O que tem na sua lista para o Papai Noel em 2021? A da pequena Júlia*, de 10 anos, é longa. Tem brinquedo, roupa, livro e por aí vai. Mas o maior presente mesmo, chegou há quatro meses e está estampado no sorriso da garota: a felicidade de ter uma família repleta de amor. Com a adoção, ganhou pai, mãe e até uma irmã caçula. Foi com eles que viveu, pela primeira vez, a experiência de montar uma árvore de Natal.
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— Ela estava ansiosa, queria fazer tudo, porque ela nunca teve esse tipo de coisa. A gente teve que pedir para ela relaxar e aproveitar o momento. Às vezes parece que ela acha que não vai mais ter momentos [como esse]. Está tendo oportunidades que antes não tinha — contam os pais.
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Jéssica e Thiago Oliveira sempre foram dois apaixonados por Natal e crianças sempre estiveram nos planos desde o começo da relação, lá nos tempos de MSN. Nada mais simbólico para eles do que receber Júlia na mesma época que o cristianismo celebra o nascimento de Jesus. É que mesmo tendo a pequena Maria, de dois anos, só agora os pais sentem o sonho todo realizado.
— Desde que a gente começou a namorar falamos: um biológico e um adotivo. Sempre foi da nossa vontade. Eu nunca senti a família completa quando tinha só a pequena. Tinha o sentimento de que faltava alguma coisa e agora, com ela, sinto que está completo — dizem um finalizando a fala do outro.
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Mas para chegar nesse verdadeiro presente de Natal, o caminho foi longo, marcado por perda e medo. Em 2017, veio a primeira gestação Jéssica e bem às vésperas do Natal ela perdeu o bebê. Estava na décima primeira semana de gravidez. A partir daquele dia a ideia de entrar na fila de adoção só cresceu e o casal decidiu que era hora de se inscrever.
— Em 2 de julho, no Dia do Bombeiro, nós entramos na fila de adoção — conta Thiago, bombeiro voluntário.
Jéssica procurou ajuda médica e recebeu o diagnóstico de sinéquia uterina, que na prática significa que as paredes uterinas estavam se ligando umas às outras. Engravidar novamente seria difícil, conforme o médico. Mas como plano traçado é para ser cumprido, ela foi em busca de uma segunda opinião, passou por cirurgia e não demorou muito até engravidar novamente da pequena Maria.
Felizes? Sim. Porém, podia melhorar. Conforme o tempo passava e o casal seguia na fila de espera para o segundo filho, Jéssica e Thiago se dedicavam ao trabalho voluntário em um abrigo da cidade onde moram, no Vale do Itajaí. Foi lá que conheceram Júlia. O que não imaginavam é que já estavam de frente com a futura filha.
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A mãe conta que a menina de 10 anos passou dois anos no abrigo e os últimos seis meses antes da adoção estava numa família acolhedora – um programa em que famílias habilitadas abrigam temporariamente crianças enquanto a Justiça avalia o caso. Aliás, nesse período, chegou a ir na casa de Jéssica e Thiago acompanhando a mulher que havia lhe acolhido e vendia joias. Hoje pai da menina, Thiago lembra da garota sentada no cantinho do sofá enquanto as mulheres olhavam as mercadorias.
Até que um belo dia, no meio da manhã, o telefone tocou:
— Eu estava sozinha em casa com a pequena, ele estava trabalhando, quando a assistente social ligou e disse: Jéssica, só quero avisar que a tua filha chegou. Eu entrei em desespero, chorei um monte. Não consegui esperar ele chegar em casa e liguei contando — relembra a mãe.
Júlia é tímida na frente dos desconhecidos, mas quando se solta fica claro a tranquilidade da garota de estar em família. A conexão com os pais e a irmã foi tão grande que no primeiro dia de contato oficial, que seria apenas para um piquenique no parque, a menina escolheu ir direto para casa com os novos pais.
O quarto junto com a irmã estava preparado desde quando o casal comprou o apartamento e ainda não tinha crianças. A cama beliche sempre esteve ali esperando pelas filhas. Aliás, Jéssica revela que em uma cartinha Júlia contou sobre o desejo de ter uma irmã pequeninha. Hoje ela e Maria são inseparáveis.
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— Quando ela escrevia no abrigo e na família acolhedora, o desejo dela era ter uma irmãzinha para ela ajudar a cuidar. Estão aí agora, não se desgrudam — diz Thiago.
Como a maioria das crianças adotadas, Júlia traz as marcas do que viveu. E o Natal deste ano marca o recomeço de uma vida amparada e segura, mas também desafiadora como a vida impõe a todos. Apesar de falar pouco, o brilho nos olhos demonstra isso e ela confirma com o balanço da cabeça ao ser perguntada se está feliz.
Licença paternidade
Criar conexão com a criança é um dos desafios do processo de adoção. Mas a legislação brasileira ainda não comporta essa demanda. Assim como nos casos de gestão biológica, o maior período de licença ainda é concedido às mães, com prazos de quatro ou seis meses. Para os pais, são cinco ou 20 dias, no máximo.
A família de Thiago e Jéssica é uma das poucas que tem a condição de os dois ficarem em casa para estabelecer os vínculos com Júlia. Como a mãe é fotógrafa autônoma, o direito de licença ficou com o pai. É um caso pouco comum apesar de a igualdade de deveres entre mães e pais ser prevista na legislação.
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> Lei afasta pais e filhos adotados nas maiores cidades de Santa Catarina
Equiparar as desigualdades é um dos objetivos do Projeto de Lei 1974/2021, apresentado na Câmara dos Deputados em maio deste ano e que ainda tramita nas comissões. A proposta tenta instituir a licença parental, que prevê conceder a licença não apenas a mãe, mas também ao pai ou outro integrante da família que tenha vínculo socioafetivo com a criança. Isso englobaria, por exemplo, os casos de crianças cuidadas por avós e tios.
Conforme o texto do projeto, a licença parental pode ser concedida simultaneamente a até duas pessoas.
“O reconhecimento da parentalidade toma por princípio o compartilhamento do cuidado atingindo a paridade entre pais e mães e outras pessoas que por essa criança se responsabilizem, garantindo que se construa uma verdadeira rede de apoio comunitário no exercício do cuidado com a criança e o adolescente”, justificam os deputados Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e Glauber Braga (PSOL-RJ).
Dados de adoção em SC
Até a primeira quinzena de dezembro, foram registradas 343 adoções em Santa Catarina, segundo dados do Tribunal de Justiça do Estado. Blumenau liderou esse ranking com 36. Joinville, a maior cidade de SC, aparece em segundo lugar, com 29.
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Florianópolis e Palhoça surgem na lista empatadas, com 23 cada. Itajaí chegou a 20. No ano passado a cidade tinha registrado 17 adoções, e em 2019 oito. O aumento de adoções durante a pandemia em 2020 ocorreu em outras cidades, como Blumenau. De 2019 para 2020 o número saltou 25 para 56.
Confira abaixo o número de adoções registradas por cidades em SC neste ano.
Pensa em adotar? Veja as etapas do processo.
•O processo tem início com a inscrição no Cadastro de Pretendentes à Adoção, que deve ser feito no Fórum da cidade onde o interessado mora.
•No ato da inscrição é preciso apresentar uma série de documentos pessoais e um requerimento ao juiz. A lista completa e o modelo da solicitação estão disponíveis aqui.
•Um cadastro de adoção é preenchido onde o interessado indica o perfil desejado da criança. Nele aponta a faixa etária, cor, se aceita irmãos, se pode ser uma criança com doença. Esse perfil pode ser determinante para esperar mais ou menos tempo na fila.
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•O interessado passa por uma avaliação multidisciplinar, cujo objetivo é analisar se a família tem condições de receber uma criança. Nesse processo o interessado também é orientado sobre o todo o processo de adoção.
•Quem tem interesse em adotar precisa, obrigatoriamente, a passar por um curso de preparação indicado pelo próprio Fórum onde fez a inscrição.
•A partir do estudo psicossocial, da certificação de participação em programa de preparação para adoção e do parecer do Ministério Público, o juiz decide se aceita ou não o pedido de habilitação à adoção. Se for acatado, entra oficialmente na fila.
•Agora vem a fase de busca por uma criança que corresponda ao perfil indicado pelo interessado. Quando essa criança for localizada no sistema nacional, o Judiciário faz contato com o candidato.
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•A próxima fase é convivência monitorada entre interessado e criança. Se correr tudo bem nessa etapa, parte-se então pode ir morar provisoriamente com a família por 90 dias. Após esse período, os interessados têm 15 dias para propor a adoção. Se isso ocorrer, o processo deve ser finalizado pelo Fórum quatro meses.
•A partir de agora, a criança passa a ter todos os direitos de um filho e uma nova certidão de nascimento é lavrada, constando os nomes dos pais. Em nenhum momento, no novo documento, vai constar que houve adoção.
•Todo o processo de adoção é feito de forma gratuita.