*Artigo por Mário Sant’Ana

A evasão de estudantes dos níveis pós Ensino Médio (técnico e superior) é um fenômeno complexo, no qual várias causas podem incidir isolada ou conjuntamente.

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Entretanto, um estudo feito na Universidade Federal de Minas Gerais entre 1990 e 1999 revelou uma relação direta entre desistência e desempenho dos estudantes. Os cursos com maior número de reprovação (como as engenharias) chegam a apresentar, logo nas fases iniciais, taxa de evasão superior a 60%.

É o que atesta também a empresa CRM Educacional, especializada em aumentar a permanência de alunos de instituições de ensino básico e superior. “A faculdade de ciências exatas costuma ter índices de reprovação maiores, sobretudo em cursos como Engenharia e disciplinas como Cálculo, em que, numa turma de 60 alunos, apenas cinco conseguem ser aprovados. Quando as reprovações são frequentes, o mais comum é que o aluno se sinta desestimulado a continuar estudando.” — explica Jade Nascimento, Coordenadora de Marketing da empresa.

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Nos cursos técnicos de nível médio, a história se repete. Um levantamento sobre as causas da evasão no Instituto Federal do Norte de Minas Gerais – Campus Arinos mostrou que “os fatores que mais contribuíram para a evasão foram: enorme dificuldade nas disciplinas técnicas e exatas (82%) […] e falta às aulas (60%), sendo que os motivos das faltas às aulas eram “notas baixas” e “problemas com a instituição”.

O problema da evasão de estudantes não é novidade para o Brasil e a falta de base tampouco.

O Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) é uma pesquisa idealizada em parceria entre o Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa, realizada com o apoio do IBOPE Inteligência e coordenada pela Conhecimento Social.

A série histórica deste estudo mostra que a educação do Brasil está mais medíocre. Se por um lado o percentual de brasileiros nos níveis mais baixos de alfabetismo diminuiu entre 2001 e 2018, a fatia da população no nível mais alto, também. Crescemos no meio, como mostra o Gráfico 1.

Gráfico de alfabetismo
Variação por nível de alfabetismo (Foto: Mario Santana)

Nos estados do Sul, 59% dos brasileiros com mais de 15 anos não atingem o nível intermediário de alfabetização, ou seja, não conseguem, por exemplo, localizar informação expressa de forma literal em textos diversos (jornalístico e/ou científico) realizando pequenas inferências, resolver problemas matemáticos envolvendo porcentagem e confrontar a moral da história com a própria opinião. Ver o Gráfico 2.

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Gráfico de alfabetismo em região
Níveis de alfabetismo em região (Foto: Mario Mario Sant’Ana)

Talvez o problema não seja que os conteúdos em sala de aula sejam em baixo volume ou mal explicados. O mais provável é que não ensinamos o que os estudantes precisam aprender. A abordagem conteudista de muitas escolas há muito não dialoga com as reais necessidades dos indivíduos nem da sociedade.

Ensino conteudista é um termo utilizado para se referir a uma tradição de ensino que prioriza a transmissão de conteúdos por parte do professor, dos livros, apostilas e outros recursos. Dizem o que o estudante deve pensar, sem lhe ensinarem a pensar.

No Brasil, apenas 1 em cada três pessoas com Ensino Superior são funcionalmente alfabetizados de nível proficiente (Ver Gráfico 3).

Alfabetismo por niveis de escolaridade
Níveis de alfabetismo por níveis de escolaridade (Foto: Mario Sant’Ana)

O site alfabetismofuncional.org.br explica o que isso significa:

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“O indivíduo proficiente, no topo da escala de alfabetismo funcional, elabora textos de maior complexidade (mensagem, descrição, exposição ou argumentação) com base em elementos de um contexto dado e opina sobre o posicionamento ou estilo do autor do texto. É capaz de interpretar tabelas e gráficos envolvendo mais de duas variáveis, compreendendo a representação de informação quantitativa (intervalo, escala, sistema de medidas) e reconhecendo efeitos de sentido (ênfases, distorções, tendências, projeções). A pessoa proficiente também está apta a resolver situações-problema relativas a tarefas de contextos diversos, que envolvem diversas etapas de planejamento, controle e elaboração e que exigem retomada de resultados parciais e o uso de inferências.”

Em suma, apenas 12% da população brasileira com mais de 15 anos reúnem as condições para se beneficiarem da crescente oferta de oportunidades de trabalho com remunerações mais vantajosas. A vasta maioria (88%) terá de disputar vagas que prometem salários mais baixos e, tipicamente, menos estimulantes do ponto de vista intelectual.

Oportunidade de mudança

A demografia dos docentes brasileiros abre espaço para avanços. Segundo A TALIS (pesquisa citada em vários artigos anteriores a este nesta coluna), 23% dos professores do Brasil têm idade igual ou superior a 50 anos. Isso significa que, nos próximos anos, a força de trabalho do magistério terá de renovar um em cada quatro de seus membros.

O desafio que a sociedade tem, portanto, é atrair para os cursos de licenciatura exatamente aqueles que, hoje, tendem a preferir as outras áreas, tais como as engenharias e as de ciência da computação, que já sofrem com a falta de bons alunos.

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Se não quisermos despir Pedro para vestir Paulo, teremos de repensar nossos cursos de formação de professores, tornar a carreira docente altamente atraente, aumentar o número de estudantes capazes de ingressar e concluir o Ensino Superior.

Conectando os pontos:

· O acesso a educadores experientes é um fator determinante para o sucesso dos estudantes. Saiba mais.

· Para isso acontecer a mais meninas e meninos, é preciso mudar a estrutura atual que distribui mal os docentes com mais tempo de sala de aula. Saiba mais.

· Os mestres mais tarimbados podem ajudar os novatos a reduzir o tempo que gastam com tarefas administrativa e com o controle do comportamento dos estudantes para se tornarem mais efetivos na arte de ensinar. Saiba mais.

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· É preciso melhorar a qualidade dos que cursos de licenciatura, atraindo e formando os melhores talentos. Quem mais aprende tem de ensinar mais.

Outros artigos desta série

· A educação que importa

· O que deve ser feito para crianças e adolescentes aprenderem bem o que é mais importante?

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· A experiência para reduzir desigualdades

· Tempo do estudante – recurso não renovável

Escritor
Mário Sant’Ana escreve no AN às terças (Foto: Arquivo)

*Mário Sant’Ana é tradudor e intérprete, cofundador do Projeto Resgate, organização com ações para reduzir contrastes sociais, e co-idealizador do programa Think Tank Projeto Resgate, para o desenvolvimento de habilidades de inovação intersetorial, soft skills e liderança não hierárquica. Escreve artigos para o A Notícia às terças-feiras. Contato: mario@projetoresgate.org.br