Há dez anos, quando as nutricionistas Simone Machado Ribeiro e Lucila Basso começaram a oferecer produtos para pessoas com intolerâncias e alergias alimentares em Joinville, o mercado da alimentação saudável ainda “engatinhava” no Brasil. A expansão nacional do setor de alimentação saudável começaria para valer apenas dois anos depois, crescendo 98% no País entre 2009 e 2014.
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Em Joinville, quando o “boom nacional” já estava prestes a se estabilizar, Simone e Lucila começaram a perceber que não estavam mais sozinhas: nos últimos três anos, foram abertos pelo menos 24 empreendimentos focados em produtos para restrições alimentares devido a saúde (intolerantes, alérgicos, diabéticos e hipertensos) e a estilo de vida (vegetarianos e veganos). Além dos pontos físicos especializados neste tipo de alimentação, em restaurantes, cafeterias e lojas há também as opções de encomenda e pronta entrega.
Foi exatamente há três anos que o escritório do Sebrae em Joinville começou a receber um número alto de interessados em abrir negócios na área de alimentos com o foco na alimentação saudável. Boa parte mescla nos cardápios a oferta para interessados em reeducação alimentar e dietas low carb (com redução de carboidratos) com produtos sem leite, glúten e açúcar. É uma forma de atender à demanda das restrições e atingir a um número maior de consumidores.
– Sempre houve celíacos, intolerantes à lactose, pessoas com alergias, apesar de haver muito mais diagnósticos atualmente. Mas estas pessoas não tinham a cultura de comer fora de casa, por falta de opções e por desconfiança de contaminação cruzada, que há quatro anos era muito grande. Então, o número de pessoas que compravam não sustentava o custo destes estabelecimentos – avalia a analista técnica do Sebrae, Milena Zimmerman de Freitas.
A expansão deste setor só foi possível com a mudança de pensamento do consumidor, que, recentemente, começou a dar mais atenção aos valores nutricionais dos alimentos. Segundo Milena, muitos dos microempreendedores que deram início a este tipo de negócio após procurar o Sebrae não vinham com a ideia de trabalhar com as restrições alimentares, mas, ao participarem de capacitações e estudarem o mercado, percebiam que havia um nicho sendo criado.
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– A maioria dos nossos clientes não tem restrições alimentares, mas procuram estes produtos porque estão mais conscientes a respeito da própria saúde, preocupados em ter uma alimentação diferenciada – afirma Simone.
Mercado para veganos ainda em alta
Entre eles, há um grande número de veganos, pessoas que decidiram mudar a alimentação por opção, mas não encontravam opções que contemplassem sua escolha. Milena aponta que, a partir de 2018, este público continua em evidência, enquanto os empreendedores que quiserem focar nos alimentos para intolerantes e alérgicos precisarão começar a encontrar outras formas de se colocarem no mercado.
– A “crista”” deste setor começou a baixar. Mas, para os veganos, ainda não se esgotou, porque é um público muito grande que ainda tem poucas opções na cidade – avisa Milena.
O primeiro café vegano
O jornalista Bruno Isidoro, vegano há 12 anos, não tinha o mercado da alimentação como sonho de investimento. Ele queria apenas ter um lugar onde pudesse experimentar outras receitas além daquelas que fazia em casa, já que raramente encontrava boas opções de pratos veganos em restaurantes de Joinville. Até 2015, no entanto, não havia nem mesmo lugar para um vegano comer bolo e tomar café na cidade.
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– Muita gente nem sabia o significado de vegano e, quando era explicado, ofereciam salada ou batata frita como opção. Eu não queria ter um restaurante, queria só a possibilidade de ir a um lugar assim em Joinville, mas como ninguém criava eu mesmo fiz – recorda ele.
Em maio de 2015, Bruno abriu o Salvador Vegan Café, o primeiro estabelecimento vegano da cidade. O local é compartilhado com uma livraria, o que, segundo Bruno, funciona como atrativo aos clientes.
– A maior parte dos frequentadores não é de veganos, são pessoas que vêm por causa do ambiente, pela união da gastronomia e da literatura, que tornam o ambiente diferente – avalia ele.
Nos últimos anos, Bruno tornou-se referência para novos empreendedores do mesmo setor e para donos de restaurantes tradicionais que desejam incluir opções veganas no cardápio. Ele é convidado para conversar sobre a elaboração dos pratos e a experimentá-los – o que ele faz, sem preocupação com a palavra “concorrência”.
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– Faço questão de estar junto, de ajudar. Muitos restaurantes adicionam pratos no cardápio como se fosse um favor, sem se preocupar com o sabor. O segredo não é só dar opção, é oferecer um prato saboroso, que você pode querer comer mesmo sem ser vegano – conta.
Entender a dor do cliente
É comum que a principal motivação de quem decide abrir um restaurante com foco em restrições alimentares é porque sente na pele — e no paladar — as dificuldades de ter opções limitadas de gastronomia. Milena, do Sebrae, chama este movimento de “entender a dor do cliente”: são pessoas que enxergaram a demanda por serem também um dos consumidores.
No caso de Simone Ribeiro, a origem do Essência de Baunilha, aberto com Lucila Basso, explica-se dessa forma. Há dez anos, o filho de Simone nasceu com alergia à proteína do leite e, para continuar a amamentá-lo, ela precisava eliminar totalmente os produtos lácteos da própria alimentação.
— Não havia produtos no mercado para este tipo de restrição. Então a Lucila, no papel de amiga e nutricionista, começou a criar receitas que eu pudesse comer — lembra Simone.
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Com o tempo, estes produtos começaram a ser oferecidos a outros conhecidos, que as incentivaram a montar o empreendimento. Na época, foi iniciado como produção para distribuição em outras padarias mas, com os pedidos dos clientes e a dificuldade de convencer o mercado tradicional de aceitar que poderia haver demanda para estes produtos, elas abriram um ponto de vendas e uma delicatesse no bairro Santo Antônio em 2013.
O fato de terem conhecimento em nutrição foi essencial para Simone e Lucila conquistarem sucesso com o negócio próprio. Simone conta que, quase diariamente, pelo menos um novo cliente chega com o diagnóstico de restrição alimentar, principalmente mães com bebês alérgicos à proteína do leite, e elas oferecem apoio e mais explicações sobre o tipo de alimentação.
— Às vezes, o paciente fica tão chocado com o diagnóstico que não consegue compreender as informações que recebeu no consultório. Como temos conhecimento técnico, podemos explicar e, ao verem a quantidade de produtos disponíveis, ficam mais tranquilos — conta Simone.
Saiba mais:
Há estimativas de que até 40% da população brasileira adulta sejam intolerantes à lactose (em diferentes graus) e 18% alérgicos à proteína do leite. Além disso, 2 milhões de brasileiros são celíacos e um em cada 11 brasileiros tem diabetes, enquanto um em cada quatro é hipertenso. Por fim, em 2012, 15,2 milhões dos brasileiros se declararam adeptos do vegetarianismo à pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) – sem diferenciação sobre a quantidade de veganos entre eles – o que corresponde a 8% da população do País.
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