*Artigo por Mário Sant’Ana

“O respeito foi inventado para esconder o lugar vazio onde deveria estar o amor” — decretou Anna Karenina, a personagem que dá título à magnífica obra de Liev Tolstoy.

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Concordo que o amor aperfeiçoado baste para nos impedir de fazer ou dizer algo que ofenda ou magoe alguém, mas até esse ideal ser alcançado, respeitar já estaria de bom tamanho. Afinal, andam perigosamente escassos os sentimentos de respeito que, segundo o confucionismo “nos distinguem das bestas da terra”.

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Muitos condicionam a demonstração de respeito ao comportamento da outra pessoa: “Não o respeitarei porque não o merece.” Quem age assim, expõe-se ao risco de se tornar, ele próprio, menos digno de ser respeitado, como ensina o poeta Ralph Waldo Emerson: “Os homens são tão respeitáveis quanto respeitam.” Além disso, é loucura deixar que alguém, cujo caráter, atitude ou ações desprezo, decida como vou sentir, pensar ou agir.

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Não faz nenhum sentido!

Em uma sociedade com muita gente que parece não querer amar nem respeitar, inventaram a correção política. Infelizmente, porém, assim como o respeito não basta para os não amados, o politicamente correto não serve para os não respeitados. Pode ser melhor que a alternativa sobre a qual nos adverte Confúcio, mas não a impede.

“Se a rosa tivesse outro nome, ainda assim teria o mesmo perfume”. Essa obviedade ensinada por Shakespeare não foi aprendida por alguns intelectuais que se acham melhores por não falarem “favela”, mas “comunidade”. Usam o novo nome, mas não chegam perto de começar a entender os problemas que sofre uma de cada três pessoas que vivem em condições de sub-habitação nos países em desenvolvimento. Escolher bem as palavras é bom, mas não substitui o respeito e muito menos o amor. É maquiagem sobre uma pereba.

Não faz nenhum sentido!

Por mais hediondo que seja um crime, seu autor deve ser preso, processado e julgado com respeito. Se condenado, sua pena deve ser imposta de forma respeitosa. Se a sentença for a morte, que a vida lhe seja tirada respeitosamente. Isso não é porque o infrator mereça respeito, mas porque não o respeitar é ser comparável a ele.

Não faria nenhum sentido!

Contudo, a degradação da qual nos alertam Tolstoy e Confúcio não se limita às relações interpessoais. A erosão dos valores do sujeito moral corrói também os esteios institucionais da sociedade.

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Nesse contexto, a defesa do direito esconde o lugar vazio onde deveria estar a Justiça; o culto ao espírito da lei se transforma em burocracia despudorada, uma besta perigosa; e, enquanto narrativas vazias maquiam tumores sociais, ladrões, loucos e canalhas pautam o presente e o futuro de crianças, mulheres e homens.

Não faz nenhum sentido!

Quem não resolveu as questões dos proletários se arvora solucionador dos problemas ambientais e humanitários muito mais complexos, como os de gênero e de raça. Os símbolos nacionais, a doutrina cristã e até a camisa da seleção se tornaram reféns de um discurso tosco de mentes alopradas. Em “defesa da democracia” criam um estado que remete a “um tempo de meio silêncio, de boca gelada e murmúrio, palavra indireta, aviso na esquina” — descreveu Drummond. E encarceram aqueles com “bastante importância para serem presos e nenhuma importância para serem soltos” — como disse Millôr Fernandes sobre os humoristas. Um modelo que chama de liberdade a imposição de escolhermos o menor entre dois males é, ele próprio, maligno e tem de ser substituído.

Não faz nenhum sentido!

A crise tem caráter moral e precisamos nos recompor, para formularmos alternativas.

O primeiro passo é escolhermos bem como nos comunicamos, para conjugarmos nossas ideias em ações benéficas. Para isso, “nossa matéria-prima é a palavra […], como argamassa social” — lembra Antônio Risério. Isso não é correção política. É decência.

Devemos aprender a respeitar “apesar de”; não “porque”. “O homem que não respeita, deixa de amar.” — Fiodor Dostoievsky

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E não esqueçamos: “O maior destes é o amor.” — Paulo de Tarso

E isso faz todo o sentido!

Mário Sant'Ana escreve no AN às terças
Mário Sant’Ana escreve no AN às terças (Foto: Arquivo pessoal)

*Mário Sant’Ana é tradudor e intérprete, cofundador do Projeto Resgate, organização com ações para reduzir contrastes sociais, e co-idealizador do programa Think Tanks Projeto Resgate, para o desenvolvimento de habilidades de inovação intersetorial, soft skills e liderança não hierárquica. Escreve artigos para o A Notícia às terças-feiras. Contato: mario@projetoresgate.org.br