Os olhinhos atentos de Laura aos movimentos ao seu redor já parecem perceber as mudanças que estão prestes a acontecer na vida de toda a família Jacomeli. Em uma conquista inédita na Justiça de Santa Catarina, a menina de um ano e meio conseguiu a liberação de R$ 1,7 milhão do Estado para a compra do medicamento Spinraza, usado para o tratamento da Atrofia Muscular Espinhal (AME). Ela foi diagnosticada com a doença em março do ano passado e são essas aplicações que ajudarão a combater o avanço da doença, dando uma nova condição de vida para a pequena joinvilense.
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— Desde que nós descobrimos a doença vivemos em um buraco e agora conseguimos ver uma luz — diz o pai Flávio Jacomeli, 41 anos.
A ação foi ingressada em novembro do ano passado com base nos princípios constitucionais à vida, à saúde e à dignidade da pessoa humana. Diante da gravidade da situação de saúde de Laura, uma liminar foi concedida pelo juiz Márcio Renê Rocha, da Vara da Infância e Juventude de Joinville, garantindo a liberação dos recursos. A decisão foi em primeira instância e o processo ainda está em trânsito, mas a liminar tem validade até o trânsito em julgado. O pedido inicial da família foi pela manutenção do medicamento até quando a menina precisar ou o SUS disponibilizar o remédio gratuitamente.
Segundo a advogada da família, Michele Carolina Venera, após a decisão judicial o Estado indicou uma conta e o juiz fez a liberação do dinheiro para a família comprar o medicamento diretamente com um representante brasileiro do laboratório norte-americano que produz o Spinraza. Foram compradas seis doses, cada uma orçada em cerca de R$ 290 mil. São quatro doses de ataque à doença – as três primeiras administradas a cada 14 dias e a quarta 30 dias depois – e duas de manutenção – uma a cada quatro meses.
– As primeiras doses dão condições de manter a vida da Laura porque ela hoje está em risco – diz a advogada.
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Michele e a família agora aguardam a chegada da nota fiscal norte-americana para apresentarem ao juiz e comprovar o uso do dinheiro para a aquisição do medicamento. O Spinraza deve demorar aproximadamente quatro semanas para chegar às mãos da família, que planeja realizar a aplicação em um hospital particular da cidade logo em seguida. As primeiras doses vão estabilizar a doença e tudo o que for feito a partir disso passará a ser um ganho para o desenvolvimento da menina.
Segundo a advogada e a família, este é o primeiro caso de Santa Catarina que se tem conhecimento do paciente com AME conseguir o dinheiro para o medicamento na Justiça. Houve outras situações em Brusque e Blumenau em que houve liminar favorável, mas o recurso não foi liberado.
Laura tem o tipo 2 da atrofia muscular espinhal, que é considerado uma forma intermediária da doença. Hoje, ela não depende de aparelhos para respirar e o desenvolvimento cognitivo é normal. As dificuldades encontradas são a de caminhar e de falar. Como a menina tem uma fraqueza muscular que atingiu a parte respiratória, ela precisou fazer uma traqueostomia que afetou a fala.
A vitória na Justiça muda as perspectivas da família e enche os pais de esperança de a menina conseguir superar todos os obstáculos para ter uma nova condição. Além disso, é um alento para outras famílias que encontram dificuldades por falta de dinheiro para o tratamento de AME. Elas agora também podem ver na Justiça uma luz no fim do túnel pelo direito de ter o medicamento que pode transformar a vida de pacientes.
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Momentos de tristeza e luta
O diagnóstico da atrofia muscular espinhal aconteceu em março do ano passado, quando Laura estava com seis meses de idade. Segundo a mãe, Sônia da Silva Jacomeli, 35 anos, a filha nasceu sem apresentar nenhum sintoma. Foi no final do quinto mês que a avó da menina percebeu que ela estava ficando com o corpo mole e não conseguia mais levantar a perna.
Sônia levou a filha ao pediatra, que notou o problema apenas quando colocou a criança de bruços e ela não conseguiu levantar o pescoço. Em seguida, passaram por um neurologista da cidade, que não conseguiu identificar o diagnóstico, antes de procurarem um especialista em Curitiba. No Estado vizinho, a família permaneceu durante duas horas na consulta até o médico dar indícios do que estava acontecendo com Laura.
– Ele disse que ia pedir um exame, mas não era para a gente olhar ou pesquisar sobre o assunto. Disse que era quase certeza que era AME. Saímos de lá e já fui olhar sobre a doença. Nos desesperamos e viemos chorando de lá até Joinville – conta a mãe.
Para os pais, o diagnóstico foi dado naquele dia, antes mesmo do resultado do exame. A partir daquele momento, eles passaram a orar pedindo que a doença não fosse do tipo 1, considerada a mais grave. A certeza sobre a atrofia saiu apenas no exame genético. Segundo Sônia, foi uma surpresa para a família, que tem outra filha mais velha sem a doença.
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– Ficamos arrasados, choramos muito e foi muito difícil, mas em momento algum desistimos.
Hoje, Laura fica aos cuidados de enfermeiros durante 24 horas por dia – são quatro profissionais que se revezam. A menina também faz fisioterapia motora e respiratória todos os dias, além de ter o atendimento de um terapeuta ocupacional e um fonoaudiólogo três vezes por semana. Um médico e um nutricionista também fazem acompanhamento constante para ajudar no tratamento.
A esperança da família é de que, com o medicamento impedindo a doença de avançar, Laura tenha condições de caminhar com o auxílio de alguém e também possa reverter a traqueostomia para conseguir falar. Desta forma, ela poderá começar a viver uma vida como a de qualquer outra criança.