa Nothing But Time. Nela, em tom pessoal e filosófico, Emily proclama: “Eu queria ser parte de algo / Tenho nada além de tempo / Então o futuro é meu”. Se depender do que eles estão fazendo com o Metric, é mesmo.
Entrevista – Jimmy Shaw, guitarrista e produtor do Metric
Zero Hora – Enquanto muita gente insiste em dizer que a internet está matando a indústria da música, vocês lançam tudo antes pelo site e ainda assim conseguem vender bem.
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Jimmy Shaw – A única coisa que está matando a indústria da música são as pessoas usando a internet para não pagar pela música. A internet, em si, traz milhares de possibilidades para o artista e os fãs fazerem o que quiserem: remixar as coisas, lançar coisas diariamente, é incrível. A internet é uma ferramenta para ser explorada, não temida. É a liberdade completa.
ZH – Com o Metric Music International em 2009, o que mudou nos lançamentos da banda?
Shaw – Não mudamos, fazemos exatamente a música que queremos, mas mudou o processo que acontece depois de lançar o disco. Temos a liberdade de colocar coisas online, podemos vazar material, vender os discos e ingressos para o show, fazer concursos ou qualquer maluquice que acharmos legal. Antes, até fazíamos isso, mas era mais difícil.
ZH – Como surgiu a ideia de chamar Lou Reed para Wanderlust?
Shaw – A música tinha uma parte de pergunta e resposta. Quando a Emily cantava sozinha, soava fake, produzido demais. A música é toda sobre a necessidade de experiência, movimento e viagem para longe de tudo o que você conhece. Nós queríamos uma voz grave. Aí, a Emily disse: “A gente deveria convidar o Lou Reed”. Ela convidou, e ele aceitou.
ZH – Ele canta só no refrão, mas, na hora de gravar, os dois cantaram a música inteira. Alguém vai ouvir isso algum dia?
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Shaw – Nunca foi para ser daquele jeito. Queríamos só pergunta e resposta no refrão. Mas o Lou não é o tipo de cara a quem você pode dizer o que ele tem que fazer. Se ele quer de um jeito, fazemos como ele quer.
ZH – Vocês compuseram músicas para os sucessos Scott Pilgrim Contra o Mundo e A Saga Crepúsculo: Eclipse. Agora assinam toda a trilha de Cosmópolis (2012), de David Cronenberg. Como vocês escolhem os trabalhos em cinema?
Shaw – Sempre nos oferecem trilhas. Aí, a gente vê se combina com o que a gente curte. Crepúsculo foi particularmente surreal, envolver-se num fenômeno desse tipo, trabalhar com Howard Shore (responsável pela trilogia Senhor dos Anéis). Foi muito inspirador, a gente aprendeu muito. Em Cosmópolis, ele quis continuar trabalhando com a gente.
ZH – Passar com a turnê de Synthetica pelo Brasil está nos planos de vocês?
Shaw – Claro. Mas vai ser no ano que vem. A gente adora a América do Sul. O show em São Paulo, em 2008, foi incrível.
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Synthetica
Metric
Eletropop, Metric Music International, 11 músicas, CD importado ou US$ 14 (no iTunes)
Cotação: 4 de 5