A história da Maternidade Darcy Vargas (MDV), que completa 70 anos neste domingo, se confunde com a de muitos joinvilenses nascidos na cidade, em especial, a de Rute Soares da Rosa, primeira menina nascida na unidade. Era 21 de abril de 1947 quando o casal Tassiana Soares e José Gregório Soares deixou a localidade da Caixa D¿Água, em Guaramirim, para iniciar uma nova etapa em suas vidas. O casal pegou carona com um vizinho e, horas depois, desembarcou na rua Miguel Couto, no bairro Anita Garibaldi, em Joinville, para receber uma simpática menina.À época, contar com uma maternidade foi um avanço e tanto para as gestantes. Se antes as mães davam à luz os bebês em suas casas, com a inauguração da Darcy Vargas, em 16 de abril de 1947, o serviço de assistência obstétrica foi modernizado e o atendimento melhorou bastante, pois as gestantes passaram a usufruir de uma unidade especializada em partos. Entre uma gargalhada e outra, Rute diz ter muito orgulho de fazer parte desse momento histórico.

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– Minha mãe me contava que a maternidade não estava totalmente pronta. Tinha condições de funcionar, mas ainda faltavam alguns detalhes. Mesmo assim, eu fui a primeira menina nascida no hospital, porque eu era teimosa e já era o meu dia de nascer – conta Rute.

Ao longo de 70 anos, a Darcy Vargas viu nascer aproximadamente 250 mil bebês, um pouco menos da metade da população atual de Joinville, calculada pelo IBGE em 570 mil pessoas. A construção da maternidade começou em 1941, mas a sua inauguração aconteceu apenas seis anos depois, sendo batizada com o nome da mulher do ex-presidente da República Getúlio Vargas.

A obra também foi um marco histórico para a cidade. Enquanto o mundo tentava se reerguer de um cenário pós-guerra, a maternidade era planejada para melhorar a condição hospitalar da região Norte do Estado. Os jornais da época narravam a busca incessante por melhorias nas condições de higiene e pelo amparo social na área da saúde.

Para Rute, a felicidade de fazer parte da história do hospital está estampada em cada gesto. Ela não esconde que sempre acompanhou a trajetória de crescimento da Darcy Vargas. Relembra também que ganhou da instituição uma medalha em homenagem ao seu nascimento. O pingente era acessório constante, usado na infância e na adolescência.

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Vaidosa, a feição de alegria de Rute só muda quando ela traz à memória o dia em que quase perdeu o pingente de nascimento. Foi em uma noite de muita chuva, nos anos de 1960, quando ela passava pela rua Benjamin Constant, e viu uma rajada de vento levar a peça.

– Olha como este pingente é abençoado (apontando a joia para a imagem de Santa Terezinha). No outro dia, o meu namorado andou por toda a rua e o encontrou no meio das pedras – lembra.

A dedicação da parteira Anita

A Maternidade Darcy Vargas construiu muitas histórias em seus 70 anos de existência. Uma delas envolve a parteira Anita Maria Boeing Dallagnolo, que dedicou 15 dos 30 anos de profissão à instituição joinvilense. Hoje com 79 anos, Anita curte a aposentadoria ao lado do marido e da gata Encrenca. Ela lembra que começou a se interessar pela profissão de parteira na década de 1960, quando ainda trabalhava como cozinheira em um hospital em Curitiba.

À época, ser parteira significava ajudar mulheres a darem à luz em situações adversas. Eram necessários dois anos de experiência na função para exercer o cargo, explica Anita. Depois de ficar quase dois anos treinando o ofício em um hospital de Blumenau, ela resolveu partir para o interior do Paraná, onde começou a atender a mulheres em casa.

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A parteira demonstra orgulho pela profissão e expressa este sentimento com lágrimas no rosto. Ela conta que, no início, realizava partos em sítios e fazendas. Ia de casa em casa a cavalo. Por viver longe de hospitais, criou um faro para saber como agir nos casos mais críticos. Depois de acumular 16 anos de experiência, ela decidiu mudar o foco e ajudar mulheres dentro de uma maternidade. Foi quando chegou a Joinville para trabalhar na Darcy Vargas, em 1976, onde permaneceu até a aposentadoria, em 1991.

– Tudo era muito diferente naquela época. Nós (parteiras) fazíamos o trabalho de parto em todos os bebês, menos os que precisavam de cesárea. O médico de plantão ficava de sobreaviso caso precisasse de cirurgia – lembra.

Conforme ela, naquela época, o procedimento de parto era bem diferente do que é feito atualmente. Não era permitido para a mãe ter um acompanhante, nem ficar com o bebê no quarto.

– Ainda bem que isso mudou. O contato com a família é fundamental. Lembro de uma vez em que o pai ficava trocando bilhetinhos com a mãe para se comunicar e saber se ela estava bem. Também recorda das dificuldades financeiras nos anos de 1980 para manter a maternidade aberta, com falta de medicamentos, roupas de cama e até funcionários. Para a sua alegria, a Darcy Vargas sobreviveu, passou por melhorias e hoje celebra sete décadas de serviços prestados à comunidade de Joinville.

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Uma médica à frente do desafio da reestruturação

O desafio de reerguer a MDV após crise foi oferecido à médica anestesista Raquel da Rocha Pereira. Ela foi diretora da Darcy Vargas de 1993 a 1999. Raquel compreendia que não seria uma tarefa fácil. Unindo valores que reconhecia para a gestão hospitalar e a motivação da equipe, aumentou o índice de satisfação dos pacientes de 42% para 97%, em quase dois anos.

– Só conseguimos reverter o quadro porque dividimos a direção da maternidade com os colaboradores. Mesmo ganhando pouco, eles se doaram – afirma.

Na época em que esteve à frente da MDV, a humanização ainda não era pauta constante dos hospitais. Mas Raquel acreditava no protagonismo da gestante durante o parto. Para ela, a unidade foi o berço deste tipo de procedimento, introduzindo o direito de analgesia e de um acompanhante. A semente da gestão participativa implantada por Raquel gera frutos até hoje. A MDV é referência em parto humanizado. Em 2016, foi a primeira instituição do Estado a permitir que doulas – mulheres que dão suporte físico e emocional às gestantes – acompanhassem as grávidas no nascimento dos bebês. A médica ressalta que a maternidade deve ser apoiada para que chegue aos cem anos.

– Hoje, enxergo a MDV como uma mãe que não nega nada a seus filhos. Mas essa mãe já está na terceira idade. A sociedade e o governo têm que dar o respaldo para que ela continue a crescer – completa.

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ENTREVISTA | Fernando Marques Pereira, diretor da maternidade

¿Trabalhamos pensando na humanização¿

O médico pediatra Fernando Marques Pereira atua como diretor da Maternidade Darcy Vargas (MDV) desde abril de 2011. Natural de Joaçaba, no Meio-oeste de SC, formou-se em medicina pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 1984. Fez residência médica infantil no Hospital Joana de Gusmão, em Florianópolis, e participou da diretoria da Sociedade Joinvilense de Medicina (SJM). Com especialização em auditoria e administração hospitalar, já foi diretor clínico do Hospital da Unimed em Joinville.

Desde que assumiu a administração da maternidade, que melhorias o senhor conseguiu implementar?

Fernando Marques Pereira – Eu entrei em abril de 2011. Enxergo as melhorias estruturais, como a reforma da calçada externa com a colocação do gradil dos muros; a pintura em toda a maternidade; o término da reforma do centro cirúrgico que estava parado havia um ano e meio; a nova subestação de energia com um grupo gerador novo e o uso do nobreak que permite mais estabilidade da rede; a reforma da UTI neonatal; e a ampliação da sala de recuperação pós-anestésica. Houve também a substituição de todo telhado da maternidade, obra que deve ficar pronta até a metade deste ano.

E na gestão, quais mudanças o senhor percebe?

Pereira – O foco da gestão sempre é a organização da assistência à mãe, ao bebê e à família por meio do aprimoramento constante de processos e da rotina médica. Conseguimos expandir as residências médicas aqui dentro. Este também é o terceiro ano da residência multiprofissional, que envolve enfermagem, psicologia e nutrição. Recebemos pessoas de várias partes do País aqui. Este tipo residência é a primeira em Santa Catarina. A instituição hoje é referência em banco de leite, no Projeto Método Canguru e em gestação de alto risco. Os municípios da região Nordeste de SC se consultam aqui. Este reconhecimento é reflexo da gestão. Inclusive, no ano passado, fui a Brasília receber o Prêmio Dr. PinottiHospital Amigo da Mulher, concedido pela Câmara de Deputados.

De que forma o senhor pretende dar continuidade a este trabalho reconhecido da maternidade?

Pereira – Com a busca incessante por melhorias no serviço de assistência. Mantendo o nosso foco em pesquisa junto à equipe de residência médica, valorizando os trabalhos científicos. E também, cada vez mais, trabalhando de maneira integrada com os hospitais de Joinville, como o Regional e o Infantil. Por meio desse trabalho em rede, a intenção é diminuir o custo e transformar vocações de excelência em casa dessas unidades. Acho que a Rede Cegonha, projeto do Ministério da Saúde implantado na MDV em 2013, é um projeto que procura assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção à gravidez humanizada. Este plano é o norte do nosso trabalho. Trabalhamos pensando em humanização. Fomos o primeiro hospital a admitir as doulas. Inclusive, fui à assembleia da Comissão de Saúde no ano passado defender a importância dessa participação para as mães. Criamos os critérios para que essas mulheres frequentassem a maternidade. Isso virou inspiração para uma lei estadual que permite doulas na hora do parto. Para continuidade do trabalho, a atenção sempre será voltada ao trinômio mãe, bebê e família.

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Algumas mulheres dizem que a indução ao parto normal às vezes é exagerada na maternidade e que por isso tiveram complicações e até perderam seus bebês. Como o senhor avalia essa situação?

Pereira – A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde preconizam que o índice de cesariana seja de, no máximo, 25%. Este índice em Santa Catarina é elevadíssimo. Na rede pública, é menor do que na privada, mas ainda assim é alto. E por que o parto normal é incentivado? Por que as complicações de uma cesariana, muitas vezes, são piores, já que colocam em risco a saúde da mãe. Quando se desencadeia o trabalho de parto, demonstra que o bebê está pronto para nascer. Não podemos fazer uma cesárea sem levar em conta o tempo da criança, porque ela, nascendo antes do tempo, pode gerar uma situação de insuficiência respiratória, por exemplo. A Darcy Vargas segue todos os protocolos e regras do Ministério da Saúde e da Rede Cegonha, que é a humanização destes nascimentos. O parto é induzido se a mãe chegar à 40ª semana e não entrar em trabalho de parto. Então, ela é internada para induzir o parto normal, que é a forma fisiológica de o bebê nascer. Mas essa indução é assistida, existe um acompanhamento para isso. Por exemplo, ver se há dilatação na mulher e como o bebê está reagindo à medicação. Às vezes, em casos isolados, acontecem fatalidades – que consideramos uma tragédia. Pode acontecer um descolamento de placenta que não foi identificado imediatamente, por exemplo, que resulta em uma fatalidade. Trabalhamos exaustivamente para que isso não aconteça. Mas dizer que forçamos o parto normal, isso é uma inverdade, até porque a maternidade tem 32% de índice de cesáreas, acima do que pede o Ministério da Saúde. Entretanto, na hora do parto, existem protocolos de observação da evolução da paciente. O médico plantonista acompanha a grávida e é ele quem define, de acordo com o caso, se é necessária a cesariana ou não. O nosso índice de mortalidade neonatal é de um a cada 5,5 mil nascidos, até um ano de idade. Isso é baixíssimo se comparado a outros lugares do País. Temos dentro da Darcy Vargas a comissão de ética médica e de enfermagem, temos ouvidoria. Tudo isso para contribuir para que os trâmites e rotinas sejam serviços de excelência.