A medida determinada pelo presidente norte-americano Donald Trump de aumento das taxas sobre o aço e o alumínio pode afetar positivamente a indústria catarinense. Na quinta-feira, os EUA oficializaram a alta das alíquotas sobre importações de aço e alumínio, que passarão de até 0,9% para 25% sobre o aço e de 2% para 10% sobre o alumínio. A princípio, apenas Canadá e México ficam de fora.

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A sobretaxa é preocupante para o Brasil, já que cerca de 33% de todo o aço exportado vai para os Estados Unidos. O país é segundo maior exportador da matériaprima para os norte-americanos, atrás apenas do Canadá. Santa Catarina, por outro lado, não é um grande vendedor externo da commodity, mas consumidor.

A expectativa é que, assim, pode haver reflexos positivos em nível estadual caso os preços do insumo caiam, como acredita ovice-presidente da Federação das Indústrias de SC (Fiesc) para o Norte do Estado, Evair Oenning.

– Certamente haverá repercussões no mercado interno pela elevada concorrência que deverá acontecer nesses setores, seja por parte dos produtores nacionais ou mesmo por fornecedores internacionais, ávidos em compensar as perdas com as exportações aos EUA, caso as medidas anunciadas venham a se concretizar – avalia Oenning, que é sócio de uma fabricante de peças especiaisde aço.

O presidente da Câmara Automotiva da Fiesc, Hugo Ferreira, espera que a siderurgia nacional dê mais incentivos ao mercado interno diante da dificuldadeem exportar:–

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Hoje, o setor de autopeças paga pelo aço o mesmo preço do aço importado. Essa sobretaxa pode dar chance de a indústria siderúrgica ver o setor como uma saída para o que é exportado aos EUA e nos dar mais incentivos – diz.

Os Estados Unidos são o principal parceiro comercial de SC, e carros e partes para motor lideram a pauta de exportações para os norte-americanos, dois segmentos que demandam aço.

Negociação bilateral como alternativa

Como em nível nacional o cenário é de desastre, o Itamaraty procura formas de solucionar o problema. Para o gerente de Negociações Internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Fabrizio Panzini, a melhor saída para o país, no momento, é tentar a negociação bilateral para que o Brasil entre na lista de exceções à sobretaxa, e insistir que a produção brasileira é complementar à americana. Um apelo à Organização Mundial do Comércio (OMC) viria em segundo lugar, já que é um processo mais lento. As retaliações – que a União Europeia já estuda – seriam um ponto mais delicado para o Brasil e serviriam mais para barganhar nas tratativas bilaterais.

“Motivação irracional”

A alegação dos EUA é que o volume de importação de aço é tão grande que representa uma ameaça à segurança nacional. No entanto, analistas argumentam que a sobretaxa seria uma forma de barganhar em negociações com países que queiram entrar para a lista de exceções à medida, junto com Canadá e México.

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– Com a possível exclusão do Canadá e do México, você acaba desconfiando dessa justificativa de segurança nacional. Se está excluindo seu maior vendedor de aço (Canadá), tem algo estranho. E tem sido dito que isso (a abertura da exceção ao Canadá e México) pode ser usado para negociar no Nafta – avalia Fabrizio Panzini.

A medida de Trump é vista pelo representante da CNI como “irracional”, já que a indústria dos EUA depende do insumo importado, além de ilegal perante a OMC. Até mesmo dentro da Casa Branca há oposição. O conselheiro econômico de Trump, Gary Cohn, renunciou ao cargo na terça-feira afirmando que a medida seria prejudicial aos norte-americanos.

“Decisão desencadeia ações de protecionismo”

A presidente da Câmara de Comércio Exterior da Fiesc, economista Maria Teresa Bustamante, uma das principais especialistas do Brasil no tema, vê a decisão de Trump como uma ação que vai desencadear protecionismo em todos os lados.

Quais são os principais impactos da adoção de tarifas contra o aço e o alumínio?

Empresas que usam aço como insumo, no médio prazo, poderão se beneficiar porque, obviamente, os fornecedores da matéria-prima ficarão com um estoque maior e poderão promover redução de preços. Isso precisa ser negociado entre as partes. Mas o mais relevante é que a decisão de Trump desencadeia ações de protecionismo de todos os lados e virou um tiroteio de todas as partes. De um lado, se começa a pensar que a Organização Mundial do Comércio (OMC) não é mais fórum para discutir nada porque ele (Donald Trump) não esta dando nenhuma atenção sobre o que a organização faz. A União Europeia disse que vai denunciar Trump na OMC. Há muita incerteza. Se de um lado essa taxação pode ser benéfica para reduzir preços de produtos acabados que têm aço, de outro há um efeito global e muito mais amplo, muito ruim.

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Se essas taxas forem adotadas, podemos ter outros produtos sobretaxados em breve?

É claro que sim. A partir do momento que ele toma uma medida drástica dessas sem olhar para as consequências, a partir do momento que vocês têm que reconhecer que eles estão sendo muito poderosos nas decisões sem ter que olhar para órgãos internacionais que fazem parte desse contexto de avaliação, amanhã ele toma qualquer atitude.

Os EUA têm mecanismos internos para barrar as taxas ou elas entrarão em vigor?

Elas entram em vigência. O que não podemos esquecer é que ele está se amparando num estudo feito previamente no Departamento do Comércio do país.E como executivo que ele é, tem autonomia para adotar essa decisão. Até porque ele está tomando a medida alegando motivo de segurança nacional. Medidas com esse argumento geram muitas dúvidas na OMC. Ele não fez isso com objetivo de ganhar algo. Está cumprindo rigorosamente o que prometeu na campanha. Com ele não tem retórica vazia. Não vejo ele dizendo que vai revogar o decreto porque a União Europeia pressionou. Ele até pode cancelar o decreto por uma razão interna. Mas, até o momento, não há argumento que possa fazer ele mudar de ideia.