Neste abril, mês em que ocorrem atividades para celebrar os povos indígenas (o Dia do Índio é comemorado no dia 19), os originários vivem um período de grandes desafios. Se em 2023 ganharam um ministério para chamar de seu, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), experimentam também a expectativa de votação do marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF). Para o movimento indígena, o caso é considerado como “o julgamento do século”.

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A questão é tratada no Recurso Extraordinário (RE) 1017365, com repercussão geral, que discute se a data da promulgação da Constituição Federal deve ser adotada para definição da ocupação tradicional da terra por indígenas.

A corte analisa a reintegração de posse movida pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à TI Ibirama-Laklãnõ, na região do Vale do Itajaí. O julgamento já teve início no STF, mas foi interrompido por pedido de vista e voltará à pauta de julgamentos. O relator é o ministro Edson Fachin. No voto, ele fez forte defesa dos direitos indígenas. Na ocasião, o ministro Kassio Nunes Marques divergiu.

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O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes e ainda aguarda data para ser retomado no plenário. A ministra Rosa Weber, presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), declarou que pautará ainda no primeiro semestre deste ano.

– Nós, os indígenas, fizemos questão de que seja votado o quanto antes, pois o marco temporal não se refere apenas ao território Xokleng, mas por ter repercussão geral impacta em todos as aldeias que esperam por definição de suas áreas – diz Kerexu Yxapyry, liderança do povo Guarani Mbya no Morro dos Cavalos, em Palhoça, e secretária nacional dos direitos ambientais e territoriais do MPI.

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Se aprovada, a tese do marco temporal determinará que só poderão ser demarcadas as terras indígenas que estivessem comprovadamente sob posse dos originários no dia da promulgação da Constituição Federal. Os povos que, por exemplo, tenham sido retirados dos territórios e não o tivessem reocupado até essa data, perderiam o direito à terra. A defesa indígena argumenta que em nenhum momento a Constituição Federal adotou requisitos temporais para averiguar a ocupação indígena.

– A gente tem histórico de uma luta grande pela questão da terra, inclusive, uma campanha que diz que “nossa história não começa em 1988”. Temos absoluta certeza de que se trata de algo inconstitucional contra nossos direitos – defende Kerexu.

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Quem é Kerexu Yxapyry, liderança indígena do Morro dos Cavalos, em Palhoça

Em janeiro, o governo de Santa Catarina pediu que a ação que discute o marco temporal fosse suspensa por 90 dias para que a corte pudesse abrir um processo de conciliação. Mas o pedido foi negado pelo ministro relator Edson Fachin. No pedido, o Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Santa Catarina sustentou que a “substancial alteração do cenário político-institucional brasileiro”, tanto no Estado quanto na esfera nacional, demonstrava ser possível a abertura de uma nova via de entendimento para o assunto.

Em manifestação enviada ao STF, representantes do povo Xokleng se declararam contra a proposta e pediram a continuidade do julgamento. Para eles, a tentativa de conciliação entre as partes poderá expor diversas comunidades indígenas a um maior risco e vulnerabilidade.

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Fachin classificou como “louvável e exequível” a proposta de diálogo apresentado pela entidade catarinense, mas disse que isso poderia ser feito diretamente entre o Estado e a União. “Ficam tais entes, portanto, suscitados a avançar da teoria à prática em diálogos institucionais republicanos entre si, respeitando sempre, a presença de legítimos interessados, os indígenas e os agricultores”, declarou. O ministro sugeriu que a tentativa de acordo poderia ser feita através da Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal.

Por outro lado, a Articulação dos Povos Indígenas se mostra contrária a uma tentativa de negociação por entender que se trata de uma proposta mais interessante ao agronegócio do que para os povos indígenas que, sem as demarcações têm dificuldade para produzir alimentos, moradia, saneamento.

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Demarcação do morro dos cavalos deve sair em breve

Em dezembro de 2022, o relatório final apresentado pelo Grupo de Trabalho sobre Povos Indígenas do governo de transição apontou a importância de demarcar 13 TI’s que não possuem pendências em seus processos. Em Santa Catarina, uma dessas é o Morro dos Cavalos. Dos 680 territórios indígenas regularizados no país, mais de 200 aguardam análise para serem demarcados, conforme a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

– Lutamos por isso. Tivemos muitos problemas e muitas perseguições injustas quando nossos direitos foram contestados. Agora, parece que o sonho vai se realizar – diz Kerexu, moradora e liderança que esteve à frente dos processos de demarcação do território.

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De 24 a 28 deste mês, em Brasília, será montada a 19ª edição do Acampamento Terra Livre, a maior mobilização dos povos indígenas do Brasil. O evento reforça a importância da demarcação de terras indígenas no país, paralisadas durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Em 2022, o Acampamento Terra Livre reuniu em Brasília mais de 8 mil indígenas, de 200 povos diferentes e de todas as regiões do Brasil. A mobilização abriu caminho para a eleição das deputadas federais Célia Xakriabá e Sonia Guajajara, atual ministra no MPI, e para outras conquistas, como a criação do próprio Ministério dos Povos Indígenas e a retomada da Funai e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

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