Hora de levantar acampamento. Entre os capacetes azuis, usados pelos militares que integram a missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti e deixam o país com o fim da operação está a catarinense Lisandra Borsato da Silva Valvassori. A médica de 33 anos nascida em Criciúma e moradora de São José, na Grande Florianópolis, é primeira tenente do Exército e atua no Hospital da Guarnição (HGUFL) de Florianópolis.

Continua depois da publicidade

A militar, que desembarca na Capital catarinense entre hoje e amanhã, pisou no Haiti em maio como integrante do 26o e último contingente brasileiro deslocado com a missão de ajudar a reestabelecer a segurança e a normalidade institucional do país localizado na América Central. Nesse efetivo do Batalhão do Brasil no Haiti, o Brabat 26, de 16 maio a 15 outubro, participam 638 militares do Exército, 181 da Marinha e 30 da Aeronáutica.

O sentimento da catarinense se assemelha ao de muitos militares que participaram da Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti, a Minustah, iniciada em 2004:

– Nesses 13 anos de missão de paz, com certeza houve melhora nas condições sociais do país, mas o Haiti ainda não atingiu uma condição social que possamos chamar de adequada e digna. Falta saneamento básico, emprego, segurança.

Continua depois da publicidade

Como médica da 1a Cia Fuz, o trabalho de Lisandra não ficou apenas reservado aos militares e civis que ocupavam as bases militares. Ela também atendeu ações cívico-sociais que envolveram crianças de um bairro da periferia de Porto Príncipe e alunas de uma escola católica em que a direção é de Irmã Zelinda, uma religiosa brasileira. Do contato com o povo haitiano, a médica traz para Santa Catarina uma imagem como marca da experiência que, embora breve, é marcante:

– Encontramos crianças com o sorriso fácil e carinhosas, ao mesmo tempo em que nos deparamos com adultos que mostram nas feições todo o sofrimento pelo qual aquele povo já passou.

A militar deixou o país do Caribe na segunda-feira. Está em São Paulo, onde ocorre a desmobilização da tropa e passa por exames médicos. O retorno para casa ainda depende dos resultados e procedimentos burocráticos.

Continua depois da publicidade

“Levo respeito e admiração por quem segue prestando ajuda humanitária”

No hospital em que trabalha, em Florianópolis, a 1a tenente médica Lisandra Borsato da Silva Valvassori exerce a função de Chefe do Pronto Atendimento Médico e Chefe do Serviço de Atendimento Domiciliar. Foi o fato de poder atuar em apoio à tropa, no campo, que fez a jovem sonhar com as Forças Armadas.

– Ter a oportunidade de participar de uma missão de paz, numa situação real, foi a concretização do sonho que eu mantinha e me motivou.

A família, conta, teve papel importante e serviu como porto seguro, dando apoio. A tecnologia também ajudou:

Continua depois da publicidade

— O WhatsApp facilita muito a comunicação com a família, que nesse período foi praticamente diária.

Lisandra se formou em Medicina pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), em 2010, e fez pós-graduação em Saúde da Família pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, em 2013, mesmo ano em que ingressou na Escola de Saúde do Exército (EsSEx).

ROTEIRO E TAREFAS

Cheguei no Haiti em 16 de maio. Inicialmente fiquei na capital Porto Príncipe, permanecendo por alguns dias com as tropas de Força de Paz (1ª Cia Fuz F Paz). Depois, nos deslocamos para o Norte do país, para as instalações do Brabat 26, quando fomos, juntamente com a 1ª Companhia de Fuzileiros para a cidade de Cap Haitien. Sou uma das 15 mulheres do 26o Batalhão de Infantaria de Força de Paz, de um universo de cerca de 800 militares.

Ter a oportunidade de participar de uma missão de paz pela ONU, como militar, médica e, principalmente, como mulher tem sido uma honra para mim e trouxe um sentimento de conquista pessoal e profissional muito grande.

Continua depois da publicidade

Nossa missão era realizar a segurança das Bases do Chile, Uruguai e Peru, até que estes contingentes finalizassem a desmobilização de suas bases. Em julho, a 1a Cia retornou para Porto Príncipe. Dentro das Bases do Norte a rotina era tranquila. Como única médica da companhia, o apoio de saúde era dispensado 24h por dia, conforme demanda.

CONTATO E APRENDIZADOS

Prestei apoio a crianças carentes de um bairro da periferia de Porto Príncipe, alunas de uma escola católica, cuja direção é de uma brasileira, a Irmã Zelinda. Acho que a mudança e, principalmente, o maior aprendizado com essa missão foi o valor que aprendemos a dar às coisas simples. Aprendi com uma criança que um abraço é algo muito valioso, que um sorriso ou um gesto de carinho fazem um bem muito grande, que água potável e energia elétrica são artigos de luxo e que riqueza é você ter alguém que se importe com você.

SAUDADES DE CASA

Os domingos, que são os dias sem atividades na base, são os que temos mais tempo de parar e pensar em nossas vidas. As lembranças do que deixamos temporariamente no Brasil batem mais forte. Dá saudade de coisas simples como abraçar minha filha, meu marido, minha família, meus cachorros, tomar um bom café da tarde na casa da minha mãe, ir no jogo do Tigre (Criciúma).

Continua depois da publicidade

UM PAÍS DE CONTRASTES

O Haiti é um país contrastante. Na mesma paisagem vemos o mar caribenho, com suas águas azul-turquesa junto de entulhos e mais entulhos de lixo na orla. De um lado temos crianças descalças brincando em meio ao esgoto e logo mais à frente, carros de luxo transitando pelas ruas do bairro de Petionville. Encontramos crianças com o sorriso fácil e carinhosas, ao mesmo passo que encontramos adultos que mostram em suas feições todo o sofrimento pelo qual esse povo já passou. Também levo o respeito e a admiração pelas pessoas que permanecem no Haiti prestando ajuda humanitária e os aprendizados valiosos como militar e, principalmente, como pessoa.

FUTURO E ESPERANÇA

Eu espero que o Haiti de agora em diante possa prosperar e evoluir. O povo, apesar de todo o sofrimento pelo qual já passou, é alegre. Em especial, as crianças. É nelas que acredito para no futuro fazer a diferença no país.