Ao tirar a camiseta, o pedreiro Jonas Weber, 24 anos, exibe uma grande cicatriz em forma de L, obra de um bisturi. Não dói. Tampouco atrapalha seu trabalho na construção civil. Ele acha até bonita.

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– Essa marca significa aquilo ali, ó: um bebê correndo com um pedaço de mim – diz, apontando para o sobrinho Raizo Stach, que, graças a um fragmento do fígado do tio, pôde nascer duas vezes e se tornar o menor paciente a passar por um transplante do órgão na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.

O primeiro parto foi em 5 de junho de 2013, no Hospital Bruno Born, em Lajeado, no Vale do Taquari. Raizo, segundo filho da frentista Andréa Stach e do eletrotécnico Gilmar Stach, nasceu aparentemente saudável. Um mês depois, começou a amarelar. Os pediatras desconfiaram de icterícia. O diagnóstico só veio após outros 30 dias, já na Capital: atresia biliar, doença congênita que obstrui os canais que levam a bile ao intestino, comprometendo o fígado.

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– Não havia outra saída para salvá-lo senão o transplante. Era um risco de vida muito evidente – conta o médico Antônio Kalil, coordenador cirúrgico dos transplantes hepáticos pediátricos da Santa Casa, onde o procedimento ocorreu.

No sábado, um menino curioso, sorridente, apaixonado por cães e passarinhos comemora, ainda que sem saber, o sucesso do transplante, seu segundo parto. Foi em 13 de dezembro, no Hospital Dom Vicente Scherer, que ele renasceu, depois de uma cirurgia que durou mais de 10 horas e envolveu cerca de 40 profissionais. Foi esta data, e não a do nascimento, a escolhida pela família para celebrar seu aniversário, já que, não fosse a operação, o pequeno não teria resistido à enfermidade.

– A imagem que tenho do meu filho hoje é exatamente a que eu sonhava para ele. Durante aquele tempo de apreensão, não sabia se ia virar realidade – conta o pai.

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Virou. E quem fez isso possível foi o tio e dindo Jonas, frente à impossibilidade de os pais do bebê serem os doadores (a cesárea à qual Andréa havia sido submetida e a presença de anticorpos da hepatite no organismo de Gilmar foram os impeditivos). Para o medo, não houve espaço.

– Algo me dizia que iria dar certo – relembra o irmão de Andréa, que não teve qualquer perda de função hepática.

Procedimento entre pessoas vivas evita espera por órgão

A vantagem do transplante entre pessoas vivas, conforme Kalil, é que não há necessidade de entrar na fila de espera por doador – mais demorada quanto menor o paciente. A compatibilidade não deve se restringir ao tipo sanguíneo: é preciso verificar, também, se o peso e o tamanho do fígado do doador se adequam às medidas de um bebê. Raizo tinha cerca de cinco quilos e 65 centímetros de altura quando entrou na sala de cirurgia.

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– Ele ainda está com o título de menor receptor de fígado da Santa Casa – conta Kalil, feliz ao receber fotos do paciente.

Raizo leva a vida normalmente, mas com algumas restrições. A família, que mora em Estrela, precisa viajar a Porto Alegre a cada três meses para checar a dosagem do remédio antirrejeição, que Raizo tomará a vida toda. O cuidado com o tétano e a catapora é redobrado: por terem efeitos no fígado, as vacinas contra essas doenças foram proibidas. Só agora, um ano após o transplante, o menino foi liberado para ir à creche.

O amparo dos pais garantiu que o menino já tenha incorporado à rotina hábitos prudentes. Se cai a chupeta, ele a entrega para alguém passar água quente. Mas ainda há um trauma inconsciente: chora ao ver gente de branco.

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– Medo de injeção. Vai passar – diz Gilmar.