A decisão de Angelina Jolie de retirar as duas mamas pelas altas chances de desenvolver um câncer traz uma série de dúvidas sobre os exames feitos pela atriz e sobre como é o procedimento cirúrgico para a redução de riscos da doença.
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Em carta publicada no jornal The New York Times nesta terça-feira, a vencedora do Oscar explicou que sua decisão foi tomada após a descoberta de um gene defeituoso que aumenta drasticamente suas chances de desenvolver câncer de mama e de ovário.
O médico mastologista e vice-presidente da Sociedade Catarinense de Mastologia, Bráulio Leal Fernandes, esclarece diversas questões sobre o assunto.
Diário Catarinense – Por que Angelina Jolie optou por retirar as mamas?
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Bráulio Fernandes – A mãe de Jolie morreu de câncer aos 56 anos, o que a coloca em um grupo com mais risco de desenvolver câncer. Por já ter essa preocupação, a atriz realizou um exame específico e detectou que tinha até 87% de chances ter câncer de mamas e 50% de ter câncer de ovários, por ser portadora do gene BRCA1, relacionado a esses tipos de doença. A atriz decidiu, então, passar pelo procedimento de retirada das duas mamas. Com isso, as chances de ela adquirir câncer de mama caíram para 5%, segundo os médicos.
DC – A cirurgia é frequente?
Fernandes – A cirurgia de retirada para redução de riscos é pouco frequente. Entre todos os casos de câncer de mama, apenas de 5 a 10% ocorrem por herança genética, o restante é por causas esporádicas. Os que tiverem a herança, portando os genes BRCA1 ou 2 (a sigla vem da abreviação das palavras câncer de mama em inglês), têm entre 60 e 80% de chances de desenvolver câncer de mamas e cerca de 50% de ter a doença no ovário. Nesses casos, não há medicação comprovada que reduza os riscos. Caso se decida fazer alguma coisa, a única opção é a cirurgia.
DC – Como é o procedimento?
Fernandes – A cirurgia é basicamente a retirada do tecido mamário. Não é um processo simples e há chances de complicação. Os riscos de infecção, por exemplo, são até 10 vezes maiores do que em uma cirurgia estética no seio. Depois da retirada do tecido, é colocada a prótese mamária, o que também traz o risco de rejeição.
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DC – A atriz ainda tem chance de ter câncer de mama?
Fernandes – Sim. As cirurgias reduzem os riscos em até 94%. As chances não são eliminadas por completo porque não existe um limite anatômico entre a pele da mama e o tecido mamário. Sempre podem ficar resíduos do tecido mamário, o que mantém a chance de desenvolver câncer.
DC – O seio fica igual após a reconstrução?
Fernandes – O resultado da colocação de prótese em uma cirurgia estética é muito melhor do que quando se coloca a prótese após a retirada dos seios. Nessa cirurgia de reconstrução, a prótese fica mais aparente, porque ela não se acomoda atrás do tecido mamário. Pode acontecer de o seio ficar com o contorno da prótese. É uma cirurgia que pode ser de grande ajuda para alguns casos de quem têm herança genética, mas não é indicada para todo mundo. Há efeitos cirúrgicos e consequências psicológicas. Há casos, inclusive, em que se coloca um enxerto de gordura de outra parte do corpo para dar um perfil mais natural.
DC – Quando a cirurgia de redutora de risco é indicada?
Fernandes – É indicada quando há alto risco de desenvolvimento da doença, por herança genética comprovada, como pacientes que têm vários casos de câncer de mama e câncer de ovário na família. Mesmo assim, na consulta, se faz todo um trabalho de esclarecimento para saber como é o procedimento.
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DC – Qual exame detecta o gene que indica chances de ter o câncer?
Fernandes – O exame de sequenciamento genético dos genes BRCA1 ou BRCA2 custa a partir de R$ 5 mil, pelo menos. É retirado sangue de um familiar que teve câncer para comparar com o sangue retirado do paciente. É analisado se existe mutação de um dos genes.
DC – O exame é feito no Brasil?
Fernandes – O exame é coletado no Brasil, mas o laboratório é norte-americano. De um modo geral, os exames feitos em Santa Catarina são enviados para São Paulo ou Rio de Janeiro e de lá são mandados para os Estados Unidos.
DC – Em que casos o exame é indicado?
Fernandes – Quando o paciente tem parentes diretos que desenvolveram câncer de mama ou ovário. É considerado também se o paciente está preparado para o resultado e quer fazer alguma coisa a partir dele. Não adianta fazer o exame para só ficar preocupado com uma doença que pode nem se desenvolver futuramente.
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DC – Que médico devo procurar para saber se tenho que fazer o exame?
Fernandes – A especialidade indicada é a mastologia. É o médico que vai avaliar o teste mais indicado.
DC – O exame pode ser feito por mulheres de todas as idades?
Fernandes – Poderia ser feito por todas. Habitualmente, as pessoas que desenvolvem câncer e têm essa questão da herança começam a ter mais risco de ter a doença cerca de 15 anos antes do familiar que foi atingido mais jovem. Por exemplo, se tem um parente doente com 40 anos, o risco de o paciente ter câncer é a partir dos 25. Mas as indicações para o exame são poucas e com muito cuidado, porque não se pode fazer o teste de forma irresponsável. Tem de ter alguém da área genética, um psicólogo para ajudar a trabalhar o resultado e em uma tomada de decisões.
DC – O exame é subsidiado pelo SUS ou por algum plano de saúde no Brasil?
Fernandes – Não. Só é feito de forma particular.
DC – Quanto custa nos Estados Unidos e no Brasil?
Fernandes – Nos Estados Unidos, o exame custa mais de US$ 3 mil e, no Brasil, não sai por menos de R$ 5 mil.
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DC – O exame aponta exatamente quem pode ter câncer de mama?
Fernandes – O exame pode apontar se a pessoa é portadora do gene BRCA1 ou BRCA2. Esses genes podem indicar uma probabilidade bem maior de se desenvolver câncer de mama e de ovários. Mas não significa que quem tem esses genes necessariamente vai ter a doença.
DC – Esse exame pode detectar outros tipos de câncer?
Fernandes – Não. O exame constata a presença ou não de genes específicos relacionados ao câncer de mama e de ovários.
DC – A cirurgia redutora de riscos elimina as chances de desenvolver câncer em outra parte do corpo?
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Fernandes – Não. A cirurgia não elimina totalmente as chances de se desenvolver o câncer de mama e também não impede que se desenvolvam outros tipos de câncer.
DC – É possível fazer reconstrução da mama após a mastectomia?
Fernandes – Normalmente, a colocação da prótese é feita no mesmo procedimento de retirada das mamas.
DC – Como é a recuperação após a cirurgia?
Fernandes – No começo, principalmente quando se retiram as duas mamas, há uma limitação de movimentação nas primeiras semanas. A partir de 20 dias, os pacientes têm mais liberdade de movimento e, com 60 dias, a paciente está apta a fazer praticamente tudo.
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DC – A mulher volta a ter uma vida normal após a retirada da mama?
Fernandes – Como a cirurgia é embaixo da musculatura, a paciente não poderá fazer algumas atividades. A pessoa que é um atleta de alto rendimento pode ter algumas limitações para movimentos nos membros inferiores, vai causar um desconforto. Habitualmente, a pessoa pode realizar normalmente as atividades diárias ou um esporte mais leve.
DC – Quem tem prótese de silicone pode fazer a cirurgia?
Fernandes – Sim. A prótese é colocada por trás do tecido que é retirado. Normalmente, a prótese precisa ser trocada e precisa se colocar uma maior para compensar a retirada do tecido.
DC – A mulher perde a sensibilidade na região dos seios com a retirada das mamas?
Fernandes – Na maioria dos casos, há a perda de sensibilidade do bico do seio e do mamilo. Os nervos atravessam o tecido mamário, por isso, há essa perda de sensibilidade. Em algumas mulheres, isso não é tão acentuado. Mas é muito difícil ficar igual, mesmo para quem tem prótese estética.
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DC – É possível fazer a retirada de mama redutora de risco e a reconstrução de seio pelo Sistema Único de Saúde?
Fernandes – Quando tem indicação de que se tem altíssimo risco de se desenvolver câncer de mama, é possível. Mas é mais difícil porque o SUS não arca com o exame de sequenciamento genético e é o teste que é classicamente a maior indicação para cirurgia. Sem o teste, não é impossível ter a indicação, mas é mais difícil.
DC – Quando é indicada a cirurgia de retirada das mamas sem a realização do teste?
Fernandes – Uma paciente que tem sete irmãs e seis têm câncer de mama, por exemplo. Nesses casos, fica evidente que o risco é altíssimo. Mas, normalmente, é o teste que vai indicar esse risco.
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DC – Mulheres que amamentam os filhos têm menos chances de ter câncer de mama?
Fernandes – Esse é um dos fatores para se reduzir os riscos de doença. A amamentação ajuda, mas não é tanto. Se estima que ocorra uma redução de 4% para cada ano de amamentação. Como cada mulher tem cerca de 3% de risco de desenvolver a doença, aquelas que amamentarem um ano terão 0,12% de risco.