*Artigo por Mário Sant’Ana

Quinto texto da série “A evolução da democracia”. Leia aqui o primeiro artigo, aqui o segundo, aqui o terceiro e aqui o quarto.

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Eu tinha 30 anos quando me mudei para Joinville. Então, entendia-me cidadão brasileiro por ter nascido no Brasil e cidadão do mundo por ter um conhecimento superficial de algumas culturas, estar atento às tendências internacionais e às questões geopolíticas mundiais. Percebia-me membro da aldeia global.

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Não demorou, a relevância dessas noções foi posta em xeque. A fatura da Celesc comprovava que eu tinha domicílio na cidade, mas eu não compartilhava do ethos joinvilense.

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Na Grécia Antiga, ethos era a palavra usada para descrever o conjunto de crenças ou ideais de um grupo social, mas também significava os hábitos comuns às pessoas de um lugar. Para os gregos dos dias de Aristóteles, ethos e pólis (cidade) eram conceitos indissociáveis. Aprendi que para o joinvilense do século 20, também.

Em uma das minhas primeiras visitas à ACIJ (Associação Empresarial de Joinville) testemunhei a indignação dos empresários com a proposta do governo estadual de criar uma unidade dos Bombeiros Militares na cidade. Perplexo, perguntei a quem estava ao meu lado: “Por que isso é ruim?!?” A pergunta imediatamente revelou que eu estava na categoria “Forasteiros”, pelo que, com paciência, o cavalheiro me explicou: “O nosso Corpo de Bombeiros Voluntários é a mais antiga instituição do gênero do País. Somos efetivos e temos cem anos de tradição! É importante para o joinvilense. Isso já está resolvido aqui. Há outras questões às quais o governo deve atentar.”

Reconheci naquele dia que era residente, não um cidadão joinvilense. Aquelas pessoas compartilhavam algo importante que me faltava: um senso real de cidadania, palavra que, não à toa, tem a mesma raiz latina que cidade. É na cidade em que a cidadania floresce.

Sou cidadão brasileiro porque nasci no Brasil. Por ser maior de idade, tenho direitos e deveres previstos na Lei, a qual devo respeitar. Entretanto, minhas opiniões e ações não têm nenhum efeito prático no contexto nacional. Minha brasilidade raramente é posta à prova.

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A cidadania global é uma ilusão que atomiza a humanidade. Ser parte do mundo é não ser parte de nada. As dimensões e grandezas não permitem que se formem vínculos reais e duradouros com nada nem ninguém. No fim do dia, cada um fica isolado na solidão coletiva global.

A cidadania efetiva acontece quando os indivíduos se percebem corresponsáveis pelas decisões, ações e consequências na cidade em que vivem. Compreendem que devem aperfeiçoar e corrigir o que herdaram de seus antepassados em favor das próximas gerações, enquanto conjugam esforços para tornar a vida melhor hoje para si e para os demais.

E isso acontece primeiro nas associações civis, nos grupos religiosos, nos grêmios esportivos, nas fraternidades, na academia, nas sociedades culturais, nos clubes de serviço e em outros tipos de agremiações; depois, quando útil, entre essas organizações e, quando necessário, com o governo.

Na quinta-feira passada, na posse da nova diretoria da Ajorpeme (Associação de Joinville e Região da Pequena, Micro e Média Empresa), a cidadania foi mais uma vez celebrada. Apesar de muito ocupados com seus negócios, mulheres e homens, com o apoio de suas famílias, reconheceram uns nos outros o valor do voluntariado qualificado.

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Jonas Tilp dará continuidade ao excelente trabalho de Leonardo Santana e seus antecessores, na presidência da instituição. Os desafios não são triviais. Os donos das pequenas e médias empresas precisam constantemente recalibrar suas habilidades e relacionamentos para manter suas empresas competitivas e garantir seu espaço no mercado.

A seu favor têm a valentia do empreendedor, o dinamismo do associativismo e a crença de que “Juntos somos mais fortes” — importante para os negócios e essencial para a cidadania.

Para minha felicidade, hoje reconheço-me cidadão joinvilense, não apenas residente em Joinville.

Escritor
Mário Sant’Ana escreve no AN às terças (Foto: Arquivo)

*Mário Sant’Ana é tradudor e intérprete, cofundador do Projeto Resgate, organização com ações para reduzir contrastes sociais, e co-idealizador do programa Think Tank Projeto Resgate, para o desenvolvimento de habilidades de inovação intersetorial, soft skills e liderança não hierárquica. Escreve artigos para o A Notícia às terças-feiras. Contato: mario@projetoresgate.org.br

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