Dias antes de Barack Obama subir ao púlpito da National Defense University, em Washington, para falar a uma plateia de convidados, a imprensa americana badalava que aquele seria um marco na política de defesa. A perspectiva entusiasmou a ativista veterana Susan Benjamin – que, desde os 18 anos, usa Medea como codinome. Com chamadas no Facebook, ela e seu grupo, o Code Pink, postaram-se em frente ao local com cartazes contra o uso de aviões não tripulados, os drones, em ataques contra terroristas, e pedindo que Obama cumpra a promessa de fechar a prisão de Guantánamo, em Cuba. Nada fora da rotina das ativistas manjadas em eventos políticos e assíduas dos arredores da Avenida Pennsylvania 1.600.
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Galeria de Fotos: A Code Pink, organização de Medea Benjamin
Há 30 dias, sempre no início da tarde, elas fazem uma performance em frente à Casa Branca com macacões cor de laranja. Na quinta-feira, dia da conferência, Medea acomodou-se nas últimas fileiras do auditório e interrompeu o presidente repetidas vezes, pedindo o fim de Guantánamo.
– Sim, senhora. Sim, senhora – disse Obama, desistindo de falar mais alto que a mulher.
Foi a segunda vez que Medea dirigiu a palavra ao presidente. Em 2008, diz ela, interceptou o político recém-eleito em um evento e pediu que acabasse com a guerra no Afeganistão.
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– É o que farei – prometeu.
O Code Pink (Código Rosa) foi criado pela ativista em 2002, para protestar contra a invasão ao Iraque. O nome é uma paródia dos níveis de alerta de ameaça terrorista, que obedecem a uma gradação de cores. Desde então, reuniu uma rede de 135 mil apoiadores e recebeu prêmios pelo trabalho pela paz. Medea também já concorreu ao Senado em 2000 pelo Partido Verde, mas hoje diz ser independente.
Por telefone a ZH, Medea explicou por que deixou de votar em Obama.
Zero Hora – Como a senhora entrou na sala da conferência?
Medea Benjamin – A cerimônia era reservada, e eu tinha um convite que alguém me deu, mas não posso dizer quem foi. Sou bem conhecida no meio político e estava esperando que me descobrissem lá, mas não. Fiquei sentada por duas horas e meia, e ninguém me abordou.
ZH – Como a segurança de Obama, sempre minuciosa em eventos, não a reconheceu?
Medea – Não sei. Nos últimos 30 dias, estive todos os dias em frente à Casa Branca protestando! Minha organização é famosa por entrar em eventos de alto nível. Há uma década, costumamos entrar em todas as convenções presidenciais, tanto dos republicanos quanto dos democratas. E protestamos em todas elas. Vamos a arrecadação de fundos, a discursos de autoridades. Ainda não tínhamos feito isso em um discurso de Obama.
ZH – Como se sente por ter sido ouvida pelo presidente?
Medea – Na primeira vez que levantei e falei, o pessoal da segurança me disse que eu seria presa se continuasse. Ignorei. Depois, eles disseram para eu sair, mas nem o presidente disse para eu ser removida. Durante toda a conversa, eu estava rodeada por pessoas do FBI e funcionários que tentavam me tirar dali. E, enquanto falava com o presidente, ameaçava os seguranças de fazer escândalo (risos).
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ZH – A senhora votou em Obama para presidente?
Medea – Na primeira eleição, sim, mas me desapontei e não votei nele no ano passado. Votei na candidata do Partido Verde (Jill Stein).
ZH – O que a senhora esperava ouvir do presidente?
Medea – Esperava que fosse algo muito significativo, que ele anunciaria uma mudança significativa no uso de drones, que passaríamos a focar em diplomacia e reconciliação, mas o que ouvi foram justificativas para o ataque com drones. E as medidas que ele anunciou para Guantánamo não são suficientes. Ele não tem autoridade moral entre os políticos para fazer isso (fechar a prisão). Ele já poderia tê-la fechado. Poderia fechá-la hoje se quisesse. Há 86 prisioneiros prontos para ser soltos. Pela legislação, Obama poderia evocar o poder de dizer que eles não representam uma ameaça e soltá-los.
ZH – Há algum avanço?
Medea – É o começo, mas acho que nada significativo irá acontecer se não aumentarmos a pressão. Precisamos de mais ativismo nos EUA e de mais pressão internacional. Obama deixa os membros conservadores do seu partido dominar a política externa e tem medo dos republicanos.
ZH – Por que o Code Pink se opõe aos drones?
Medea – Muitos inocentes foram mortos. Estive muitas vezes no Oriente Médio e encontrei muitas famílias de vítimas inocentes. Há áreas nas quais a população vive aterrorizada pela constante presença de drones. Quando o governo não coloca seus soldados em campo e mata no conforto do ar-condicionado, só apertando um botão a milhares de quilômetros de distância, há algo errado. Matar ficou muito fácil. Não sabemos ao certo quantas pessoas foram mortas pelos drones nem temos prova de quantos eram combatentes. Cometemos muitos erros. Eu conversei com 50 famílias de paquistaneses atingidos por drones e vejo que os EUA não valorizam as vidas dos muçulmanos.
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ZH – O que move a senhora?
Medea – Obama me chamou de jovenzinha, mas não sou. Tenho 60 anos e vi meu país mandando irmãos e namorados ao Vietnã. Agora, lamento muito tudo aquilo. Minha origem religiosa é o judaísmo, e acho que é parte de todas as religiões valorizar todas as vidas. Sinto responsabilidade como americana e como judia de falar isso ao mundo. Os EUA cuidam de seus cidadãos, mas tratam as vidas dos muçulmanos como algo de menor valor.
ZH – Qual deveria ser a estratégia americana contra o terrorismo?
Medea – Deveria ser falar com os anciãos nas tribos e nas comunidades, focar na reconciliação e em conversas de paz. Podemos capturar os indivíduos que representam ameaças, mas devemos ir atrás deles com nossos soldados. Não podemos fazer do mundo um grande campo de batalha. Seria bom para o povo e o governo brasileiro questionar os EUA e demandar uma regulação internacional para o uso dos drones, para os países não violem a soberania dos outros. O Brasil pode ser um modelo de democracia.
ZH – A senhora vai tentar novamente ser ouvida pelo presidente?
Medea – Claro, vou tentar de novo.
ZH – Em que Obama se diferencia de Bush?
Medea – Em questões como direitos de gays e imigração. Mas não se diferencia em política exterior nem na resposta à destruição ambiental.
ZH – Em que Obama se diferencia do governo Bush?
Medea – Obama se diferencia de forma mais importante em questões sociais, como direitos de gays e lésbicas e imigração, mas em outros, como a política exterior e responder de forma séria à destruição ambiental, não se diferencia.
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