Sthefanie Mendonça, de 21 anos, não esquece do relato de uma amiga que foi estuprada por um desconhecido a caminho de casa para o trabalho. O crime aconteceu pela manhã há alguns anos na cidade de São Paulo, onde ela morava com a família. Atualmente, vive em Florianópolis, onde cursa faculdade de ciências e tecnologia de alimentos. Mas o trauma vivido pela amiga e o medo de ser violentada a acompanha por todos os lugares.

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— Aconteceu com ela, mas eu penso que pode ser comigo. Se eu sair de casa para ir à faculdade de manhã e alguém me abordar, eu não tenho nada para me defender. As pessoas falam que eu sou exagerada porque não gosto de andar sozinha à noite, só porque vim de São Paulo, como se aqui não tivesse violência, mas tem sim. Saber que alguém tão perto de você foi vítima dessa violência é muito traumatizante, a gente fica em choque — diz Sthefanie.

Uma estudante de geografia da Capital de 18 anos, que pediu para não ter o nome divulgado, conta que carrega spray de pimenta na bolsa e evita sair sozinha à noite. Ela diz que relatos de violência sexual estão cada vez mais comuns em Florianópolis.

— Conheço pessoas que já foram estupradas ou que foram ameaçadas. A minha prima estava num ônibus e um cara começou a mexer com ela, teve que empurra-lo e falar com o cobrador. Em Capoeiras, um cara tentou beijar uma mulher a força no ônibus. São muitos relatos e, por isso, eu tenho muito medo de ficar na rua, não ando de noite sozinha — afirma.

O medo delas, assim como o de tantas mulheres, fez com que tomassem a iniciativa de aprender a autodefesa. Ambas realizaram o curso de defesa pessoal oferecido pela prefeitura de Florianópolis de forma gratuita. O projeto Floripa com Elas foi lançado em abril e, entre as primeiras ações, está a defesa pessoal voltada para mulheres, com mais de 5 mil vagas, que será realizado até março de 2020.

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Caio Felipe Santos Correa, organizador das aulas, explica que a intenção não é tornar as mulheres especialistas em defesa pessoal, mas ensinar o básico para se defenderem de forma rápida, ajudar a elevar a autoestima e a confiança.

— Queremos passar para elas que não precisam ser as vítimas. Tentamos trabalhar a violência de todas as formas, não só física, mas psicológica e verbal, e fazer com que elas percebam se estão sofrendo com isso dentro de casa. Dados da violência do país apontam que a maioria dos casos de violência são praticados dentro de casa, porque o homem não aceita o fim do relacionamento ou quando a mulher já tem medida protetiva em mãos — informa Caio.

Segundo ele, o projeto foi desenvolvido em parceria com o Instituto de Geração de Oportunidades de Florianópolis (Igeof) e três academias que atuam na cidade, a Nova Forma, Ilha Fight Floripa e a Pa-Kua. As academias cederam os espaços e os professores para o treinamentos, já a prefeitura organiza as turmas e oferece divulgação das marcas. As aulas têm duração de três horas e ocorrem aos sábados.

Até o momento, quase 4 mil mulheres já se inscreveram. As inscrições podem ser feitas gratuitamente pela internet.

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Quase 4 mil mulheres já se inscreveram para as aulas (Foto: Leo Munhoz / Diário Catarinense)

Defesa é 99% psicológica, diz mestre em arte marcial

Ian Paes é mestre Pa-Kua, tem 13 anos de experiência em artes marciais e atualmente é um dos apoiadores do projeto. Ele explica que o primeiro passo para aprender sobre defesa pessoal é entender que ela é 99% psicológica.

— Quando uma pessoa é abordada na rua, a primeira reação dela é congelar. Eu mesmo não sei qual será minha reação se for abordado na rua, se vou conseguir me defender. Acredito que sim, mas pode ser que congele e não saiba o que fazer, independentemente de eu saber milhões de técnicas. Isso porque em uma situação dessa ninguém pode prever como a pessoa vai reagir — diz.

Por isso, parte da aula é voltada para uma conversa sobre a importância e os benefícios que treinar a defesa pessoal traz e o que ela influencia de forma física e mentalmente durante uma agressão. Ian explica que a pessoa precisa ter a consciência do que fazer de forma rápida e objetiva. Em muitos casos, a mulher só precisa conseguir se soltar para fugir e pedir ajuda.

— A primeira reação a uma agressão é dar um golpe no peito, porque isso destrói a mentalidade do agressor. O agressor sempre vai pensar que está no comando e escolher a pessoa que sabe que consegue vencer. Então se a vítima revida com um golpe rápido no peito, cria uma abertura de tempo para continuar uma reação, seja fugir, seja finalizar a técnica e contragolpear — afirma.

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(Foto: Leo Munhoz / Diário Catarinense)

Durante a aula, as mulheres aprendem também alguns golpes fáceis, porém eficazes. Além disso, segundo Ian, ao saber algumas técnicas, as mulheres ganham confiança e, com isso, ajudam a afastar possíveis agressores nas ruas.

— O fato de treinar te dá confiança e se você anda na rua com essa confiança, a pessoa que vai agredir alguém não vai te escolher, porque ela vai escolher quem ela percebe que vai conseguir vencer — explica.

Segundo Ian, a parte física das técnicas é importante em momentos de briga, por exemplo. Neste caso, onde a vítima já não tem o elemento susto que pode fazer ela paralisar, saber imobilizar, torcer o braço, derrubar uma pessoa é muito importante para evitar a agressão.

Atualmente, segundo o professor, entre 60% e 70% das pessoas que procuram as academias de artes marciais são para aprender defesa pessoal.

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Dados sobre violência

Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP) apontam que 2.155 mulheres foram estupradas em Santa Catarina entre os meses de janeiro e agosto de 2018. No mesmo período, 403 mulheres sofreram tentativa de estupro. Na Capital catarinense, foram registrados 127 ocorrências de estupro entre os mesmos meses de 2018.

A reportagem solicitou os números completos do ano anterior e também o parcial de 2019, mas não recebeu resposta até o fechamento desta edição.