O menino que se apaixonou pela luminosidade das obras de Zumblick e o enxergava como um ser inatingível fez do pintor um amigo quando adulto. A árdua batalha para fotografá-lo foi vencida, porém o último registro pulsa como um eterno lamento: a imagem do artista à sombra é puro antagonismo diante da imagem iluminada de “seu Willy” que guarda na mente e da luz que ele, com maestria, reproduzia em seus quadros.

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Quando menino, corria entre os corredores e bancos. Parava apenas para apreciar os quadros na parede da Igreja Matriz de São José em Tubarão. Chegava a sentir a dor e vivenciar as situações por conta da impressionante luz que o artista usava para retratá-las em suas telas.

Mais tarde, ainda garoto, descobri que o autor das obras era o senhor que trabalhava como relojoeiro no caminho da minha casa para o colégio. Arrisquei passar pela Relojoaria e Ótica Zumblick, no Centro da cidade, para conhecê-lo. Na frente da loja o senhor de cabelos brancos encantava por sua simplicidade e simpatia. Envergonhado, fiquei com receio de cumprimentá-lo e passei reto. Para mim ele era uma entidade intangível.

Reencontrei Zumblick anos depois, em um acampamento de escoteiro no sítio do artista. Nova chance, mas não foi desta vez. Emocionado, paralisei e não consegui esboçar qualquer reação ou iniciativa. O momento chegou quando me tornei um rapaz pronto, jornalista formado.

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O dever do ofício me possibilitou vencer aquela barreira emocional da infância e entrar no mundo daquele ser humano iluminado chamado Willy Zumblick. A partir dali foram muitos encontros, entrevistas, registros e conversas pitorescas. Eu o tomei como um amigo, o seu Willy, e tive a compreensão de que a sua maior virtude estava na simplicidade.

A grandeza do artista parecia contrastar com o seu caráter resoluto, que refutava com destreza e cordialidade os pedidos de entrevista. A cena do meu tempo com seu Willy é ele em frente à relojoaria fundada pelo pai – que o ensinou o ofício de ourives e relojoeiro – no ritual de cumprimentar todos que por ali passavam. Todos os dias.

Nossa última conversa foi por ocasião de uma reportagem sobre o seu aniversário de 90 anos, há uma década. Posicioná-lo diante de uma câmera exigia muito empenho e certa sagacidade. E olha que éramos amigos. Depois de dias de tentativas, montei cerco em frente à relojoaria. Fui surpreendido quando ele me chamou e perguntou se já não estava cansado de fotografá-lo. Estava amistoso e brincou dizendo que havia outras coisas a serem registradas:

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– Nossa Tubarão é linda. Eu apenas pinto o que vejo aqui. Venha cá, vou dar um presente para você me deixar em paz.

Então, ele me presenteou com uma cópia de Dr. Jorginho, uma das suas célebres pinturas. A tela de 1945, carregada de lendas e misticismo, reproduz a imagem de um personagem emblemático da cidade, um senhor negro que atendia à população e ganhou a carinhosa alcunha. Seu Willy tinha o hábito de dar aos amigos uma réplica da pintura para desejar sorte.

A foto para a reportagem saiu, mas não o registro ideal que me habituei a contemplar: aquela cena dele prostrado e iluminado em esplendor pelo sol da manhã. Zumblick estava sob a sombra projetada pela marquise do edifício da Rua Coronel Colaço. Eu o queria com a luz que ele pintava com sábio domínio.

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Cinco anos depois, quando Zumblick morreu, lá estava eu com a dolorosa tarefa de documentar a sua partida. A cidade estava parada, triste, e o dia foi privado daquela viva luminosidade. Quando faço uma foto do nascer do sol fico admirado como ele conseguia reproduzir aquilo de forma tão simples e divina.

Jornalista ganhou uma das réplicas da tela Dr. Jorginho, presente que Zumblick costumava dar os amigos