*Artigo por Mário Sant’Ana
No poema “Se”, Rudyard Kipling relaciona para o filho várias condições para ele se tornar um homem.
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Na segunda estrofe, lemos:
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo,
tratar da mesma forma a esses dois impostores;
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[…]
Será um homem, meu filho.
Ao chamar Desgraça e Triunfo de impostores, Kipling não sugere que calamidades e conquistas sejam ilusões, mas que não definem um homem.
Para começar, perdas e ganhos nem sempre refletem o valor moral ou mesmo a competência de perdedores e ganhadores.
A penicilina, o plástico, o forno de micro-ondas e a anestesia são algumas de muitas descobertas que resultaram, em grande medida, do que comumente chamamos de sorte.
Houve uma combinação não intencional de fatores e os descobridores estavam no lugar certo e na hora certa.
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A queda de um raio, um terremoto ou uma doença é capaz de devastar indivíduos, famílias e nações.
Mesmo quando há intencionalidade, tragédias e conquistas costumam resultar das decisões, ações e omissões de várias pessoas, não apenas daqueles que se destacam como heróis e vilões nos livros de História. Isso tem de estar bem claro para quem deseja ser um bom homem, pois deve dimensionar corretamente sua participação nos acontecimentos, especialmente nas vitórias.
Ao pisar na Lua pela primeira vez, o astronauta Neil Armstrong personificou o esforço de milhares de pessoas que trabalharam na missão Apollo 11. Some-se a elas os esforços e sonhos de um sem números de pesquisadores, cientistas, políticos, empreendedores e pagadores de impostos que, ao longo das eras, contribuíram para o programa espacial.
Tiranos como Adolf Hitler e Josef Stalin merecem a reputação que têm, mas não agiram sozinhos. Tiveram o apoio, o incentivo, a cumplicidade, a conveniência e a tolerância de muitos. Por compartilharem do mesmo ideário, por conveniência ou por covardia contribuíram para as atrocidades perpetradas.
Ao grafar Desgraça e Triunfo com iniciais maiúsculas, o poeta lhes dá status de substantivos próprios, como se designassem entidades inimigas do bom caráter. São como sereias que enfeitiçam os homens com seus cantos de condenação ou bajulação, para afogá-los nas águas do remorso paralisante ou da vaidade entorpecedora.
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O bom homem reconhece erros e acertos, mas, principalmente, sabe traduzi-los em ações para o bem. Quando erra, assume a responsabilidade, busca fazer as reparações cabíveis e segue viagem. Quando acerta, comemora a conquista, aceita os parabéns oferecidos com sinceridade, manifesta gratidão pelos que contribuíram para a vitória (inclusive os fatores alheios à sua vontade) e segue viagem.
Em termos contemporâneos, a mensagem de Kipling pode ser entendida da seguinte maneira: “A ‘cultura do cancelamento’ ou o ‘culto às celebridades’ são invencionices e embustes. Afaste-se dessas coisas, meu filho, e seja um homem.”
Confira a íntegra do poema.

*Mário Sant’Ana é tradudor e intérprete, cofundador do Projeto Resgate, organização com ações para reduzir contrastes sociais, e co-idealizador do programa Think Tank Projeto Resgate, para o desenvolvimento de habilidades de inovação intersetorial, soft skills e liderança não hierárquica. Escreve artigos para o A Notícia às terças-feiras. Contato: mario@projetoresgate.org.br