Situada no coração de Islamabad, a Mesquita Vermelha há muito tem sido um barômetro do islamismo militante no Paquistão. Nos anos 80, ela canalizou os combatentes para a jihad antissoviética no Afeganistão. Nos anos 90, seus líderes fizeram uma peregrinação impressionante para visitar seu herói, Osama bin Laden, em sua fazenda perto de Candaar.
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Anos depois, a mesquita em si virou um campo de batalha. Um cerco de oito dias, com tiroteio que colocou os soldados contra militantes e estudantes refugiados do lado de dentro, e terminou com mais de 100 mortos. Foi um momento decisivo para o Paquistão – um sinal de que a militância islâmica, uma ferramenta de estratégia há muito favorecida pelas forças militares do Paquistão, haviam se tornado uma ameaça ao governo e às maiores cidades do país.
Agora, a Mesquita Vermelha volta a chamar a atenção do público. Um debate nacional ocorre para saber se o país irá negociar com os militantes, como o governo está lutando para fazer, ou se irá combatê-los mais firmemente.
O clérigo principal da Mesquita Vermelha, Maulana Abdul Aziz, entrou na discussão com um gesto tipicamente chamativo: a inauguração de uma biblioteca com o nome do fundador assassinado da Al-Quaeda.
– Se o Paquistão verdadeiramente tem liberdade de expressão, então devemos poder expressar o nosso amor pelos nossos heróis -, declarou Aziz, um homem esguio usando óculos e uma barba cinza rija, numa sala com a placa “Biblioteca Osama bin Laden, Mártir” na porta. -E amamos Osama bin Laden-.
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Porém, o ressurgimento da Mesquita Vermelha é mais do que uma jogada publicitária. Como uma marca jihadista, ela melhorou as suas credenciais de fortaleza da revolta islâmica. E, assim como fizeram há sete anos, os clérigos da mesquita estão explorando o fracasso do governo em oferecer uma visão alternativa para o futuro do Paquistão.
– Precisamos de uma forte contranarrativa, algo que dê propósito à guerra contra o Talibã-, declarou Pervez Hoodbhoy, professor de física paquistanês e um forte crítico do fundamentalismo religioso. – Mas está faltando isso. E embora as pessoas critiquem os talibãs por suas táticas, muitas acreditam que eles tenham bom coração porque estão lutando pelo islamismo-.
Atualmente, Aziz faz sermões estrondosos nas sextas-feiras na Mesquita Vermelha renovada, a uma pequena distância do edifício do parlamento. E ele supervisiona uma rede de madrassas que ensinam 5.000 alunos.
Há apenas sete anos, a mesquita estava no auge de uma batalha feroz contra as autoridades. Aziz tentou escapar do cerco usando uma burca, bolsa e luvas, mas foi capturado e exibido pelos serviços de inteligência em rede nacional, ainda trajando a capa negra.
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O irmão do clérigo, Abdul Rashid Ghazi, e sua mãe idosa morreram no tiroteio. Após o término do cerco, Aziz foi acusado de assassinato, abdução, incêndio culposo e terrorismo. No entanto, em dois anos, a mesquita e Aziz estavam de volta aos negócios.
Malik Riaz Hussain, um simpatizante magnata do setor imobiliário, forneceu um lar provisório para centenas de alunos da madrassa, e gastou pelo menos 150.000 dólares com a renovação da mesquita cravejada de balas. Ele atribuiu a sua generosidade ao pragmatismo ao invés da convicção religiosa.
– Tenho grandes interesses em Islamabad e Rawalpindi-, o homem de negócios, que tem vínculos íntimos com os militares, contou ao jornal The New York Times em uma entrevista em 2010. – A desordem pública não é bom para o meu negócio -.
A cidade doou um terreno que vale milhões de dólares no centro de Islamabad para a reconstrução de Jamia Hafsa, uma madrassa feminina que havia sido demolida após o cerco de 2007. A madrassa, cuja construção não está completa, é lar da biblioteca Osama bin Laden.
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Entretanto, são as cortes que têm sido mais complacentes em relação a Aziz e seus seguidores. No ano passado, os juízes rejeitaram as 27 acusações criminais contra ele, que às vezes usa a sala de audiência como púlpito para exigir a imposição da sharia.
Em vez disso, a atenção da corte se concentrou principalmente no General Pervez Musharraf, o ex-governante militar do Paquistão. Um inquérito judicial determinou que foi Musharraf, e não Aziz, o responsável pelas mortes durante o cerco à Mesquita Vermelha, embora jihadistas armados dos grupos militantes proibidos tivessem se juntado aos alunos do lado de dentro.
Em outubro, um juiz superior, incitado pelo advogado de Aziz, acusou Musharraf por seu papel no cerco e o sentenciou à prisão domiciliar. Nas últimas semanas, a Fundação Mártires, um grupo que representa as famílias dos alunos que morreram no cerco, entregou um abaixo-assinado à Suprema Corte para impedir que Musharraf deixe o Paquistão até que termine o seu julgamento por traição, em andamento no momento.
– As forças da direita assumindo o país paulatinamente seria a realização de nossos mais profundos temores -, disse Hoodbhoy, que recentemente fundou um grupo de reflexão para estimular o debate. – Não só a Mesquita Vermelha está em melhor condição do que antes do cerco, ela orgulhosamente se gaba do fato de que os alunos enfrentaram as forças do governo e as derrotaram -.
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A polícia, contudo, é mais cética acerca de Aziz. Em uma audiência recente na corte, a polícia de Islamabad argumentou que o nome do clérigo deveria permanecer na programação oficial dos suspeitos de terrorismo por seus vínculos de longa data com Sipah-e-Sahaba Paquistão, um grupo militante sectário conhecido pela violência contra os muçulmanos xiitas.
Na biblioteca Bin Laden, Aziz ofereceu uma denúncia de violência qualificada – foi justificado somente como autodefesa, ele disse – e negou acusações de que o seu gesto de reverência em relação ao antigo inimigo da América seria uma jogada publicitária.
-A maioria do povo paquistanês ama Osama bin Laden-, ele declarou.
As pesquisas de opinião não sustentam essa afirmação, mas é verdade que muitos paquistaneses – divididos entre a violência do Talibã, o ódio contra a América e a incerteza contínua sobre o lugar do islamismo – têm sentimentos ambíguos em relação a Bin Laden.
Os nomes são realmente importantes. Longe da violência islâmica, batizar os edifícios públicos se tornou um terreno disputado na luta entre os islâmicos e os democratas.
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O principal aeroporto de Islamabad, por exemplo, foi batizado em homenagem a Benazir Bhutto, a líder da oposição que foi assassinada pelos militantes no final de 2007. Na distância de alguns quilômetros, uma nova mesquita honra Malik Mumtaz Hussain Qadri, o extremista que em 2011 abateu a tiros Salman Taseer, o governador de Punjab e militante contra as duras leis de blasfêmia do país.
Em Jamia Hafsa, Aziz batizou uma farmácia em homenagem a Aafia Siddiqui, uma paquistanesa que está cumprindo sentença de 86 anos de prisão nos Estados Unidos acusada de tentar matar um soldado americano e um funcionário do FBI no Afeganistão.
Seja qual forem as suas ligações diretas com a militância, a Mesquita Vermelha permanece um poderoso grito de guerra para os extremistas. O líder nominal do Al-Quaeda, Ayman al-Zawahri, fez declarações em apoio à Mesquita Vermelha, enquanto ex-alunos executaram ataques com bombas contra ocidentais e paquistaneses.
A Mesquita Vermelha também estreou uma volta à internet: a sua página no Facebook foi batizada em homenagem à Brigada 313, um bando temível de mulheres armadas que conduziu ataques em bordéis suspeitos e lojas de vídeos em Islamabad em 2007, nos meses antecedendo o cerco.
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Um retorno a tamanho vigilantismo é improvável, declarou Cyril Almeida, colunista do Dawn, um jornal de língua inglesa no Paquistão. Mas ele alertou que o perfil fortalecido da mesquita trazia outros perigos.
Segundo Almeida, – Quanto mais eles ganharem visibilidade no palco nacional, mais o mito dos militantes lutando a boa luta contra um estado ilegítimo ganha força. E isso torna a narrativa da guerra mais difícil de ser vencida pelo estado-.
No começo desse ano, o governo convocou Aziz para as conversações com o Talibã, na esperança de usá-lo como um interlocutor militante. Mas em fevereiro, o clérigo abandonou o processo. Nenhuma conversação é possível, ele declarou em uma coletiva de imprensa, antes de substituir a Constituição Paquistanesa pela lei sharia.