Eduardo é fã de Wolverine, o herói dos quadrinhos com “o fator de cura mutante”. A preferência é recente.
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– Até ontem, eram o Homem Aranha e o Hulk – conta a mãe, a costureira Alessandra Prestes, 28 anos.
A súbita mudança ocorreu de um dia para o outro, na segunda-feira passada, quando o transplante de medula óssea a que Eduardo foi submetido completou cinco anos. Foi justamente no dia considerado pelos pais como o segundo aniversário do menino que tudo virou Wolverine: do Capitão América recém-ganho ao cachorro que ainda está por vir. Questionado sobre o gosto pelo novo ídolo, o menino de cinco anos responde com simplicidade:
– Porque sim.
Já o tio, o pedreiro Vitor Brizolla, 33 anos, tem outra explicação:
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– O Wolverine não tem ferimentos, recupera-se de tudo.
E a energia que Eduardo dispende nos corredores do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) no dia dos exames e da consulta de rotina mostra que ele se recuperou. Também justifica as campanhas de incentivo à doação de medula óssea. O menino nasceu com deficiência leucocitária, uma doença rara que ataca o sistema imunológico. Conforme o médico Gustavo Brandão Fischer, do serviço de Hematologia Clínica do hospital, uma em cada 500 mil pessoas nasce com o problema. A única possibilidade de sobrevivência é o transplante:
– Não existe nenhum medicamento. A cada ano, o aumento no número de pessoas cadastradas melhora as chances dessas crianças.
Em galeria de fotos, conheça a trajetória de Eduardo ao longo dos cinco anos
Enquanto o médico explica a importância da doação, Eduardo brinca no consultório como se estivesse em casa. Veste luvas, espalha brinquedos pela sala, sobe na mesa de exames. Além dos cinco anos que se passaram entre a operação e a consulta de rotina, uma corrente de solidariedade separa o bebê franzino, sem forças nem mesmo para sugar o leite da mãe, do garoto que corre ou pratica golpes de capoeira nos corredores do hospital. Há sete anos no Clínicas, a técnica em enfermagem
Jacqueline Cunha, 34 anos, lembra bem como o bebê de olhos arregalados e sorriso fácil conquistou a equipe e o Estado:
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– Quando o Dudu foi diagnosticado com essa doença rara, começamos a fazer campanha. A doação era o único jeito. Eu e boa parte da equipe nos tornamos doadoras por causa dele, um guerreirinho, um lutador. Ele era magrinho, mas suportava o que talvez a gente não suportasse. Não tinha força nenhuma, mas estava sempre sorrindo e interagindo com a gente – recorda a profissional.
O menino fora internado com apenas 16 dias de vida. O diagnóstico veio cerca de três meses e dezenas de exames depois, sem que o bebê pudesse deixar o hospital. Iniciou-se uma corrente para salvar a vida do pequeno valente. Jacqueline fez um Orkut repleto de fotos e pedidos de ajuda. A colega dela, Rosangela da Silva, 52 anos, levava as roupas do menino para lavar em casa – uma forma de ajudar a mãe, Alessandra, que praticamente se mudou de Parobé para o Clínicas.
Reportagens foram veiculadas, e mais de 3 mil pessoas se cadastraram como potenciais doadores – teve quem foi chamado para doar a outros pacientes da fila. Houve contatos de longe: Bahia, Rondônia e até do Japão. Eduardo ganhou muitos amigos. Aos 23 anos, Juliana Romero foi uma das pessoas que, após ler reportagem publicada em Zero Hora, quis ajudar. Passou a visitá-lo no hospital. Hoje, aos 28 anos, considera-se e é considerada pela família madrinha. Encontra com o menino em Santa Catarina e é visitada por ele em Porto Alegre:
– Quando li a reportagem, me sensibilizei. Hoje, vejo ele duas ou três vezes por ano. Morro de saudades.
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Primeira boa notícia veio de São Paulo
Zero Hora acompanhou de perto a luta de Eduardo contra o tempo. A primeira boa notícia veio de São Paulo, onde foi encontrado um cordão umbilical compatível. O procedimento de risco, em um bebê de quase seis meses e pouco mais de quatro quilos, foi realizado em 17 de dezembro de 2007.
Dudu recuperou-se bem e, há uma semana, finalmente foi liberado de tomar a medicação para evitar infecções. As visitas ao Clínicas tornam-se cada vez menos necessárias – a próxima consulta será só em dezembro de 2013.
– Depois do transplante, o Eduardo era internado a cada mês. Hoje, ele está bem. Só voltava de seis em seis meses para o acompanhamento, mas agora poderá ser de ano em ano – comemora a mãe.
A mudança da família para Santa Catarina foi há dois anos. Para as consultas e exames de rotina, os Prestes enfrentam mais de 500 quilômetros de estrada. Eduardo leva quase tudo na brincadeira – até a espera no setor de Oncologia serve para fazer amizade com outros pacientes mirins. Só não gosta mesmo é do exame de sangue. Ele mesmo retira os curativos do braço. A irritação com o jejum e a agulha só é deixada de lado depois de alguma conversa, de um almoço com batatas fritas, de presentes que recebe a cada vinda e dos mimos das profissionais da unidade neonatal.
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Aluno de uma escola municipal da cidade de São João Batista, a cerca de 80 quilômetros de Florianópolis, o menino gosta de acompanhar a mãe ao trabalho pela manhã e de brincar com a irmã, Kelly Adriane, nove anos. Não para quase nunca:
– Ele acorda às 7h30min. Às vezes, antes das 6h, e só vai dormir ali pelas 21h ou 22h. Acho que ele aproveita todo o tempo que perdeu no hospital. É um menino espoleta e dá muito trabalho, o que só tenho a agradecer – conta a mãe, orgulhosa do pequeno super-herói.
ENTREVISTA: Luis Fernando Bouzas, coordenador do Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome)
O número de pessoas cadastradas no Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome) impressiona: 3.004.324 até novembro deste ano. O crescimento também é estratosférico. Em 2005, o cadastro incluía 135.346 pessoas, um aumento de pouco mais de 22 vezes até este ano. Coordenador do registro, Luis Fernando Bouzas explica que o desafio agora é qualificar o cadastro nacional. Ou seja, diversificá-lo. Por telefone, desde o Rio de Janeiro, ele conversou com ZH. Confira trechos da entrevista a seguir:
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Zero Hora – Há cerca de mil pessoas na fila por transplante de medula no país e mais de 3 milhões de potenciais doadores cadastrados. Como se dá essa equação?
Luis Fernando Bouzas – Esse número (de pacientes na fila) muda bastante. A média pode variar de 700 a mil de ano a ano. Os resultados são melhores se tiver o melhor doador. Quanto mais compatível com o paciente, melhor o resultado do transplante. E é uma compatibilidade específica, localizada em um complexo de genes num cromossomo que a gente tem.
ZH – Quais as chances de se encontrar um doador compatível?
Bouzas – Compatibilidade é o grande fator limitador do transplante. As chances dentro da família são de 30%, em geral irmãos. Nas campanhas, fala-se que a chance é de um para cem mil. Mas posso ter uma característica muito comum, com chance de um em 10 mil, ou muito difícil, com um para um milhão.
ZH – De que forma o aumento no número de cadastros no Redome mudou as chances de se encontrar um doador compatível?
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Bouzas – Em 2003, o Brasil tinha 35 mil cadastrados e pouco mais de 10% de chance de encontrar doador. Esse número cresceu e vem aumentando, o que mudou para 75% a chance de encontrar um doador na fase inicial da busca. É como se fosse uma triagem, em que se identificam potenciais doadores. Entre os candidatos, encontra-se um. Então, a chance de efetivamente achar um doador compatível subiu para até 40%. Antes, era inferior a 5%. Está melhor, mas ainda não é suficiente.
ZH – Há relatos de potenciais doadores chamados para exames e que acabam frustrados porque não têm retorno sobre o procedimento. Por que isso acontece?
Bouzas – Muitas vezes, encontramos cinco ou 10 pessoas compatíveis com pacientes. Elas são avisadas e fazem exames. Escolhe-se o melhor doador. Às vezes, até por limites da equipe, falhamos em não dar o retorno.