Na escola básica Herondina Medeiros Zeferino, no bairro Ingleses, em Florianópolis, os alunos do quinto ano do ensino fundamental aprenderam nos últimos meses sobre os países e a cultura da África. Pesquisaram o continente como o berço da humanidade, montaram mapas, estudaram sobre os países, confeccionaram vasos africanos, participaram de atividades de pintura e fizeram rodas de conversa para debater também o reconhecimento dos traços da afrodescendência de colegas. Reconhecimento com base no conhecimento.

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A ação é feita pelas professoras Rosilene da Silva e Alessandra Holits nas aulas de história e geografia em uma ação que aborda todos os anos algum tema diferente dentro das questões étnico-raciais.

— É para trabalhar o respeito, aceitar todos como irmãos. Mostrar que a cor não interessa, que somos todos pessoas. Reconhecer entre eles com respeito essas diferenças. Quem foi que disse que para você ser bonito tem que ser simétrico, ter nariz assim, boca assim? Isso não existe. E eu até me emociono às vezes porque noto nos alunos essa valorização. Eles se reconhecem quando estudamos isso em sala — conta a professora Rosilene.

O projeto na escola no Norte da Ilha de SC atende a uma das metas previstas no Plano Nacional de Educação (PNE), que aponta no terceiro tópico a necessidade de “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”.

No entanto, desde que o PNE foi lançado, em 2014, o número de municípios de Santa Catarina que dizem implantar ações sistemáticas contra a discriminação na rede pública de ensino diminuiu. A afirmação tem como base a comparação dos resultados da pesquisa Perfil dos Municípios 2018, divulgada na semana passada, com a edição de 2014 do mesmo levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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O número ainda é alto. Segundo o IBGE, no ano passado 80% dos municípios catarinenses fizeram ações contra a discriminação nas escolas — seja a discriminação racial, religiosa, homofobia ou qualquer outro tipo. Mas o índice é inferior à média da Região Sul (83,5%) e do Brasil (86%), e representa uma queda em relação ao dado de 2014, quando 85% dos municípios do Estado tinham medidas de combate.

Em números brutos, isso quer dizer que em 2014 pelo menos 47 das 295 cidades catarinenses disseram “não” na pesquisa do IBGE quando perguntadas se faziam ações contra a discriminação nas escolas. No ano passado, o número subiu para 60 secretarias de educação municipais.

Vasos inspirados na África
Inspirados na cultura africana, alunos de escola na Capital fizeram vasos com material reciclado (Foto: Diorgenes Pandini / Diário Catarinense)

A pesquisa do IBGE também elencou outros pontos que os responsáveis pela educação nas cidades catarinenses citavam como “temas prioritários”. Das 295 cidades, somente quatro colocaram o combate ao bullying como uma prioridade e outras 12 apontaram o combate à violência nas escolas.

Entre as ações de combate à discriminação, a pesquisa aponta que a homofobia é a menos abordada nas escolas de SC. Somente 41% das cidades informaram fazer ações sistemáticas sobre o tema em 2018. A discriminação religiosa foi abordada por 46% dos municípios, e a racial por 65%.

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Entre os municípios que não fizeram nenhuma ação contra a discriminação nas escolas no ano passado, a maioria é de pequeno porte, com menos de 50 mil habitantes. A maior cidade na lista é São Francisco do Sul, no Norte do Estado. Atual gerente de ensino do município, Lindonor Souza da Silva diz desconhecer as informações prestadas pelo município ao IBGE em relação às práticas no ano passado.

Atualmente, a gerente aponta que a educação em São Francisco do Sul trata do combate à discriminação religiosa dentro das aulas de ensino religioso na rede pública, e cita o exemplo da Escola Municipal João Germano Machado, que possui um projeto que aborda “discriminação de qualquer natureza, preconceito, bullying, intolerância e vários outros temas que inviabilizam a construção de uma sociedade pautada no respeito”.

"A escola é um espaço onde a diversidade deve estar presente", diz especialista

Professora do programa de mestrado e doutorado em educação da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Sandra Cristina Vanzuita da Silva faz uma relação entre a redução das ações de combate à discriminação nas escolas catarinenses com o menor número de políticas públicas afirmativas sobre diversidade. Para ela, o movimento nas escolas acompanha o que acontece no ambiente político, em que esse tipo de tema tem tido menos espaço.

— Quando as coisas ficam muito polarizadas, bem e mal, certo e errado, se cria um perfil de como agir, é óbvio que aumenta a discriminação. Por mais que exista um discurso de combate à discriminação, na prática as ações não acontecem tão efetivamente. Os temas ainda são um tabu, às vezes. Questão de gênero, por exemplo, quando estava prevista na base curricular, as próprias professoras tinham um menor entendimento sobre como trabalhar. Agora, fora do currículo, fica pior ainda — avalia a professora.

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Para ela, o caminho necessário é criar projetos que levam propostas metodológicas para as escolas, que permitam ações com as crianças em um melhor jeito de entender as causas:

— O melhor jeito de defender uma causa é respeitar, planejar ações em relação àquilo, problematizar. Você respeita aquilo que você conhece. A escola é um espaço laico onde a diversidade deve estar presente. Ela recebe crianças de todas as raças, etnias.

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