A partir desta sexta-feira, qualquer pessoa – desde que maior de idade e plenamente consciente – pode decidir, antecipadamente, se quer ou não prolongar um tratamento em fase terminal. Uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), que deve ser publicada no Diário Oficial da União neste sexta, garante o direito do paciente definir, junto ao médico, os critérios sobre o uso de tratamentos considerados invasivos ou dolorosos em casos nos quais não exista qualquer possibilidade de recuperação.

Continua depois da publicidade

A Resolução 1.995/2012 orienta que os cuidados e tratamentos de pacientes que estiverem incapazes de se comunicar ou expressar de maneira livre e independente suas vontades, será norteado pelas suas Diretivas Antecipadas de Vontade. Também chamado de testamento vital, é um registro do desejo do paciente em documento, que permite que a equipe médica tenha suporte legal e ético para cumprir essa orientação. O documento não é válido para casos como acidentes de trânsito, quando a pessoa tem chance de recuperação e, portanto, deve ser submetida a procedimentos de ressuscitação.

Na opinião do presidente do CFM, Roberto Luiz d’Avila, a resolução é um avanço na relação médico-paciente.

– Será respeitada a vontade do paciente em situações em que o emprego de meios artificiais, desproporcionais, fúteis e inúteis, para o prolongamento da vida, não se justifica eticamente – afirmou, em nota.

O médico ressaltou que a pessoa não será abandonada – receberá os cuidados paliativos para evitar o sofrimento e deixá-la morrer na hora certa.

Continua depois da publicidade

A questão, porém, é vista com cautela pela filósofa e professora de ética aposentada Cecília Pires. Para ela, ao mesmo tempo em que valoriza a autonomia e o direito de decidir, vai contra o princípio ético de que ninguém tem o direito de abreviar uma vida:

– Além disso, coloca, nas mãos do médico ou da família, a decisão de fazer cumprir essa vontade. Ou seja, executar de fato essa ortotanásia, o que pode ser algo muito doloroso e difícil.

Mesmo acreditando na validade da medida, o presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), Rogério Wolf de Aguiar, pondera que esse documento, mesmo que faça cumprir a vontade do paciente, dependerá de uma avaliação detalhada do médico das condições mentais e emocionais da pessoa, à época da manifestação.

– O médico, mesmo responsável, não tem o poder absoluto e terá que decidir, em conjunto com os responsáveis pelo paciente – projeta.

Continua depois da publicidade

Direito Penal não legitima

O Conselho de Medicina afirma que não se preocupa com as consequências jurídicas, caso uma família reclame de negligência médica por ter respeitado a vontade do paciente e não tê-lo colocado em tratamentos excessivos.

Já o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RS, Ricardo Breier, avalia que o direito penal atual não legitima essas ações e, em caso de discordância com a família, o médico poderá até responder por homicídio. O anteprojeto do novo Código Penal, no entanto, prevê a não responsabilização do médico nesses casos.

– A resolução do conselho é estritamente relacionada ao âmbito administrativo e médico, não tem ancoração penal. Pelo menos não até o novo Código Penal entrar em vigor – diz.

Tire suas dúvidas

A vontade deve ser registrada de que forma?

O médico registrará, no prontuário, a vontade que foi diretamente comunicada pelo paciente.

Precisa ser registrada em cartório?

Não é necessário, mas pode ser feito caso o paciente deseje.

É possível cancelar?

Sim, desde que o paciente esteja lúcido. Assim sendo, ele deve procurar o médico para manifestar essa mudança, bem como alterar o documento em cartório, caso tenha sido registrado.

Continua depois da publicidade

É necessário ter testemunhas?

Não. Porém, pode ser feito como forma de segurança.

Quem pode fazer?

Maiores de 18 anos ou emancipados, desde que estejam lúcidos.

Posso eleger um representante que não seja da família?

Sim. Um procurador pode ser qualquer pessoa de confiança.

Meus parentes têm prioridade acima do meu representante legal?

Não. As vontades do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos parentes.

Posso solicitar a interrupção de qualquer procedimento?

O paciente manifestará sua vontade perante o testamento vital, mas o médico deixará de cumpri-la se estiver em desacordo com o Código de Ética Médica. Conforme as regras, é vetado ao médico fazer procedimentos para abreviar a vida (eutanásia), ainda que a pedido do paciente ou seu representante legal.

Qual é a orientação do Conselho Federal de Medicina?

Os cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração seu testamento vital. Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração.

Experiência mundial

Espanha e Holanda: a possibilidade de registro e obediência ao testamento vital já existe.

Portugal: uma lei federal entrou em vigor neste mês autorizando o que chamam de “morte digna”.

Continua depois da publicidade

Argentina: lei que trata desse tema existe há três anos.

Estados Unidos: O documento tem valor legal. Exige-se que seja assinado por pessoa maior e capaz. É revogável e tem uma validade limitada (cerca de cinco anos). O estado terminal deve ser atestado por dois médicos.

Repercussões

Cardeal Raymundo Damasceno Assis – Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB )

Um médico (…) preocupado em terminar com uma vida humana, em que fase for, está como que negando a sua própria profissão, que é cuidar da vida, prolongar a vida, fazer com que essa vida seja vivida cada vez melhor.

Cecília Pires – Filósofa e professora de ética aposentada

É uma questão complicada pois coloca a responsabilidade nas mãos de alguém. Eu, em sã consciência, vou pedir para alguém abreviar meu sofrimento. Eticamente, vai contra o princípio básico de preservar a vida, acima de tudo.

Continua depois da publicidade

Rogério Wolf de Aguiar – Presidente do Cremers

O avanço da medicina nos traz esses novos dilemas, uma vez que é possível prolongar mecanicamente uma vida. Essa diretiva valoriza a vontade e a autonomia das pessoas, dando ênfase para que a ela seja respeitada. De qualquer maneira, não é uma procuração ao médico, e a decisão final ficará com os responsáveis legais ou familiares do paciente.

Ricardo Breier – Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RS

O direito penal não legitima esse tipo de ação, e o médico pode responder por homicídio se não prolongar a vida do paciente. Minha opinião é que a lei deve se atualizar para que possa acompanhar essas novas medidas, retirando o caráter criminoso do médico nas situações de eutanásia ou ortotanásia.