*James Gorman

Montessa, chimpanzé fêmea de 46 anos, passou por muita coisa. O primeiro registro de sua vida é a nota fiscal de sua compra, quando tinha cerca de um ano de idade, emitida por um importador em 1975 para a colônia de pesquisa no Novo México, na Base Aérea de Holloman. Ela ainda está lá.

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O local agora é chamado de Instalação Primata Alamogordo, e Montessa, que provavelmente nasceu na natureza e foi capturada para venda, é um dos 39 chimpanzés que vivem lá, todos eles são propriedade do Instituto Nacional de Saúde (NIH, na sigla em inglês).

Nos últimos 45 anos, Montessa engravidou cinco vezes e deu à luz quatro vezes. Os registros publicamente disponíveis não revelam exatamente quais tipos de experimentos foram realizados com ela, mas se sabe que esteve envolvida em um estudo hormonal por um ano e durante dois outros foi submetida a uma série de biópsias hepáticas.

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Quando o dr. Francis Collins, diretor do NIH, decidiu, em 2015, que todos os chimpanzés de propriedade federal seriam permanentemente retirados da pesquisa, parecia que Montessa poderia ter a chance de andar pela grama em Chimp Haven, na Louisiana, o santuário indicado e substancialmente apoiado pelo NIH.

Ela não teve essa sorte.

O plano de aposentadoria tinha uma ressalva: os chimpanzés considerados muito frágeis para serem transportados por causa da idade, doença ou ambos, ficariam em Alamogordo. Eles não estariam mais sujeitos a experimentos, deveriam ser alojados em grupos de sete ou mais e teriam acesso a espaço ao ar livre e estímulo comportamental (brinquedos, por exemplo).

Mas, há um ano, o NIH decidiu que Montessa e outros 38 chimpanzés não poderiam se mudar para Chimp Haven, com base nas recomendações da equipe de Alamogordo, de que os chimpanzés, muitos com diabetes ou doenças cardíacas, sofreriam e poderiam até morrer se fossem transferidos para o santuário.

Ativistas do bem-estar animal e legisladores do Congresso exigiram que Collins revisse a decisão. Eles argumentam que os cuidados em Alamogordo não são o que deveriam ser, com grupos de tamanhos reduzidos e diretrizes para a eutanásia pouco específicas, além de informação e transparência insuficientes sobre a vida e a morte dos chimpanzés.

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Foi dito que Montessa tem problemas cardíacos, embora os prontuários disponíveis não deixem isso muito claro, de acordo com Laura Bonar, diretora de programas e políticas da Proteção Animal do Novo México.

Ela e outros ativistas do bem-estar animal não estão satisfeitos com as avaliações da equipe de Alamogordo ou com a forma como o NIH tomou sua decisão. Um painel de veterinários do NIH aceitou todas as recomendações da equipe de Alamogordo depois da revisão dos registros. Eles não visitaram a instalação nem examinaram nenhum dos chimpanzés.

Não só grupos de bem-estar animal, mas também legisladores do Congresso denunciaram a decisão, e vários escreveram uma carta instando o NIH a reverter o curso, rever o processo e encontrar uma maneira de mover os chimpanzés.

Mas James Anderson, diretor da Divisão de Coordenação de Programas, Planejamento e Iniciativas Estratégicas do NIH, responsável pelo apoio aos chimpanzés, rejeitou os pedidos para rever a decisão. “Não, o NIH não vai revisar ou reconsiderar o processo. As determinações do painel são definitivas. Os animais não serão avaliados quanto à realocação”, declarou Anderson em um e-mail.

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Em suma, os chimpanzés que estão agora em Alamogordo vão morrer em Alamogordo.

Para aqueles que dão preferência ao Chimp Haven como destino para todos os chimpanzés aposentados, como originalmente planejado em sua fundação, a situação dos 39 animais é um triste resultado para o que parecia ser um desfecho feliz improvável que começou há dez anos com os mesmos chimpanzés.

Em 2010, os chimpanzés de Alamogordo não eram usados em pesquisas médicas fazia uma década. Eles foram informalmente, mas não oficialmente, aposentados como cobaias, embora ainda permanecessem no local. Então o NIH começou a levar alguns deles para outro laboratório no Texas, para que voltassem a ser parte da população de pesquisa novamente.

Um clamor gerado por essa atitude levou Collins, chefe do NIH, a iniciar uma revisão que resultou no fim do uso de chimpanzés para qualquer pesquisa biomédica.

Shaq, um animal de pesquisa biomédica aposentado, no santuário Chimp Haven em Keithville
Shaq, um animal de pesquisa biomédica aposentado, no santuário Chimp Haven, em Keithville (Foto: Karalee Scouten / Chimp Haven via The New York Times)

Collins afirmou que os chimpanzés são nossos parentes mais próximos e “merecem atenção especial”, e ativistas abraçaram o que parecia para muitos deles um ato de coragem. Kathleen Conlee, vice-presidente de pesquisa animal da Humane Society dos Estados Unidos, disse: “Vou pensar sempre no dr. Collins entrando para a história por fazer o que é certo para os chimpanzés”.

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Ela já não tem mais tanta certeza, agora que a agência voltou atrás em sua promessa de aposentar os animais em Chimp Haven. Segundo ela, “os chimpanzés merecem essa oportunidade depois de tudo por que passaram”.

O senador democrata Tom Udall é mais direto: “O NIH pisou na bola”. Defensor do bem-estar dos chimpanzés há mais de dez anos, o senador acrescentou: “Não acredito que o NIH esteja usando os recursos dos contribuintes sabiamente para o tratamento humano desses chimpanzés”.

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De acordo com as informações mais recentes do NIH sobre o custo da manutenção dos chimpanzés, a agência gastou cerca de US$ 7,6 milhões no ano fiscal de 2019. Udall e a Proteção Animal do Novo México dizem que o NIH paga a Alamogordo cerca de três vezes o que paga ao Chimp Haven – cerca de US$ 42 por dia por chimpanzé. O NIH apresentou um cálculo diferente, baseado em uma média de nove anos em vez de 2019, colocando o custo de Alamogordo em cerca de US$ 75 por dia, e o Chimp Haven em cerca de US$ 45 por dia em fundos federais, com outros US$ 15 por dia arrecadados por este último mediante doações.

A deputada democrata Lucille Roybal-Allard, outra defensora da aposentadoria dos chimpanzés, declarou estar “profundamente desapontada” com as ações de Collins. Ela disse que as instalações do laboratório não podem atender às “complexas necessidades físicas e psicológicas dos chimpanzés” e pediu a Collins que “fizesse a coisa mais humana e liberasse esses chimpanzés para o santuário”.

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Não há dúvida de que a vida dos chimpanzés em Alamogordo melhorou desde os dias em que eram usados em pesquisa médica, sujeitos a biópsias e outros procedimentos como o de Montessa. Os animais agora estão com cuidadores e veterinários que tomam conta deles há anos.

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No entanto, informações em tempo real sobre seu bem-estar são difíceis de obter. Bonar, da Proteção Animal do Novo México, teve de lançar mão da Liberdade de Informação para ter acesso a alguns registros médicos e conseguiu outros por intermédio de membros da equipe do Congresso.

Uma de suas maiores críticas a Alamogordo é a qualidade dos cuidados prestados aos chimpanzés, principalmente no fim da vida.

Katherine Cronin, primatologista e cientista do bem-estar animal do Lincoln Park Zoo, em Chicago, analisou registros obtidos no Novo México e informou que todos os grupos de chimpanzés tinham menos de sete membros (o mínimo recomendado por um relatório do NIH em 2013). Embora conste nas diretrizes que nenhum chimpanzé “deve ser obrigado a viver sozinho por longos períodos”, Cronin disse que um dos animais passou seis meses sozinho.

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Ela descreveu a situação de “Danny, um macho de 37 anos que foi transferido para o ‘quarto dos doentes’ e isolado”, depois que observaram que ele havia perdido peso, que se movia lentamente e que perdera o interesse por comida. Isso foi em 12 de novembro. “No dia seguinte, foi relatado que ele não reagia a seu entorno e recusava comida, e por isso foi eutanasiado”, escreveu. Ela observou que a prática de isolar chimpanzés doentes pode levar à depressão e exacerbar a perda de apetite.

O governo federal tem um contrato com a empresa Charles River Laboratories, que emprega veterinários e outros funcionários na unidade de Alamogordo. Amy Cianciaruso, vice-presidente corporativa de comunicações da Charles River, escreveu em um e-mail: “Como você sabe, é uma instalação do NIH, portanto o NIH é responsável por todas as tomadas de decisão e pela gestão administrativa”.

Embora a agência tenha aprovado os protocolos de eutanásia, as decisões ficam a cargo dos veterinários de Alamogordo.

Lori Gruen, filósofa da Universidade Wesleyan que escreve sobre bem-estar animal e chimpanzés em particular, disse que a falta de supervisão externa dos cuidados prestados aos chimpanzés por parte do contribuinte, particularmente em relação aos cuidados no fim da vida, era um grande problema. Ela afirmou que essas decisões não devem ser tomadas apenas por veterinários. “Há questões éticas mais profundas que vão além da saúde física”, completou.

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A qualidade de vida de um chimpanzé deve ser discutida de diferentes pontos de vista, talvez por um comitê, sugeriu. “Se houver uma conversa sobre o fim da vida com um grupo de cuidadores, especialistas em ética e veterinários, é possível chegar a uma decisão justa”.