Aciranda de cifras que cerca a Operação Lava-Jato confunde brasileiros, habituados a contas de, no máximo, centenas de milhares de reais – preço de um apartamento de classe média. Para entender a montanha de dinheiro que circula na Petrobras e a tornou alvo de saques, é bom lembrar que o mais recente plano de negócios da estatal, com horizonte de cinco anos, previa investimentos de US$ 220 bilhões. Em valores de hoje, seriam R$ 608 bilhões – o suficiente para comprar um milhão de bons apartamentos.
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É por isso que um dia se sabe de um ex-diretor com quase US$ 50 milhões em contas na Suíça, outro de um ex-gerente devolvendo US$ 100 milhões, e depois que um dos acusados atribuiu a um partido embolsos de US$ 200 milhões. Esse universo em que milhões de dólares circulavam como troco corroeu reputações e a capacidade da maior estatal brasileira de vigiar seus corredores.
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Em estatais, como se sabe, até compra de canetas precisa seguir ritos e controles. É por isso que uma frase da agora ex-presidente da companhia Graça Foster arrepiou analistas habituados ao jogo pesado das corporações. “Concluímos ser impraticável a exata quantificação destes valores indevidamente reconhecidos”, disse Graça em 28 de janeiro, uma semana antes de deixar o cargo.
O gigantismo, a pressa e a falta de controle deixaram a Petrobras vulnerável. A responsabilidade é compartilhada entre executivos, partidos que usaram recursos indevidos, diversos níveis de administração e até empresas contratadas – e bem pagas – para aferir se os números correspondiam à realidade. Como deu tudo errado, havia enorme expectativa de mudança. Que não veio.
A Petrobras é uma grande companhia. Impressiona, por exemplo, ver do alto a base de operações da Bacia de Campos. Dezenas de plataformas ancoradas formam uma cidade em alto mar. Para chegar ao famoso óleo do pré-sal, é preciso perfurar até sete quilômetros de rochas submarinas.
Isso é resultado de anos de pesquisa e trabalho duro, alimentados pelo dinheiro dos contribuintes. A União é a maior acionista da Petrobras. Como em todas as empresas, o controlador decide os destinos. Mas tem de prestar contas a quem sustentou a parte boa – o avanço que permitiu ao Brasil se tornar referência em exploração de petróleo – e a ruim – quanto, afinal, foi roubado.
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Essa é a tarefa mais urgente da nova gestão, cercada de restrições de especialistas e do mercado financeiro. O novo presidente da estatal, Aldemir Bendine, é considerado um cumpridor disciplinado das orientações do governo. Nesse momento de desconfiança em relação à profundidade do envolvimento de cada nível de decisão, essa disciplina é um problema. Sob seu comando, o Banco do Brasil obteve resultados semelhantes aos de grandes bancos privados.
Se chegasse sob aprovação geral, o novo comandante poderia focar esforços no que interessa: pôr a limpo a real situação financeira da empresa. Mas vem precedido de investigações por suspeitas em concessão de empréstimos e operações em dinheiro vivo.
O presidente da Petrobras não tem de prestar contas apenas a sua chefe. Tem de dar explicações convincentes a contribuintes, acionistas e muitos credores. Só nos EUA, a Petrobras tem compromissos de US$ 55,4 bilhões. Caso em 30 dias não apresente números críveis de quanto ganhou e quanto perdeu, para que todos saibam qual o risco de investir na empresa, pode ter de quitar antes do prazo algumas operações. E se isso se confirmar, corre o sério risco de perder um bem precioso para companhias que dependem de investidores: o conceito de bom pagador. Uma empresa que tem esse selo, chamado grau de investimento, paga menos juros quando se endivida.
Se a Petrobras for obrigada a desembolsar mais dinheiro do que previa, a conta será de todos que pagam impostos à União. Se perde valor, perde a sociedade. E não adianta mudar pessoas se não houver uma radical revisão das práticas. A tarefa não é simples, e se tornou mais difícil porque não foi iniciada antes. Agora é correr contra o relógio. E, outra vez, contra as expectativas.
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Os desafios de Bendine
1 – Chegar a uma fórmula de cálculo e apresentar um valor crível das perdas provocadas pela corrupção, que seja aceito por agências de regulação no Brasil e nos Estados Unidos.
2 – Entregar o balanço do terceiro e do quarto trimestres de 2014 com parecer favorável dos auditores independentes (PricewaterhouseCoopers, PwC).
3 – Definir o volume de investimento para 2015, que tinha previsão de R$ 83,4 bilhões, mas seria reduzido para o “mínimo necessário”, conforme
a ex-presidente Graça Foster.
4 – Informar com transparência qual é a capacidade da empresa de ampliar a produção de petróleo, que vem aumentando em ritmo menor do que o projetado.
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5 – Confirmar a atual política de preços dos combustíveis, que não prevê redução do valor da gasolina nas refinarias em 2015 para compensar prejuízos acumulados ao longo do ano passado, quando a Petrobras cobrava no país valor bem inferior à referência internacional.