*Por Roni Caryn Rabin

Nas últimas semanas, um novo quadro de porteiros armados com um termômetro apareceu na entrada de hospitais, de edifícios de escritórios e de fábricas para detectar indivíduos com febre que podem estar com o coronavírus.

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Os funcionários de algumas empresas devem informar sua temperatura em aplicativos para obter autorização para entrar. E, quando os restaurantes em Nova York reabrirem seu espaço interno no fim deste mês, a verificação da temperatura será feita à porta.

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Desde o início da pandemia, a prática de verificar a temperatura vem se tornando cada vez mais comum, gerando um aumento nas vendas de termômetros infravermelhos e outros dispositivos de verificação, mesmo com as evidências científicas de que essa medida é de pouco valor.

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O governador de Nova York, Andrew Cuomo, pediu a verificação da temperatura dos clientes como uma das várias regras básicas para retomar o serviço no interior dos restaurantes, ao lado de limites rígidos sobre o número de mesas e a exigência de máscara para os comensais enquanto não estiverem sentados. Os restaurantes também serão obrigados a obter informações de contato de um cliente de cada mesa.

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Há motivos de sobra para preocupação. Surtos de coronavírus – como um recente em East Lansing, no Michigan, que infectou 187 pessoas – começaram com a grande frequência de bares e restaurantes. E um novo estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) descobriu que uma diferença entre as pessoas que contraíram o vírus e as que não se contaminaram é que os indivíduos infectados tinham duas vezes mais chances de ter ido a um restaurante nas duas semanas anteriores ao surgimento dos sintomas da doença. O estudo, no entanto, não fez distinção entre a refeição ao ar livre e às mesas internas, o que a maioria dos especialistas considera mais perigoso.

Mas, embora as autoridades de saúde tenham endossado a máscara e o distanciamento social como medidas eficazes para conter a propagação do coronavírus, alguns especialistas zombam do uso do termômetro. Eles dizem que medir a temperatura na entrada nada mais é do que teatro, um gesto que provavelmente não vai detectar muitos indivíduos infectados e que oferece pouco mais do que uma ilusão de segurança.

Cuomo permitiu que as empresas exigissem que os clientes passassem por verificações de temperatura, podendo negar a admissão àqueles que se recusam a ser testados ou que tenham febre, e está exigindo o mesmo dos restaurantes de Nova York que retomam o funcionamento em sua área interna. O CDC define febre como a temperatura de 38 ºC ou mais; no entanto, alguns relatórios questionam a precisão dos termômetros infravermelhos.

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Embora as verificações de temperatura possam identificar pessoas gravemente doentes, essas são as que provavelmente não estarão se socializando muito ou saindo para comer. E um conjunto crescente de provas sugere que muitos dos que contribuem para o aumento da transmissão são os chamados assintomáticos – aqueles que foram infectados, mas que se sentem bem e não têm febre nem outros sintomas.

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– As verificações de temperatura são semelhantes à checagem do óleo antes de uma longa viagem de carro. Faz você se sentir melhor, mas não vai impedir que o carro se estrague ou que um pneu se solte. Não vai garantir maior segurança à sua viagem. Medir a temperatura é algo que você pode fazer, que faz você se sentir como se estivesse tomando uma atitude. Mas não vai detectar a maioria das pessoas que estão espalhando a Covid – comentou o dr. David Thomas, especialista em doenças infecciosas da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins.

Nem todos os infectados com o vírus apresentam febre 

A maioria das pessoas que tem febre se sente mal e presumivelmente cancelaria os planos para o jantar, observou o dr. Thomas McGinn, vice-presidente e vice-chefe médico do Northwell Health, acrescentando que as verificações de temperatura podem detectar alguns indivíduos que não percebem que estão com febre. Mas, segundo ele, a ausência de febre não significa nada.

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– Não é um teste muito sensível.

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Essa, porém, é uma forte mensagem de saúde pública, servindo como um lembrete de que as pessoas devem tomar precauções, o que em si pode ser benéfico, de acordo com McGinn.

– Faz as pessoas pensarem duas vezes, e as lembra de que existe um grande problema, de que ainda precisamos ter cuidado, de que é preciso que alguém esteja à porta para fazer isso.

Mas aqui está o problema: a febre pode ser um sintoma da Covid-19, a doença causada pelo coronavírus, mas nem todos os infectados com o vírus apresentam febre – ou muitos outros sintomas, aliás. Os médicos que escreveram no “The New England Journal of Medicine” chamaram o fenômeno de propagação assintomática de “calcanhar de aquiles do controle da pandemia de Covid-19”.

As evidências de propagação assintomática remontam ao início da pandemia, mas vêm aumentando desde então. Um estudo recente da Coreia do Sul publicado em “JAMA Internal Medicine” em agosto ofereceu ainda mais provas, descobrindo que os indivíduos infectados que não se sentem doentes podem carregar tanto vírus no nariz, na garganta e nos pulmões quanto aqueles com sintomas – e durante quase o mesmo período.

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A. David Paltiel, professor de Política e Gestão em Saúde da Escola de Saúde Pública de Yale, disse que esses indivíduos são os “espalhadores silenciosos”, os maiores responsáveis pela transmissão e pelos grandes surtos.

– Você já é extremamente infeccioso antes de apresentar sintomas, se é que vai apresentar algum. Pode ter sido exposto, incubar o vírus e começar a espalhar grandes quantidades dele, sendo um superdisseminador, sem realmente exibir qualquer sintoma como a febre. As verificações de temperatura não farão nada para deter essas “bombas-relógio”. Isso é uma má ideia – explicou Paltiel.

Segundo ele, os restaurantes devem, em vez disso, pressionar pelo acesso a testes com resultados rápidos para os clientes.

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Curiosamente, mesmo os pacientes graves que precisam de cuidados médicos nem sempre têm febre. Dos quase seis mil pacientes na área de Nova York que estavam muito doentes quatro meses atrás e que foram internados em hospitais da Northwell Health, apenas 30 por cento estavam febris quando chegaram, de acordo com um estudo da McGinn publicado no “The Journal of the American Medical Association”.

A tendência é consistente com relatórios anteriores, incluindo um estudo da China que analisou mais de mil pacientes internados em 552 hospitais até o fim de janeiro. O estudo, publicado no “The New England Journal of Medicine”, relatou que apenas 44 por cento deles tinham temperatura elevada quando foram internados, embora a maioria (88 por cento) tenha desenvolvido febre durante sua internação hospitalar.

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Em julho, o CDC atualizou discretamente sua orientação para as empresas, reconhecendo que os sintomas e as verificações de temperatura “não serão completamente eficazes”, porque os indivíduos assintomáticos e aqueles com sintomas vagos passarão pela checagem da temperatura. Mas, mesmo quando a agência alertou que “os exames não são um substituto para outras medidas de proteção, como o distanciamento social”, ela forneceu diretrizes detalhadas para a realização dessas verificações, aconselhando o uso de termômetro descartável ou sem contato e orientando aqueles que realizam esse serviço a trocar de luvas entre as checagens.

O ponto principal, segundo funcionários da agência federal de saúde, é que essa testagem de funcionários, incluindo o uso da verificação de temperatura, antes que voltem ao trabalho é “uma estratégia opcional que as empresas podem considerar adotar, dependendo de sua situação local”.

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Peter Kuhn, professor de Ciências Biológicas, Medicina e Engenharia da Universidade do Sul da Califórnia, disse que seus estudos sugeriram que a febre é frequentemente um primeiro sintoma do coronavírus. E, embora as verificações de temperatura possam ser úteis, ele observou que elas devem ser usadas em conjunto com um pacote abrangente de medidas de segurança, que incluem a necessidade de máscara e distanciamento social, além de uma boa ventilação e acesso a ar fresco.

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– As verificações de temperatura são uma parte disso, mas apenas uma parte. Se alguém argumentar que elas garantem segurança total para jantar em ambientes fechados, isso está completamente errado. Não é uma solução mágica – afirmou Kuhn.

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