*Artigo por Mário Sant’Ana
Tipicamente, preferimos ver nosso time vencer em um jogo ruim a assisti-lo perder em uma partida de altíssimo nível. Gostamos mais do clube do coração do que do futebol em si. É muito mais fácil aceitar que uma pessoa mude de cônjuge, do que de torcida, a menos, claro, que venha para a nossa. Assim é o raciocínio moral da maioria. E é na maioria que a classe política está interessada.
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Somos tribais e homofílicos, ou seja, temos a tendência de nos associarmos com os que percebemos semelhantes a nós e de evitarmos os diferentes. É por isso que os movimentos identitários existem desde sempre.
Com diferentes intensidades, as dinâmicas das torcidas desportivas são as mesmas que regem os grupos que se armam sob uma bandeira para destruir indivíduos que sequer conhecem, por vê-los em outra categoria, sob outra bandeira, por causa de suas crenças, aparências, práticas, interesses, ancestralidade ou localização geográfica. Isso explica por que torcidas rivais volta e meia se enfrentam em verdadeiras batalhas campais. Como escreveu Friedrich Nietzsche, “A loucura é uma exceção nos indivíduos, mas a regra nos grupos”.
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O controle do manicômio político brasileiro é atualmente disputado pelos internos de duas alas. Ambas se autodenominam “NÓS” e, com desdém, chamam a outra de “ELES”. “Isso é horrível e a culpa é deles!” — foi a emblemática síntese que ouvi sobre essa situação. O mais alarmante nesta era é que esse comportamento irracional está dividindo famílias, pondo fim a amizades de muitos anos e produzindo redes com vínculos fracos.
Teófilo Braga, presidente do governo provisório criado na implantação da República Portuguesa, entendia que cabia à política a “coordenação de forças sociais para a conformação dos atos com os princípios”. No Brasil de hoje, os princípios se reduzem a rótulos identitários, com os quais os agentes políticos buscam conformar as forças sociais. Usam táticas sectaristas para a politização e mobilização dos sentimentos populares em torno de identidades como gênero, religião, raça e status socioeconômico.
Ao substituírem o debate de ideias por um concurso de memes, afastam o que seria fatal para a maioria das candidaturas: a exigência de expor em detalhes um plano exequível para a sociedade chegar a uma condição melhor. Por isso, os crônicos problemas estruturais não são enfrentados e as questões importantes das minorias (que, se unidas, formariam a maioria esmagadora) não são tratadas com o respeito e a qualidade que merecem.
Dessa forma, o ano que vem promete não ser o palco de um rito democrático para o exercício livre e igual da autodeterminação política, mas uma disputa pelo acionamento dos gatilhos emocionais capazes de produzir comportamentos de manada.
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Em Santa Catarina, por exemplo, temo que as campanhas eleitorais não revelarão propostas para aproximar os catarinenses do excelente futuro que podem ter, mas refletirão o alinhamento dos candidatos com as ideologias e os valores morais defendidos pelos principais postulantes à Presidência da República.
“Colocar gente boa lá” é melhor do que “colocar gente ruim”, especialmente no nível municipal, onde a influência da sociedade local é maior, mas os efeitos são limitados. Nos andares de cima, especialmente, é como jogar um balde de água fervente em um lago congelado na Antártica. Assim como a temperatura e a pressão determinam como as moléculas de água se comportam, o modelo que orienta o funcionamento do sistema político se impõe e neutraliza a maior parte dos esforços pelas boas mudanças.
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A menos que voltemos a viver em tribos, precisamos construir alternativas ao tribalismo resultante da deterioração da democracia representativa, lembrando a que ditadura e a aristocracia não podem ser consideradas opções. Precisamos conversar sobre isso, pelo bem da sociedade, das nossas amizades, das nossas famílias, da nossa sanidade mental e das próximas gerações.

*Mário Sant’Ana é tradudor e intérprete, cofundador do Projeto Resgate, organização com ações para reduzir contrastes sociais, e co-idealizador do programa Think Tanks Projeto Resgate, para o desenvolvimento de habilidades de inovação intersetorial, soft skills e liderança não hierárquica. Escreve artigos para o A Notícia às terças-feiras. Contato: mario@projetoresgate.org.br
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