Os tradicionais andadores infantis encontraram um obstáculo pela frente: médicos da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) que estão dando início a uma campanha para bani-los do país.

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Ainda esta semana, representantes da categoria vão a Brasília pedir a elaboração de um projeto de lei proibindo a venda dos andadores. Como esse é um processo demorado, a campanha também tenta convencer os pais a frear o uso dos andadores por conta própria e pede um controle mais rigoroso por parte do Inmetro.

Dirigentes da SBP deverão se reunir hoje com integrantes da ONG Criança Segura e do Inmetro para elaborar testes com os andadores que permitam a emissão de laudos técnicos de segurança capazes de apontar problemas.

– Também vamos a Brasília tentar fomentar um projeto de lei que proíba a venda. Mas sabemos que esse é um processo muito demorado, por isso também vamos trabalhar orientando os pais a não utilizar esse produto inútil e que só traz riscos – afirma o pediatra gaúcho Danilo Blank, membro do Comitê de Segurança da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul e um dos organizadores da campanha nacional.

O principal argumento dos médicos é de que os andadores não trazem nenhum benefício ao desenvolvimento dos bebês – mas os sujeitam a riscos como tombamento, quedas de escadas e acesso facilitado a fontes de perigo como bocas de fogão acesas e produtos tóxicos. Estudos reforçam esse temor. Uma pesquisa austríaca chamada Andadores: Uma Ameaça Subestimada para Nossas Crianças? revelou que 55% das famílias com crianças investigadas usavam o aparelho. Dessas, uma em cada cinco havia sofrido algum acidente relacionado ao andador.

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A Aliança Europeia para Segurança Infantil aponta ainda que esse é o tipo de utensílio infantil que mais provoca lesões em bebês, 90% das quais ocorrem na cabeça. Em 2002, conforme um relatório da entidade, 2,3 mil crianças foram hospitalizadas no Reino Unido por esse motivo. Não existem dados disponíveis referentes ao Brasil.

A mãe e vendedora Ane Oliveira, 34 anos, trabalha em uma loja de artigos para crianças e afirma que hoje os andadores são mais seguros do que antigamente, com bases mais amplas e menos propensas a quedas. Mas confessa que sua própria filha, quando usava o produto, também se acidentou:

– Ela quebrou um dente.

Fabricantes pedem normas de segurança

Para fabricantes e revendedores dos andadores infantis, proibir o aparelho não seria a melhor saída para evitar acidentes no país. O conselheiro da Associação Brasileira de Produtos Infantis (Abrapur) Élio Santini afirma que o Brasil deveria estabelecer normas de segurança a serem obedecidas por fabricantes e importadores – como sistemas de prevenção a quedas e limitadores de velocidade, a exemplo do que já é feito em países europeus e nos Estados Unidos.

– Ocorrem muitos acidentes de carro, mas ninguém fala em proibir o carro. O que se deve fazer é aumentar as condições de segurança. Hoje, não temos normas no Brasil sobre a segurança dos andadores – avalia Santini.

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Entre os principais países, apenas o Canadá baniu esse tipo de equipamento até o momento. Mas a União Europeia e os Estados Unidos seguem discutindo a possibilidade de seguir o mesmo caminho. Um relatório de 2010 da Aliança Europeia para a Segurança Infantil aponta que, se não for observada uma redução significativa nos acidentes, uma proibição “deve ser considerada”.

Após morte, Passo Fundo baniu aparelho de escolas

Foi preciso uma tragédia envolvendo uma criança de 10 meses para que os andadores fossem banidos das escolas de Educação Infantil, em Passo Fundo. A recomendação do Ministério Público está em vigor desde 2009 no município.

O pediatra Rui Locatelli Wolf costumava atender no consultório casos de crianças com hematomas na cabeça, provocados pela queda com o andador, e aconselhava mães e avós a não usarem o objeto. Como estava presa à estrutura, quando caía, a criança batia a cabeça. O médico também notava que o desenvolvimento motor dos pequenos tinha prejuízo: os bebês aprendiam a andar usando uma musculatura que provoca o encurtamento dos tendões.

Mas foi o atendimento de um bebê de 10 meses, em 2009, que motivou o médico a levar o caso para fora do consultório. Ao usar o andador, a criança caiu e bateu a cabeça. Não teve reação nenhuma no momento, mas quando dormiu não acordou mais. Com hemorragia cerebral, o bebê morreu.

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– Chocou todo mundo porque é um acidente que pode ser prevenido e resultou nesta fatalidade – conta Wolf.

O caso foi levado pelo pediatra ao Ministério Público de Passo Fundo. Depois de um inquérito civil para apurar o eventual risco do andador à saúde das crianças, a promotora Ana Cristina Ferrareze Cirne expediu uma recomendação a todos os hospitais, creches, escolas de Educação Infantil do município para que o equipamento deixasse de ser utilizado.

Nas 26 escolas municipais de Educação Infantil de Passo Fundo, os andadores foram recolhidos e eliminados.

– Pelos danos à saúde e pelo risco de acidentes graves, preferimos banir totalmente das escolas – diz o secretário municipal de Saúde, Edemilson Jorge Ramos Brandão.

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Mas só retirar das escolas, conforme Wolf, não soluciona a questão. Conforme o pediatra, enquanto o produto estiver à venda, sempre haverá uma mãe ou uma avó que, por comodidade ou desconhecimento, usará o objeto.

– O objetivo é que se siga o exemplo de países como Canadá e que se proíba a comercialização do andador – afirma o médico.

O que dizem…

… os pediatras

1. Andadores não trazem qualquer benefício ao desenvolvimento da criança, motor ou mental

2. Seu uso pode até retardar o desenvolvimento da marcha infantil em algumas semanas ao alterar o funcionamento normal da estrutura muscular

3. Os perigos que o andador traz à criança incluem:

– Risco de quedas pelo tombamento do andador e pelo uso em escadas

– Ameaça de acesso facilitado a perigos como fogão aceso, substâncias tóxicas etc.

– Possibilidade de choque contra paredes ou objetos em velocidade elevada

4. Muitas vezes, é utilizado como instrumento para o bebê se distrair enquanto os pais realizam outras atividades – o que é duplamente perigoso, já que o uso do equipamento sem supervisão facilita os acidentes

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… os fabricantes

1. Todo equipamento de uso infantil pode trazer riscos caso seja mal utilizado, não apenas os andadores

2. A solução ideal para impedir acidentes não é proibir os andadores, mas criar normas de segurança – como freios para impedir velocidade elevada e base mais alargada para reduzir o risco de queda – que hoje não existem no país

3. Crianças que engatinham estão sujeitas a muitos dos riscos atribuídos aos equipamentos, como alcançar substâncias tóxicas, sofrer quedas, cair em piscinas etc

4. Utilizado de maneira adequada, sob supervisão dos pais, pode ser um brinquedo agradável e dinâmico para os bebês

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Em outros países

Alemanha

Em 2010, a Associação Profissional de Médicos de Crianças e Adolescentes da Alemanha lançou uma campanha defendendo a proibição da venda dos andadores. A recomendação é de que o veto fosse estendido a toda União Europeia, onde a venda é permitida.

Canadá

Proibiu o uso de andadores de forma pioneira, em 2004, por considerá-los muito perigosos e sem utilidade para o desenvolvimento do bebê. A posse de um pode levar a multas de até US$ 100 mil ou seis meses de prisão. Não é admitida a venda nem de produtos usados.

Estados Unidos

Eram muito populares até os anos 90, quando a Comissão de Segurança de Produtos para os Consumidores declarou que os andadores respondiam por mais lesões em bebês do que qualquer outro artigo infantil. A Academia Americana de Pediatria desencoraja o uso, mas a venda é permitida.

Inglaterra

Uma estimativa da década passada indicava que algo em torno de 250 mil bebês utilizavam andadores no país. Pelo menos 4 mil, a cada ano, eram atendidos com algum machucado provocado por esse equipamento. Médicos e fisioterapeutas já manifestaram contrariedade com seu uso.

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Turquia

Um estudo realizado em 2009 mostrou que o uso dos andadores é disseminado no país. Em uma pesquisa realizada com 495 crianças de dois meses a cinco anos, foi demonstrado que 75% delas haviam utilizado o equipamento em alguma fase do desenvolvimento.