Primeira construção de seis andares de Joinville. Instalado no número 80 da Rua São Joaquim, desde a fundação, nos anos 60, o Hotel Colon Palace marcou presença ao tornar-se o prédio mais alto da cidade. No mesmo endereço, o imóvel já abrigava o Cine Colon, construído sete anos antes. E, até novembro de 1983, ambos os empreendimentos fizeram parte da mesma história, que foi interrompida por um incêndio. As chamas destruíram por completo a casa de espetáculos, que representou um marco cultural no município, mas, tragicamente, morreu na mesma data em que nasceu, 27 anos depois.

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O fogo também atingiu parte do hotel, que foi reformado e manteve as atividades até a manhã do dia 23 de dezembro de 2021, quando os últimos cinco hóspedes deixaram as dependências para não mais voltar. Agora, o que resta são as memórias de quem frequentou o espaço — únicas sobreviventes ao tempo.

Jediel Araújo, de 50 anos, é um dos que carrega lembranças do hotel. Foi lá que, no inverno de 1986, aconteceu o lançamento oficial da banda gospel Targum (palavra em hebraico que significa “tradutores do evangelho com arte” em português), da qual fazia parte. Jeddy, como prefere ser chamado, tinha apenas 15 anos e era tecladista do grupo.

Jeddy (vestido de branco) tinha 15 anos quando a banda foi lançada
Jeddy (5° da esq. para a dir.) tinha 15 anos quando a banda foi lançada (Foto: Jeddy/Arquivo pessoal)

O músico lembra que o conjunto, formado por familiares, ensaiava em um estúdio de gravação, nos fundos da casa de dois dos integrantes. E foi durante um desses ensaios que surgiu o nome do Colon para lançar a banda.

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Jeddy conta que seus pais já frequentavam o restaurante do hotel e, inclusive, os avós celebraram o aniversário de 50 anos de casamento no local.

— No lançamento [da Targum] tinha muitos convidados e amigos, num jantar romântico. Com ótima gastronomia, ambiente e atendimento. Nos acolheram com muito profissionalismo e com aquele charme de sempre — recorda.

Jeddy era tecladista da banda Targum
Jeddy era tecladista da banda Targum (Foto: Jeddy/Arquivo pessoal)

Glamour, boa comida e presenças ilustres

Além de receber o título de prédio mais alto de Joinville por décadas, o Colon também chamava a atenção pelo “glamour”, conta o comerciante Valmir Santhiago, 61, que trabalhou como garçom no hotel de outubro de 1981 a março de 1987.

Valmir Santhiago (3° da esq. para a dir.) posa em foto com seus companheiros garçons
Valmir Santhiago (3° da esq. para a dir.) posa em foto com seus companheiros garçons (Foto: Valmir Santhiago/Arquivo pessoal)

Com corredores amplos que davam acesso aos quartos, paredes decoradas com quadros, escadarias, elevadores, música, boa comida e “american bar”, o local foi escolhido por anos como repouso para as bailarinas do Festival de Dança de Joinville, desde a primeira edição do evento, e também atraía presenças ilustres de todo Brasil.

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No auge da juventude, aos 22 anos, Santhiago conta que já serviu Didi, Dedé, Mussum e Zacarias, quando os Trapalhões fizeram uma apresentação na cidade. Também se recorda da atriz Cláudia Raia ter se hospedado no local, assim como personalidades políticas, como Pedro Ivo Campos e o ex-governador Casildo Maldaner. 

Izaías Freire, historiador que tem uma pesquisa de mestrado voltada às visitas de generais e presidentes a Joinville, cita que Humberto de Alencar Castelo Branco também hospedou-se no hotel, em 1966. Na ocasião, acompanhado de uma grande comitiva, recebeu o título de cidadão honorário da cidade e foi patrono da Festa das Flores daquele ano. 

Anexo ao hotel, além dos filmes ali exibidos, o espaço destinado ao cinema também contava com apresentações de orquestras e shows nacionais. Inclusive, Elis Regina chegou a subir aos palcos do Colon.

— O hotel era de um luxo extraordinário. Na época, não existia pizzaria e lá serviam uma pizza que a massa era a melhor da cidade. Pra ter uma ideia, era preparada com cerveja. Para consumir uma pizza daquela, tinha que pedir licença para o que estava em cima para enxergar a massa — brinca o comerciante Santhiago.

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O fim do Cine Colon

Mas não são só as boas lembranças que cercam Santhiago. A noite do dia 13 de novembro de 1983 segue viva em sua memória, assim como na de centenas de moradores que se aglomeraram entre as praças Nereu Ramos e Lauro Müller — alguns com traje de dormir — para ver o motivo dos estilhaços que saíam do prédio.

Fogo atingiu Cine Colon na madrugada do dia 13 de novembro de 1983
Fogo atingiu Cine Colon na madrugada do dia 13 de novembro de 1983 – (Foto: Arquivo Histórico de Joinville/Divulgação)
O fogo foi controlado após cinco horas de trabalho e chegou a atingir partes do hotel Colon
O fogo foi controlado após cinco horas de trabalho e chegou a atingir partes do hotel Colon – (Foto: Arquivo Histórico de Joinville/Divulgação)
Poltronas, telão e todo espaço foi destruído pelas chamas
Poltronas, telão e todo espaço foi destruído pelas chamas – (Foto: Arquivo Histórico de Joinville/Divulgação)

Rosi Dedekind, última proprietária do imóvel, contou à reportagem do AN em 2013 que tinha apenas 21 anos quando o incêndio aconteceu. Ela morava com o companheiro Martin e a filha, a bebê Marina, no alto do Hotel Colon, quando o telefone tocou, já passava da meia-noite.

Assim que recebeu a notícia, de imediato, Martin desceu com um extintor de incêndio pela passagem que levava ao cinema construído pelo avô, Nelson Walter. Quando abriu a porta, as labaredas já tomavam conta do ambiente. Rosi, por sua vez, começou a acordar os 35 hóspedes e a evacuar o hotel.

Neste meio-tempo, os bombeiros foram acionados e fizeram um trabalho de combate, para evitar que o fogo se alastrasse para as dependências do hotel.

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Conforme reportagem do AN à época, foram mobilizadas oito viaturas e utilizados 130 mil litros de água em um trabalho de cerca de cinco horas até que o fogo fosse totalmente extinto. Santhiago, o garçom, ajudou a remover os escombros no dia seguinte.

A tela de 16 metros de largura, as 1.200 poltronas e as cortinas costuradas pela avó de Martin, assim como o carpete e o assoalho foram consumidos pelo incêndio, que foi causado por um curto-circuito no disjuntor do cinema.

Carlos Franco, frequentador assíduo do espaço, voltava de uma domingueira na Sociedade Floresta e, da praça no final da Rua Getúlio Vargas, conseguiu enxergar as chamas. Ele lembra que, na ocasião, o filme em cartaz era “O Selvagem da Motocicleta”, de Francis Ford Coppola, e a última sessão tinha rodado às 22h, cerca de duas horas antes do fogo.

—  No cinema, sempre havia a figura do lanterninha, para sentar os atrasados e coibir os bagunceiros de plantão. Geralmente, a turma do fundão. Eu fui a minha adolescência inteira lá. Vi muitos filmes no Cine Colon, como “Tubarão”, “Terremoto”, “Se meu fusca falasse”, “Contatos imediatos de terceiro grau” e tantos outros— afirma.

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Da casa, que visitava desde os 12, se lembra do barzinho com piano, que ficava no segundo andar, bem acima da entrada do cinema, à beira da piscina. Ele conta que, no período, o país vivia o “milagre econômico” e as sessões de matinê aos domingos, das 14h e 16h, eram disputadíssimas, com filas que davam a volta na esquina. 

Fachada do Cine Colon
Fachada do Cine Colon (Foto: Arquivo Histório de Joinville/Divulgação)

Já adulto, Carlos continuou indo ao local com a família. Em 1992, inclusive, levou a atual esposa, à época namorada, para jantar no restaurante do hotel. Atualmente, morando na Flórida (EUA), vive a nostalgia dos tempos passados. 

— A Joinville de ontem deixa saudades — expressa. 

Fundação e decisão de venda

Rosi Dedekind, companheira do neto do fundador do Colon, conta que a história começou com o casal Marina e Nelson Walter, que resolveram empreender num projeto visionário para a época — a construção de um cinema com mais de mil lugares e um hotel num prédio de seis andares, com 80 apartamentos.

Nicácio Machado, professor e memorialista, lembra que Nelson Walter veio de São Bento do Sul a Joinville e, inicialmente, trabalhou como bancário no extinto Banco Nacional do Comércio, até que adquiriu o empreendimento na Rua São Joaquim.

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Após a aposentadoria do casal, a família continuou tocando o negócio. Mas Rosi conta que, há 15 anos, por falta de sucessão na administração do hotel, foi tomada a decisão de colocar o imóvel à venda. 

Rosi e familiares deram continuidade às atividades até que finalmente a proposta foi aceita, no final de 2021, quando o local completou 58 anos de existência. Agora, o empreendimento deve abrigar um templo religioso.

— Toda história tem um fim. Ficam as boas lembranças e a certeza de sempre fazer parte da história e cultura joinvilense —  finaliza Rosi.

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