Médicos que atuam em Santa Catarina irão iniciar as discussões sobre interrupção da gravidez no 6º Fórum de Ética Médica, realizado hoje e amanhã, pelo Conselho Regional de Medicina (Cremesc). Será o primeiro passo para a classe definir o posicionamento da classe no Estado, depois que seus representantes se abstiveram na votação em que o Conselho Federal de Medicina (CFM) declarou-se a favor da liberação do aborto em até 12 semanas de gestação.
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A demonstração é de que o debate começa distante de um consenso, depois de o presidente do CFM, Roberto Luiz d’Ávila, ter anunciado em 21 de março a posição favorável da entidade à liberação, afirmando que enviará uma manifestação formal à comissão especial do Senado responsável por avaliar a reforma do Código Penal.
Na lei atual, datada de 1940, a interrupção da gravidez é permitida apenas em caso de estupro, anencefalia – doença causada pela má formação do cérebro – e se a mãe correr risco de morte. Nos demais casos, o aborto é considerado crime, com pena de um a três anos de detenção.
Segundo o presidente do Cremesc, Vicente Pacheco de Oliveira, o pronunciamento do CFM não reflete a opinião do conselho regional, já que os representantes que estiveram no I Encontro Nacional dos Conselhos de Medicina de 2013, ocorrido em Belém no começo de março, preferiram não participar da votação do tema.
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– Fizeram uma enquete informal, da qual preferimos nos abster, pois não tínhamos ouvido os conselheiros de nosso Estado, e acabou sendo defendido publicamente pelo Conselho Federal de Medicina. Vamos discutir o assunto no fórum de amanhã e, ainda em abril, devemos fazer uma conferência para todos os 13 mil médicos de Santa Catarina poderem se posicionar – afirma Oliveira.
::Conselho federal não representa médicos, diz sindicato
O presidente do Sindicato dos Médicos de Santa Catarina, Cyro Soncini, afirma que a entidade também abrirá o debate entre os associados neste mês. Para ele, a opinião do CFM não representa toda a classe que, segundo a lei, seria representada pelos sindicatos.
– Uma decisão de uma diretoria não alcança a todos. Para ter uma posição dos médicos brasileiros, é preciso um debate amplo. Está confirmada apenas a posição do CFM – observa.
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Para Oliveira, o Senado não deveria se basear apenas no parecer do CFM para incluir a decisão da mãe nas primeiras 12 semanas como uma das causas excludentes de ilicitude do Código Penal. Precisaria ser aberta uma discussão com toda a sociedade.
De acordo com o CFM – para chegar ao posicionamento, os conselhos se debruçaram sobre o tema, ao ouvir representantes de diferentes segmentos e analisar estudos sobre aspectos éticos, bioéticos e religiosos.
Segundo o conselho federal, a rigidez dos princípios não pode ser mais importante do que a proteção ao ser humano e da autonomia da mulher. A entidade defende que o direito da mãe – de decidir nos primeiros três meses se quer manter ou interromper a gestação – diminuiria os problemas de saúde pública. Isto porque, no Brasil, o aborto é uma das principais causas de morte materna devido aos procedimentos inseguros realizados clandestinamente.
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Um estudo realizado pelo Instituto do Coração (InCor) apontou que a curetagem – raspagem do útero – após aborto foi a cirurgia mais realizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) entre 1995 e 2007. A maioria por interrupção provocada.
“Todos sabiam que íamos tomar posição em março”
O conselheiro Waldir Cardoso, do Conselho Federal de Medicina, reforça a decisão da entidade e argumenta que, em alguns países onde houve descriminalização do aborto profissionais conseguem convencer mulheres a não interromper a gravidez, dentro dos hospitais.
Diário Catarinense – Que fatores o CFM considerou ao se posicionar favorável à liberação do aborto até 12 meses de gestação?
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Waldir Cardoso – Ao longo de mais de um ano fizemos discussão. O Senado pediu posicionamento do conselho em relação ao artigo 128 do Código Penal, que está em modificação. Nossa proposta é favorável por questão de saúde pública. O aborto inseguro é responsável pela grande maioria das mortes maternas. São abortos realizados em clínicas clandestinas ou por mulheres que colocam medicamento na vagina, fazem perfuração e, quando começa o sangramento, correm para o hospital. Exemplos de outros países que descriminalizaram o aborto mostram queda no índice de mortalidade materna e até no número de abortos.
DC – Então a descriminalização pode diminuir o índice de aborto?
Cardoso – A avaliação é de que isso ocorre em alguns países porque o sistema de saúde se organiza para acolher a mulher, com equipe de assistência social e psicólogos. Ao se retirar a preocupação criminal, diminui-se a pressão da mulher e a equipe pode trabalhar de modo a tentar convencê-la a não interromper a gravidez. Outra questão é que a medicina no mundo todo evolui cada vez mais no sentido de respeitar a vontade do paciente.
DC – E como fica o embrião?
Cardoso – A opção por limitar até a 12ª semana é porque nesta fase o sistema nervoso não se formou ainda. Pode-se comparar a um embrião encefálico.
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DC – Existem conselhos regionais que reclamaram da falta de discussão antes da tomada de decisão do CFM. O que o senhor tem a dizer?
Cardoso – Essa informação deixa o CFM desapontado. O debate começou no início do ano passado, quando veio a solicitação do Congresso para nos posicionarmos. O assunto foi levado a um pleno em setembro do ano passado e não decidimos nada naquele período. Depois se criou uma comissão para analisar tecnicamente e fazer estudos para subsidiar as discussões, encaminhados aos conselhos regionais solicitando que se abordasse o tema no âmbito local. Todos sabiam que iriamos tomar posição em março.
“Não fomos avisados que o voto seria a decisão da classe”
O presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado deixou claro, em entrevista, que a posição da entidade em relação à decisão do Conselho Federal de Medicina – a favor do direito da gestante de optar pelo aborto até a 12ª semana da gravidez – foi manifestada a partir de uma consulta em que os profissionais foram surpreendidos para votar sobre o assunto.
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Diário Catarinense – Qual o posicionamento do Conselho Regional de Medicina de SC sobre a interrupção da gravidez?
Vicente Pacheco de Oliveira – Este foi um dos temas discutidos no Encontro Nacional dos Conselhos de Medicina, em Belém do Pará, por causa da previsão de reforma do Código Penal. O que foi discutido seria a inclusão do item excludente da penalidade no caso de aborto até a 12ª semana de gestação. Os quatro representantes de Santa Catarina se abstiveram, como não havíamos colocado o assunto em discussão com os médicos do Estado.
DC – Como foi a votação no evento realizado pelo Conselho Federal de Medicina, em março?
Oliveira – Lá no encontro, venceu o voto por maioria, mas de uma maioria que não foi avisada de que haveria esse tipo de votação. Parecia uma enquete informal após a exposição de um estudo sobre o assunto. Ninguém sabia que isso seria tomado como uma decisão de classe para se tornar pública.
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DC – Como assunto será debatido no Conselho Regional de Santa Catarina?
Oliveira – Estamos realizando um fórum de ética entre hoje e amanhã e vai ser debatido sobre o aborto sobre o aspecto bioético e científico. Mas uma posição só teremos depois que fizermos uma conferência, que deve ocorrer ainda em abril, para sabermos a opinião de dos 13 mil médicos do Estado.
DC – Como deveria ser o debate sobre a descriminalização do aborto para a mudança do Código Penal?
Oliveira – Acho que deveria ser ouvido todos os segmentos da sociedade. Essa é uma discussão que transcende a classe médica.
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