*Artigo por Mário Sant’Ana
Esse é o oitavo texto da série “A evolução da democracia”, leia aqui o último publicado.
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Como o ser humano para a humanidade, o cidadão está para a cidade. É nesta que, a cada geração, as irmãs siamesas democracia e cidadania precisam ser concebidas, paridas e educadas. Cidade não é uma abstração, mas um local, um território, um espaço geográfico onde os cidadãos convivem.
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O cosmopolita (cidadão do mundo) tem grandes dificuldades no exercício da democracia efetiva. Não se reconhecer pertencente a um lugar é ter raízes em Utopia, palavra cunhada por Thomas More que significa “nenhum lugar”.
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Os que não valorizam as fronteiras político-geográficas que balizam a vida em sociedade vivem as contradições inevitáveis de morarem fisicamente em um lugar e metafisicamente em vários. Como limites são essenciais à vida, muitos aderem às causas identitárias —pedaços do universo global. Assim, desconectados dos próximos, formam vínculos frágeis com os distantes; não engajam como poderiam na solução dos problemas do lugar onde residem e pouco influenciam nas questões mundiais.
As causas da humanidade são, obviamente, importantes e devem enriquecer a participação cidadã, mas não a substituem. Da mesma forma, os movimentos identitários não devem ser automaticamente entendidos como democráticos. Militância política tem o seu lugar, mas não é sinônimo de engajamento cidadão democrático.
Para começar, por mais meritórias que sejam suas bandeiras, os líderes desses esforços não são eleitos por aqueles que dizem representar. Por mais sinceros que sejam seus argumentos, dificilmente sintetizarão com propriedade o pensamento de todos os indivíduos que, sem serem consultados, foram inclusos em uma categoria, como é o caso dos agrupados segundo alguma característica física.
É aí que desponta o valor das associações civis: organizam as energias do engajamento de indivíduos que escolhem aderir a uma proposta com a qual se identificam.
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Os representantes de um Centro de Tradições Gaúchas localizado em Joinville, por exemplo, não falam em nome de todos os nascidos no Rio Grande do Sul ou mesmo das demais sociedades do mesmo tipo instaladas na cidade. Representam exclusivamente os associados ao CTG que dirigem, na forma prevista em seu estatuto.
Isso também se aplica às associações de bairro, de pais e professores, aos sindicatos, aos condomínios, às associações empresariais, às sociedades culturais, às lojas maçônicas e a tantas outras entidades. Tipicamente, o porte dessas organizações permite que seus integrantes se conheçam, tenham voz, deliberem em conjunto sobre as questões que lhes dizem respeito e cobrem de seus diretores a devida defesa de seus interesses.
A história de comunidades, clubes, sociedades corais, organizações religiosas e guildas das cidades catarinenses dá testemunho não só de maior envolvimento cívico, mas também de importante prosperidade econômica e oportunidades de ascensão para os mais pobres.
É o que Robert Putnam, professor da Escola de Governo John F. Kennedy (Universidade Harvard) chama de capital social vinculativo. Pessoas com as mesmas características e interesses convivem e conjugam seus esforços para avançarem pautas nas quais concordam.
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A liberdade de associação está entre os Direitos e Garantias Fundamentais da nossa Constituição. A participação cidadã é essencial à democracia efetiva, uma responsabilidade que temos com nós mesmos, uns com os outros e com as próximas gerações.
Na combinação de mentes, corações e recursos das pessoas de uma cidade residem suas melhores oportunidades de participar com qualidade do mercado mundial e contribuir com agendas globais.

*Mário Sant’Ana é tradudor e intérprete, cofundador do Projeto Resgate, organização com ações para reduzir contrastes sociais, e co-idealizador do programa Think Tank Projeto Resgate, para o desenvolvimento de habilidades de inovação intersetorial, soft skills e liderança não hierárquica. Escreve artigos para o A Notícia às terças-feiras. Contato: mario@projetoresgate.org.br