*Artigo por Mário Sant’Ana
“Precisamos implantar o matriarcado no Brasil!”
A frase e o tom com que fora dita me sobressaltaram como o som de um despertador antigo às 4 da manhã. Quando virei para descobrir de onde vinha a convocação, vi três mulheres adolescentes atentas ao que a quarta falava com ares de autoridade no assunto.
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Aproximei-me do grupo:
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— Por que precisamos fazer isso? —perguntei.
— Porque o Brasil é muito machista! — disse a jovem oradora.
— Por que diz isso?
— É claro que o Brasil é machista! Você não acha? — questionou-me.
— Você não me respondeu. Por que diz que “o Brasil é muito machista”?
— É a minha opinião — retrucou como se tentasse se vacinar contra contestações.
— E por que acha que o matriarcado seria melhor? — tentei uma variante.
A segunda dose veio com um reforço de um tom desafiador.
— É a minha opinião. Não posso ter uma?
— Claro que sim. O meu interesse aqui não é sua opinião ou o seu direito a ela, mas como você a forma. Isso tem a ver com a sua educação; e sua educação, sim, é de meu interesse.
A jovem de 15 anos ficou me olhando calada. Continuei.
— Se você tivesse dito que o Brasil é o país mais feminista do mundo, eu a teria questionado da mesma forma. É importante que você fundamente adequadamente o que diz. Falar o que ouve não é uma boa prática e temo que seja isso que você esteja fazendo.
É natural que, na adolescência, a pessoa manifeste opiniões movida pela paixão e sem a devida fundamentação. Contudo, natural não é sinônimo de certo, ou plenamente desenvolvido. Os educadores devem trabalhar com os educandos para que estes aprendam a pensar, não lhes dizer o que pensar.
É ruim quando questões importantes são tratadas, especialmente por adultos, sem que se apresentem (nem se peçam) evidências que substanciem os argumentos e as decisões. As paixões se inflamam, as narrativas se constroem e percepções são repetidas tantas vezes por tanta gente, que ganham indevidamente status de verdade incontestável e completa.
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A obsessão com que muitos defendem ideologias em detrimento dos fatos reduz as chances de questões importantes serem tratadas com seriedade e respeito. Cada vez mais, a expressão “a ciência prova” é usada como prefixo de afirmações conflitantes entre si e não raramente desacompanhadas de uma leitura criteriosa de dados.
O invidíduo que se identificar com uma ideia deve harmonizá-la com suas experiências e conhecimentos anteriores, para assim se apropriar dela legitimamente. Ser possuidor de uma ideia é diferente de ser possuído ou possesso por ela, como parece ser o caso de muitos no espectro político.
Penso que cabe aplicar às ideias, aos princípios e às crenças o ensinamento atribuído a Victor Hugo sobre o dinheiro:
De tempo em tempo, tome um pouco do seu dinheiro na mão, aperte-o bem e lhe diga: “Você é meu! Você é meu! Você é meu!” — só para lembrar quem é dono de quem.
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*Mário Sant’Ana é tradudor e intérprete, cofundador do Projeto Resgate, organização com ações para reduzir contrastes sociais, e co-idealizador do programa Think Tanks Projeto Resgate, para o desenvolvimento de habilidades de inovação intersetorial, soft skills e liderança não hierárquica. Escreve artigos para o A Notícia às terças-feiras. Contato: mario@projetoresgate.org.br