*Artigo por Mário Sant’Ana
Quarto texto da série “A evolução da democracia”. Leia aqui o primeiro artigo, aqui o segundo e aqui o terceiro.
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Mais que uma forma de governo, a democracia é uma maneira de compartilhar a vida em sociedade e, no processo, nos tornarmos indivíduos melhores. Nesta série, discutimos de forma resumida os principais avanços da humanidade na jornada democrática e como podemos torná-la melhor.
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A Internet tem conectado indivíduos com desejos, interesses, dores e ideologias afins, popularizado o debate político, disseminado informações em volumes sem precedentes, deixado governantes e legisladores ao alcance dos cidadãos comuns e vice-versa.
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A ideia é boa… até certo ponto.
E o ponto é quando, paradoxalmente, sob a capa da democracia, a liberdade diminui. Ao longo desta série, temos visto que o controle deixou de ser muito grande sobre poucos (como no despotismo) para ser aplicado com intensidade progressivamente menor sobre parcelas cada vez maiores da população.
Um exemplo disso é a forma como indivíduos, organizações e até políticos têm suas ações normatizadas, fiscalizadas e dificultadas por burocratas estatais, paraestatais e de entidades privadas. A pretexto de zelo pela legalidade, equidade e imparcialidade, impõem regras brandas sobre todos, sem que para isso tenham recebido um único voto em sufrágio algum, driblando os princípios da democracia.
Constituem-se um estado profundo que, impassivelmente, exige rosários de comprovantes, declarações, autorizações, fotocópias, carimbos, certidões negativas, alvarás, pareceres e testemunhas capazes de privar o pensionista de seu pão, mas não de impedir rapinas bilionárias, como as que espoliaram a Petrobras e os Correios, ou condutas criminosas como as causadoras dos rompimentos de barragens em Minas Gerais.
Governos e legislaturas passam; burocracias permanecem, engordam, multiplicam-se e, protegidas pela lei, raramente são contrariadas. Para não correr o risco de ter seu processo esquecido no fim da pilha ou por entender que de nada vale desafiar o status quo, o cidadão se curva diante da pessoa que faz do carimbo uma versão soft do cetro de um déspota.
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A maioria opta pelo silêncio, como se fazia no despotismo.
Enquanto isso, em ambientes virtuais, as opiniões devem convergir para a corrente dominante definida pela maior parte da minoria audível.
“Celebridades” e “influenciadores” arvoram-se porta-vozes de inteiras parcelas da sociedade. A pretexto de compaixão, de equidade, de diversidade e de justiça social, impõem regras brandas sobre todos, sem que para isso tenham recebido um único voto em sufrágio algum, driblando os princípios da democracia.
Em muitos casos, unem-se aos políticos para transformar suas bandeiras em leis que a todos serão impostas pelos burocratas.
Dessa forma, a solidariedade e a legislação deixam de derivar dos “hábitos do coração” —expressão cunhada por Alexis de Tocqueville—, ou da “consciência coletiva”, como denominou Émile Durkheim “o conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade”. Impor ethos pela lei, além de não funcionar, é tirânico.
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Para não serem “cancelados”, não terem suas reputações destruídas, não serem bloqueados pelos burocratas das redes sociais, ou por não viverem da polêmica (como fazem tantos políticos e influenciadores), muitos dos que discordam de certas bandeiras ou não subscrevem plenamente à maneira como elas são defendidas preferem não se manifestar.
A maioria opta pelo silêncio, como se fazia no despotismo.
E, Paul Simon adverte: “o silêncio cresce como um câncer” e as palavras dos que ousam divergir caem e ecoam “como gotas de chuva nos poços do silêncio” — assim falava a canção que na América ouvi.
No próximo artigo desta série, discutiremos caminhos para revigorar a democracia.
(Continua)

*Mário Sant’Ana é tradudor e intérprete, cofundador do Projeto Resgate, organização com ações para reduzir contrastes sociais, e co-idealizador do programa Think Tank Projeto Resgate, para o desenvolvimento de habilidades de inovação intersetorial, soft skills e liderança não hierárquica. Escreve artigos para o A Notícia às terças-feiras. Contato: mario@projetoresgate.org.br
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