Faça uma experiência: da próxima vez em que conversar com um amigo pelo telefone – ou enviar um áudio no WhatsApp, recurso bem mais popular hoje em dia – tente se observar. Você provavelmente vai sorrir ao falar sobre uma coisa boa. Vai revirar os olhos ao contar sobre algo que tirou sua paciência; vai dar de ombros quando estiver comentando que não se importa mais com alguma coisa; vai franzir a testa ao dizer que algo o deixou confuso. Talvez até gesticule com os braços, com as mãos: se estiver explicando como seu amigo deve fazer para chegar até determinado lugar, vai apontar e “desenhar” o caminho no ar, como se a conversa estivesse acontecendo cara a cara.

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– Isso é automático: faz parte da nossa espécie – explica o psicólogo Eduardo José Legal, professor do curso de psicologia da UNIVALI, em Itajaí (SC), ao comentar por que continuamos gesticulando e fazendo expressões faciais mesmo em momentos em que nada disso parece ter serventia. – Bebês com vinte e quatro horas de vida já são capazes de demonstrar uma série de expressões faciais; e reconhecem bem algumas delas, como o sorriso ou a falta dele. Se você ficar muito sério encarando um bebê, ele facilmente começa a chorar. Ou seja, ele já responde expressões faciais de forma socialmente adequada.

Segundo o especialista, as expressões faciais fazem parte de um “sistema geral de comunicação” inerente aos seres humanos. 

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– Elas têm como principal finalidade a demonstração de afetos e do estado motivacional do sujeito para o mundo – afirma o professor. – Acredita-se que, antes do surgimento da comunicação verbal, já havia comunicação não-verbal; especialmente comunicação facial. Nosso rosto é todo preparado para isso: ele tem uma série de adaptações que outros animais não apresentam, pelo menos não na mesma extensão. Nossa diversidade de movimentos faciais é muito maior mesmo do que a de outros animais próximos, como chimpanzés e gorilas. Isso evidencia que, ao longo do processo de evolução, essas características se mostraram fundamentais.

Hoje, com a pandemia de coronavírus, boa parte desse refinado aparato de comunicação está oculta pelas máscaras – que protegem quem usa e quem está por perto de contaminações, e por isso, é claro, são bem-vindas e necessárias. Mas interferem de fato na interação; mesmo que os seres humanos tenham outros recursos para demonstrar sentimentos e intenções. 

– Nós também comunicamos com outras partes do corpo, por meio de gestos ou posturas; mas esse tipo de comunicação é menos universal. Varia de acordo com a cultura, por exemplo, com o que é aprendido socialmente. A expressão facial, não: já é um programa que vem pré-instalado na gente, uma ferramenta que nos permite decodificar emoções – diz.

A interação com o rosto parcialmente coberto pelas máscaras encontra certa semelhança com aquela feita online por meio de textos – não à toa, os emoticons (os pictogramas criados por meio dos sinais de pontuação) e emojis (os ícones ilustrados já embutidos nos aplicativos e redes sociais) nos acompanham desde o surgimento dos primeiros “bate-papos pela internet”. 

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– O emoji indica qual expressão facial acompanha uma frase que foi dita. Com isso fica mais fácil saber em que tom a outra pessoa está falando, ou qual a exata intenção dela ao dizer alguma coisa – frisa.

Na falta de sorrisos (e de emojis), os seres humanos andam recorrendo muito mais a uma parte do rosto que às vezes é considerada, por assim dizer, íntima demais: os olhos. Quem não conhece uma pessoa tímida que normalmente evita encarar os outros diretamente nos olhos? Com as máscaras, os olhos passam a ser a única parte expressiva do rosto que permanece à mostra; e são mais buscados por outros olhos em busca de informações e significados – mesmo que sejam, por assim dizer, bem mais sutis que o nariz e a boca.

– Existem experimentos que mostram que, se você cobrir só a metade inferior do rosto de uma pessoa, um observador tem muito mais dificuldade de entender qual emoção aquela pessoa está expressando do que se você cobrir só a metade superior do rosto – afirma o professor Eduardo. – A boca e o nariz produzem expressões mais explícitas, por assim dizer; além de microexpressões, que muitas vezes nem são percebidas conscientemente, mas influenciam a interação. Crianças, especialmente, fazem a decodificação de emoções usando a metade inferior do rosto; adultos, dependendo do caso, passam a recorrer também aos olhos.

Mesmo mais enigmáticos, os olhos são as famosas “janelas para a alma” a que precisamos recorrer enquanto o resto do rosto permanece oculto e protegido. Nos comunicamos por eles, e, é claro, também por meio de gestos, palavras ou sinais. Mas as palavras e sinais, tirando raras exceções, são calculados; bem diferente do que acontece com nossos olhares e expressões faciais. O psicólogo Eduardo José Legal resume: 

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– É muito mais fácil mentir com palavras.