No comecinho deste inverno que se aproxima, os recados no Facebook são insistentes, ilustrados com fotografias, algumas de muito mau gosto, sobre os cuidados que se deve ter com os cachorros perdidos nas ruas. Comovente e aceitável, uma vez que neste mundo poucos se preocupam com os outros.

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Então me lembrei de uns versos, que declamei quando adolescente e pão de ló de festas de colégio, escritos por um poeta português do século passado. Falo de Augusto Gil, que entre tantas coisas preciosas escreveu “Balada de Neve”.

“Batem leve, levemente, como quem chama por mim/será chuva? Será gente?/Gente não é certamente/e a chuva não bate assim.”

E ele continua falando da ventania, das batidas leves lá fora, até que resolve contar o que viu.

“Fui ver. A neve caía do azul cinzento do céu/branca e leve, branca e fria…” E o poeta conta dos seus sentimentos com relação à neve, o que ela faz de lindo na paisagem e se dedica, através da janela, a ver as gentes que passam, sulcando aquele novo tapete. Mas o que me marcou seriamente na época foi a atenção que ele deu “aos sinais da pobre gente que avança/e noto, por entre os mais/os traços miniaturais de uns pezitos de criança”.

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Pensei, então: será que as pessoas que tanto falam dos animais também enxergam os traços infantis “descalcitos, doridos/primeiro bem definidos/depois em sucos compridos/porque já não podia erguê-los”?

Será que nossos amigos do Facebook têm esta sensibilidade ao ver uma criança na rua, num dia de chuva, sem nenhum agasalho, pedindo solidariedade? Será que alguém, como minha vizinha, dona Norma, já com uma certa idade, que os sem-noção chamam de melhor idade, faz de retalhos cobertas para crianças necessitadas e as entregam nas igrejas? Dar dinheiro não ajuda, todo mundo sabe disto, temos de dar é nosso tempo e habilidades.

Augusto Gil termina os versos dizendo: “E uma profunda tristeza/uma funda turbação/entra em mim/fica em mim presa/cai neve na natureza/e cai no meu coração.”