Malas arrumadas para uma viagem que parecia ser curta: João Vicente Goulart era ainda uma criança de sete anos, mas lembra bem da noite de 31 de março de 1964, quando uma agitação diferente tomou conta dos corredores da Granja do Torto, uma das residências oficiais do presidente da República. Na manhã do dia seguinte, ele, a irmã Denize e a mãe Maria Thereza viajaram para Porto Alegre, depois para São Borja (RS) e finalmente chegaram ao Uruguai, país que acolheu a família de João Goulart, o Jango (1919-1976), depois do golpe militar que o depôs e instaurou uma ditadura que durou mais de 20 anos.
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Exatos 52 anos depois, o filho mais velho do ex-presidente resolveu contar a história do exílio do ponto de vista de dentro. Em Jango e Eu —Memórias de um exílio sem volta, ele relembra todos os passos da família, reconstrói diálogos de Jango em casa, com os amigos e políticos que iam visitá-lo, e conta como era o dia a dia dele e da irmã. O lançamento em Florianópolis será nesta terça-feira, no Tralharia Antique Café Bar, onde o autor participa de sessão de autógrafos e conversa com leitores.
Em entrevista por telefone na última sexta, João Vicente, hoje com 60 anos, contou que preferiu fazer um recorte do exílio, exatamente entre 1º de abril de 1964 e 6 de dezembro de 1976, data da morte do ex-presidente.
—Eu tinha o compromisso de contar o lado humano. Afinal detalhes dele como presidente, cartas e biografias a academia já se encarregou de fazer.
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João Vicente é fundador e presidente do Instituto Presidente João Goulart. Foi deputado estadual (1982-1986) e em 1998 assumiu a presidência do Instituto de Terras do Rio de Janeiro (Iterj), a convite do governador Leonel Brizola. Em 2000 assumiu a Subsecretaria de Agricultura do Rio onde implantou o Banco da Terra.
Leia os principais trechos da conversa:
A chegada
Chegamos ao Uruguai no dia 2 de abril. Meu pai chegou apenas no dia 4. A viagem dele foi demorada, foi pousando à bordo de um avião em pistas pequenas, de fazendas, até chegar ao Uruguai. Ele esperou a data certa, para que o Congresso Nacional subjugado por militares nomeasse um novo presidente — mesmo com o presidente eleito ainda em território nacional. Esperou dois dias, arriscou a vida para que se configurasse um golpe. Em 2013, o ato que o depôs foi anulado.
O dia a dia da família
Eu tinha sete anos quando fomos para o Uruguai e acabara de completar 20 anos quanto meu pai morreu. Voltamos ao Brasil em 77 — eu estudava Agronomia na Inglaterra e precisei terminar meus estudos por lá antes de voltar. Entre 75 e 77 foram anos de chumbo em toda a América Latina, com ditaduras em muitos países do continente. Tem muitas coisas que não foram comentadas.
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Um período curto ou longo?
Foi uma mudança rápida para nós. De país, idioma, cheiros, cultura. Marcou nossa vida e começamos a crescer num ambiente diferente. Esse sem dúvida foi o grande desafio para o meu pai. Ele dizia que também não sabia se seria um tempo longo ou curto. No começo, ele entendeu que seria uma das tantas quarteladas já ocorridas anteriormente no país. Por fim, a ditadura foi se fechando mais e mais e a esperança de voltar diminuindo. Entendíamos o sofrimento dele. Jango lutou bravamente pela modificação do país através das reformas de base, que até hoje não foram feitas.
A saudade do Brasil
Ele tinha saudades, mas por outro lado tinha convicção de seu papel na conjectura. No livro há diálogos em que ele afirmava que sua permanência no exílio contestava a legalidade da ditadura.
Monitoramento
No livro conto que Jango sabia do monitoramento constante de nossa família. Uma das fotos mostradas é a de um aniversário em que agentes do SNI (Serviço Nacional de Informações) estão fotografando e nomeando as pessoas. Existem indícios reais de que ele tenha sido assassinado. A primeira investigação sobre a morte dele foi em 1981.
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Pai amoroso
Era extremamente humano, pai amoroso. Ele sofria. Conto no livro o dia em que precisei jurar a bandeira do Uruguai na formatura da escola, antes de passar para o ginásio. É evidente que para um homem que dirigiu o país e foi exilado por suas virtudes e não defeitos, foi muito difícil. Tudo isso mexeu muito com seu equilíbrio emocional.
O que Jango diria sobre o Brasil de hoje?
Diria: “pobre da democracia brasileira!” Ele estaria muito surpreso. Muitos tombaram sem poder ver o país livre dos fuzis. Talvez dissesse também para botar o povo na praça para votar uma nova constituinte, com meios para uma democracia mais participativa. Hoje reformas como as que ele queria são ainda mais difíceis. Mas creio que a figura dele continua viva.
Jango e Eu —Memórias de um exílio sem volta. De: João Vicente Goulart. Editora: Civilização Brasileira / Record. 350 págs. R$ 56.
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Agende-se
O quê: lançamento do livro Jango e Eu —Memórias de um exílio sem volta, de João Vicente Goulart
Quando: terça-feira, 17h
Onde: Tralharia Antique Café Bar (Rua Nunes Machado, 104, Centro, Florianópolis)
Quanto: gratuito
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