Não foi por falta de mar que a surfista Marina Rezende deixou Florianópolis e foi para Ericeira, em Portugal. A catarinense foi procurar outras ondas: apoio para continuar no esporte, novas experiências e minimizar o preconceito dentro da água. Os primeiros movimentos no surfe foram nas águas da Barra da Lagoa da Conceição, na capital de Santa Catarina. Agora com 24 anos e conquistas promissoras antes de atingir a maioridade, foi para a costa lusa procurar seu lugar no oceano.

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Filha de pais surfistas, o mar é habitat de Marina desde os seis anos. Ainda em categorias amadoras, foi tricampeã estadual, vice brasileira e ficou em nono em mundial júnior, em 2013. A longa jornada no surfe, apesar de jovem, fez conhecer bem a desigualdade do esporte. A Brazilian Storm, termo que representa a ascensão do Brasil na modalidade, ficou restrito à categoria masculina, por exemplo.

Enquanto os surfistas tem bons patrocínios, vide Gabriel Medina, o mesmo não ocorre com elas. Ainda, apesar da ascensão do surfe por conta do jogos olímpicos, entre as modalidades da disputa em Tóquio no ano que vem, elas são vítimas de machismo dentro da água. Marina Rezende sentiu. Mas não desanima porque tem mantém viva a chama de ser uma grande surfista brasileira.

Como foram os últimos meses em Portugal, por que mudou de país?

Cheguei em julho. Essa temporada não foi para campeonato. Decidi me mudar como experiência, para buscar apoio. No Brasil está devagar, e acho que aqui é um passo à frente. Parei este ano para fazer a mudança, porque estava difícil, mesmo com título não houve mudança. Em Santa Catarina não tem campeonato profissional feminino, o Brasileiro tem apenas três etapas. Avançou, mas ainda é pouco. Pretendo no ano que vem retomar. Até agora foi bastante treino, nova fase, outro país. Tive de trabalhar para me virar, diferente do que vivia em Florianópolis.

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De que forma descreve os primeiros meses em Portugal?

Comecei do zero. No Brasil tinha minha carreira, nome. Aqui foi do zero.

O que encontrou em solo luso?

Encontrei onda boa, e vi que aqui tem apelo diferente para atleta, É mais sério para apoio e patrocínio, se você se destaca em campeonato, tem retorno financeiro. Foi também a primeira vez em que morei sozinha, de trabalhar para pagar contas, de ver o mundo fora da casa dos pais. Isso tudo me deu ainda mais vontade de continuar, de saber o que quero e aonde pretendo chegar.

Marina sente saudades de surfar em Santa Catarina
Marina sente saudades de surfar em Santa Catarina (Foto: Tiago Ghizoni)

O mar de Portugal é diferente do mar daqui?

É muito frio, em torno de 14 graus, e em Floripa deve ser uns 23, com ondas mais fortes. Aqui a água parece mais pesada. Sinto saudade de surfar de biquíni como em Florianópolis, sem essa água fria (risos).

O surfe brasileiro vive grande momento, mas não se reflete no feminino. Por qual motivo?

O incentivo é o principal, porque meninas para surfar bem não falta. O nível de campeonato feminino no Brasil é mais forte que QS (categoria de entrada à elite mundial). São poucas as surfistas brasileiras que têm patrocínio. Comparado a Portugal, as competições brasileiras estão em um nível mais forte, mas marcas ou governos não investem.

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Fica difícil chegar à primeira divisão. Enquanto há uns 10 brasileiros em cada etapa, às vezes tem apenas uma brasileira. Isso mostra que tem algo errado

Você acha que é só por questão de apoio?

Sim, porque o nível é alto. Em competições sul-americanas, as brasileiras são maioria entre as cinco melhores. E poderia ser maior se tivessem apoio. Deve ser apenas três no WQS (divisão de acesso), muito pouco para um país com um litoral gigante como Brasil.

Para surfista de 24 anos, falta apoio para a modalidade feminina no Brasil
Para surfista de 24 anos, falta apoio para a modalidade feminina no Brasil (Foto: Tiago Ghizoni)

Há preconceito no surfe?

Sim, às vezes logo ao entrar na água para surfar. Os homens te olham ao entrar no mar. Tem que provar que está na água para surfar, e ainda mostrar que é boa. Já vivi situação constrangedora. Já ocorreu ao pegar onda, um cara me rabear (quando um surfista entra na frente do outro em uma onda) e depois me pedir desculpa porque não sabia que eu surfava bem.

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Você tem que provar dentro da água. O que me dá mais raiva é escutar 'você surfa bem para uma menina

Então esse preconceito existe também em relação a investimento no surfe feminino?

Acho que reflete na questão do apoio também, de termos que provar que somos boas. Tem que provar na água que somos boas e fora dela também.

Há machismo também no mar de Portugal?

Ainda tem. Todos lugares em que surfei senti algum desconforto. Às vezes uso para o lado bom, de “sorrir” e ganhar uma onda. Mas às vezes incomoda, e muito! Aqui não tive nenhuma situação que me fizesse perceber muito isso. Mas também porque a quantidade de meninas surfando aqui é muito grande.

Marina Rezende espera representar o Brasil nas Olimpíadas de 2024
Marina Rezende espera representar o Brasil nas Olimpíadas de 2024 (Foto: Tiago Ghizoni)

Isso não melhorou depois da inserção do surfe nas Olimpíadas?

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Acho que melhorou para para quem já tinha oportunidade. Onde está o buraco no surfe, não mudou. Para as que correm o circuito brasileiro, não mudou muita coisa. Como uma menina vai representar o Brasil é do Havaí? (Marina fala de Tatiana Weston-Webb, gaúcha criada em solo havaiano).

Tem o desejo de representar o Brasil nas Olimpíadas?

Deve ser a Silvana Lima junto com a Tatiana Weston-Webb em Tóquio, Estar em uma Olimpíada virou o desejo de toda surfista. Pra mim, talvez em 2024 (sediada em Paris, na França). É um grande objetivo para alcançar. Vou batalhar muito para isso objetivo de vida.

O quê o surfe ensina para a vida?

O surfe é meu maior professor, sempre foi. Me ensinou a lutar pelo que quero desde meus 12 anos, quando comecei a aprender a me virar, de batalhar até o fim por objetivo. O mar ensina muita coisa também. Quando está grande e forte, me lembrar que é preciso saber respeitar os limites. O maior aprendizado é persistir porque uma hora chega o momento. Se a estrela está contigo, é hora de brilhar. Se não, é continuar lutando. A vida de atleta é pesada, de muito esforço físico e mental diariamente, Mas é recompensado por aqueles cinco segundos depois de saber que se ganhou um campeonato. Vale a pena.

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