Após ser tema de funk até divulgado por artistas, o Melzinho do Amor entrou no radar da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Procon/SC e da Vigilância Sanitária de Santa Catarina. O produto vem sendo anunciado como estimulante sexual “natural”, mas não há certeza sobre sua composição. A suspeita das autoridades sanitárias é que ele tenha sildenafil, substância que compõe o Viagra. O risco é que a quantidade do medicamento presente no produto seja muito maior do que a que compõe o “azulzinho”, o que pode provocar riscos à saúde.
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A reportagem do Diário Catarinense e da NSC TV investigou por cerca de um mês como ocorre a venda do produto. A equipe entrou em contato com um vendedor da Grande Florianópolis que anunciava o Melzinho nas redes sociais e marcou um encontro. A outra compra foi feita on-line.
A produção, venda, publicidade e comercialização do Melzinho estão proibidas pela Anvisa desde maio no país.
A Anvisa diz que a venda desse tipo de produto é crime. O especialista em legislação do órgão, o advogado Carlos Eduardo Raulino explica que neste caso há ainda um risco para a saúde da população:
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— Com certeza pode ser considerado crime. Ainda mais se esse medicamento antes do registro for considerado prejudicial à população e à comunidade em geral — afirma
Mesmo assim, não é difícil encontrar a oferta de pacotes sendo vendidos sem bula e com a embalagem em outro idioma.
Foi adquirido pela reportagem durante a investigação o produto da marca Vital Honey.
A equipe entrou em contato com um vendedor da Grande Florianópolis. As conversas para a aquisição do produto aconteceram pelo WhatsApp. Questionado sobre contraindicações da mercadoria, o homem afirmou que pessoas com problemas no coração não poderiam consumir o Melzinho.
A compra do produto aconteceu por volta das 16h do dia 2 de junho na Praça XV de novembro, Centro de Florianópolis. Confira um trecho da conversa entre o produtor e o vendedor:
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Produtor: “E aí é quente então a parada, ‘véio’?”
Vendedor: “Então o pessoal compra direto comigo aí…”
Produtor: “Ninguém nunca passou mal? nenhuma restrição? Tem uns camaradas meio que são cardíacos”
Vendedor: “Aí não pode tomar”
Produtor: “Ele é igual o viagra?”
Vendedor: “É, mas não é tão forte assim. Viagra é forte”.
O vendedor informou que revendia o produto e que comprava lotes com uma pessoa em Barreiros, bairro de São José, na Grande Florianópolis. Segundo ele, é possível adquirir três caixas com Melzinho por até R$ 200.
Para o advogado Carlos Eduardo Raulino os revendedores também têm responsabilidade pela venda ilegal.
— Os revendedores são obrigados a requerer e solicitar daquele distribuidor a legalidade e o registro daquele medicamento que ele tá se propondo vender. Ele não pode alegar que é leigo, que não tinha conhecimento porque é dever dele ter e exigir do distribuidor que está sendo permitida a revenda em território nacional — afirma.
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Compra on-line
Já a compra on-line foi realizada pela equipe de reportagem no dia 6 de junho em uma plataforma de e-commerce. O produto era vendido como “Melzinho árabe do prazer”. A descrição do produto afirmava que ele era “100% natural e afrodisíaco”. Além disso, a orientação era para que o consumo fosse feito duas horas antes do ato sexual e que tudo fosse tomado de uma vez só.

O pagamento foi aprovado no dia 8 de junho às 5h30 e o produto teria sido enviado no mesmo dia, às 15h30. A plataforma informa que no dia 11 de junho o pedido foi encaminhado, mas a entrega não aconteceu até a publicação deste conteúdo.
A venda do Melzinho não é restrita ao site Enjoei. O produto também é encontrado no Facebook e Instagram e em famosas plataformas de e-commerce como o Mercado Livre, OLX, Ifood e a Americanas.
A negociação acontece livremente dentro das plataformas e existem até mesmo grupos em que é possível encontrar grandes lotes para revenda.
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Um jovem de 25 anos, que tomou a substância junto com a companheira, conta que comprou o Melzinho há um mês após assistir vídeos na internet e ouvir amigos comentando sobre o assunto.
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Morador da Grande Florianópolis, ele adquiriu o produto por R$ 30 em um aplicativo de entrega e disse que não sabia da não regulamentação do produto no país e que desconhecia os perigos.
Segundo o jovem, a embalagem do produto só continha o nome da marca e não dizia quais substâncias haviam dentro. Ele consumiu o melzinho junto com bebidas alcoólicas e disse que os efeitos duraram dois dias.
Em muitos anúncios, o Melzinho é descrito como um produto importado. O país de origem não é claro, mas o rótulo de uma das fabricantes está escrito em árabe. Os preços variam de R$ 35 com uma unidade para R$ 300 em uma caixa que é destinada à venda no varejo.
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A Polícia Civil de Santa Catarina informou que ainda não fez apreensões do produto ou prisões relacionadas à venda do Melzinho no Estado.
No Rio de Janeiro, um homem foi preso no dia 21 de maio enquanto vendia o produto da marca Vital Honey. Foram apreendidas nove caixas com o suspeito.
Em nota, a Polícia Civil do RJ disse que identificou o homem por meio de denúncias e do monitoramento das redes sociais. Ainda segundo a polícia, o homem teria dito que lucraria R$ 500 com a venda de duas caixas do Melzinho.
Análise
O Melzinho comprado pela reportagem foi entregue lacrado ao Procon/SC e foi analisado pelo Lacen após requisição de análise feita por meio de um ofício emitido pelo órgão.
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O produto foi entregue no dia 8 de junho pelo Diretor do Procon/SC Tiago Silva ao superintendente de Vigilância em Saúde, Eduardo Macário. A entrega aconteceu na Secretaria de Estado da Saúde (SES).
Técnicos do Lacen informaram que não possuíam metodologia implantada para a avaliação da composição química do produto da marca Vital Honey.

Mesmo assim, a Diretora da Vigilância Sanitária de Santa Catarina, Lucélia Scaramussa Ribas Kryckyj, afirma que há registros em laboratórios de outros Estados da presença de sildenafil em amostras do Melzinho.
— Esse produto vem com uma apelação muito grande, como se fosse inofensivo. Mas há Estados que já conseguiram identificar em suas amostras o sildenafil, que é uma substância medicamentosa utilizada para disfunção sexual — afirma.
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O laudo do Lacen mostrou que a amostra adquirida pela reportagem estavam presentes:
– grãos de pólen;
– elementos histológicos de Cinnamon sp (canela);
– cristais e outras partículas e amorfas não identificadas.
A presença de caviar não pôde ser confirmada pelo Lacen. O laboratório não possui padrão de colágeno para a comparação com as estruturas encontradas na amostra.
A professora e pesquisadora do Grupo de Estudo de Produtos Naturais e Sintéticos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Maique Biavatti, diz que não há comprovação de que esses produtos possam causar os efeitos prometidos pelos anunciantes.
Ela avalia que neste caso o estímulo sexual obtido pode estar relacionado a um efeito placebo.
— A pessoa às vezes tem alguma coisa sexualmente mal resolvida ou alguma baixa autoestima e oferecem pra ela essa mistura de coisas nada a ver. O caviar e canela mais que lembram a virilidade, a potência. Ela já vai esperar que aquele efeito vai ser causado nela, né? O placebo é isso, é a expectativa da cura, que é muito comum no ser humano — pontua.
Diferenças com o Viagra
O Viagra é o produto mais conhecido para a disfunção erétil. Ele tem liberação para a venda e uso no país. A aquisição do produto deve ser feita com receita médica e a bula indica que apenas seja consumido uma dose do remédio por dia.
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Já o Melzinho não tem bula conhecida. Em alguns anúncios, os vendedores fazem contraindicações. “Não é indicado para pessoas com insuficiência renal ou problemas no coração ‘hipertensão crônica – isquemia’ além do que crianças e mulheres grávidas”, afirma uma página dedicada ao produto no Instagram.
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A vice-presidente do Conselho Regional de Farmácia de Santa Catarina, Vânia Floriani Noldin, destaca que é importante ter a bula de um produto para consumo seguro.
— É importante o registro no Ministério da Saúde e na Anvisa. São feitos testes de controle de qualidade. A partir disso se tem a descrição do medicamento, do que está no rótulo, na bula. É isso, que diz que tem tantos miligramas de determinada vitamina, por exemplo, é isso que a gente vai encontrar — coloca.
Venda ilegal preocupa
A venda ilegal e fácil do Melzinho preocupa as autoridades sanitárias de Santa Catarina. A Diretora da Vigilância Sanitária de SC, Lucélia Scaramussa Ribas Kryckyj, explica que todos os produtos que têm fins terapêuticos precisam passar por uma regulamentação junto à Anvisa.
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— A gente tem uma preocupação muito grande quando o produto vem para o mercado sem esse registro e sem ter um controle de qualidade. Em muitos deles [Melzinho], a rotulagem não tem nem mesmo a sua composição. Esse produto vem com uma apelação muito grande como se fosse inofensivo — afirma Lucélia.
Chama a atenção da vigilância também a grande quantidade de oferta do produto.
— Esse produto é comercializado em todo país pela internet […] Ele tem uma infinidade de produtores que são desconhecidos. Isso dificulta a fiscalização — concluiu.

O diretor do Procon/SC, Tiago Silva, diz que o órgão prepara uma ação para retirada dos produtos do ar nas plataformas de venda. Uma ação de fiscalização também está prevista.
— O Procon expediu uma medida cautelar e nessa medida pede para esses sites a retirada imediata deste produto. Também paralelo a decisão do Procon estadual nós também já notificamos o Ministério Público para que imediatamente possa instaurar um Inquérito Civil para apurar a prática criminosa em relação aos fabricantes desses produtos — contou.
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Plataformas removem anúncios após denúncia
A reportagem questionou algumas das plataformas de e-commerce em que o Melzinho vem sendo vendido. Após a notificação, o Mercado Livre e o Facebook removeram os anúncios de venda do produto.
O Mercado Livre disse repudiar o uso indevido do medicamento e que retirou da plataforma os anúncios com do produto “Melzinho Do Sheik”, um dos nomes usados para a venda do produto. “A empresa reforça que, inclusive, coopera com autoridades, incluindo a ANVISA, e permite aos órgãos identificar e remover anúncios de produtos que considerem ilegais e também identificar os vendedores responsáveis”.
O Facebook também removeu anúncios do Melzinho. “Os conteúdos indicados pela reportagem foram removidos por ferir as políticas do Facebook. Usamos uma combinação de denúncias, tecnologia e revisão humana para encontrar esses anúncios e aplicar nossas políticas”.
Em nota, a OLX informou que a empresa não faz a intermediação ou participa de qualquer forma das transações que são feitas entre os usuários. O texto diz ainda que denúncias de anúncios irregulares podem ser feitas por clientes.
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O Ifood também se manifestou dizendo que atua como intermediário entre estabelecimentos, clientes e entregadores e que não autoriza a venda de produtos proibidos pela Anvisa em sua plataforma. Em nota, a empresa afirmou que está verificando os anúncios para tomar as providências cabíveis.
O Instagram informou que investiga as contas denunciadas pela reportagem.
A equipe entrou em contato com o Enjoei, Americanas, mas não obteve retorno até a publicação do texto.
A reportagem não localizou o contato da empresa Vital Honey. O CNPJ da empresa é desconhecido.
*Produção – Antonio Neto e Leandro Carbone
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