A estrela do 43º Festival de Gramado é Marília Pêra. A atriz deve chegar à Serra na segunda-feira para, na terça, receber o Troféu Oscarito, mais tradicional honraria do evento. Na quinta, já estará no Rio, gravando a quarta temporada do seriado Pé na Cova, que estreia no fim de setembro na RBS TV. A intérprete do clássico Pixote (1981), entre outros filmes, peças e novelas, conversou com ZH por telefone antes da viagem ao Sul e lembrou, com entusiasmo, suas passagens por Gramado e suas experiências com os grandes nomes do cinema nacional.

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Você ganhou dois Kikitos, em 1983 (por Bar Esperança) e 1987 (por Anjos da Noite). Como é ser homenageada por um festival que evoca memórias como essas?

Gosto demais de Gramado. E de Porto Alegre. Lembro de ir várias vezes a Porto Alegre e, mesmo fora da época do festival, dar um pulo em Gramado. Já cheguei a pensar em comprar um terreno e morar na serra gaúcha ao ficar velhinha. Mas não levei isso adiante.

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Você não vinha ao festival desde 2007, quando apresentou Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho. O que espera encontrar nesta volta?

Era para eu ter voltado antes: há três anos venho sendo convidada para receber esta homenagem, mas nunca consegui conciliar minha agenda com a do festival. Agora, enfim, poderei trocar coisas boas com quem estiver no festival. É o que espero fazer. Vou cheia de boas energias, cheia de amor para dar.

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Coutinho dirigiu sua estreia no cinema, com O Homem que Comprou o Mundo (1968). Que memórias guarda do cineasta (morto em 2014)?

Eu já fazia teatro naquela época, mas não tinha ideia de como era fazer cinema. Coutinho foi meu primeiro mestre, o cara que me ensinou o caminho. Foi incrível. Despiu-me da eloquência do teatro, transformando-me em uma atriz minimalista. Foi o primeiro diretor que me conteve (risos). Ele era um grande cineasta, delicado, sensível no trato com os atores, e com os personagens de uma forma geral, já que fazia muitos documentários.

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Cacá Diegues, Paulo César Saraceni, Hector Babenco e Wilson Barros também foram mestres para você?

Você sabe que foi engraçado trabalhar com o Hector em seguida ao filme do Coutinho (seu segundo e terceiro longas foram O Rei da Noite, de 1975, e Pixote, de 1981): se o Coutinho tirou meus excessos de teatro, o Hector fazia o contrário. Queria uma exacerbação dos sentimentos, principalmente em Pixote. Lembro do trabalho com a (preparadora de elenco) Fátima Toledo nesse filme: quanto mais ensaiávamos, e depois filmávamos, mais exacerbados ficávamos – e mais perto do que o Hector queria. O Rei da Noite contava com o Paulo José no elenco. E o Paulo também é diretor. Evoluí muito na minha compreensão da linguagem do cinema com ele. Além de tudo, Paulo é um grande companheiro de trabalho, divertido, brincalhão, doce.

Com Diegues, Saraceni e Walter Salles você só trabalhou depois, já um tanto mais madura, correto?

Para O Viajante (1999), o Saraceni pediu que eu fugisse do naturalismo, fizesse uma cantora louca, trágica. Na hora, achei estranho, mas o filme funciona bem. O Waltinho (Salles) explica detalhadamente o que ele quer, posição de câmera, cenografia, forma do filme. E o Cacá talvez seja o diretor com quem o trabalho seja mais leve. Ele dança junto com o elenco, é uma delícia.

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Por que você não faz cinema há sete anos? Seus últimos longas são de 2008 (Embarque Imediato e Nossa Vida Não Cabe num Opala).

Tem sido muito comum: recebo um roteiro bem bom, assino uma carta afirmando interesse e fico no aguardo, mas o tempo passa, e o projeto não anda. E tudo se repete. Agora olha a coincidência: eu e Daniel Filho – que também será homenageado em Gramado – pensamos em fazer um filme juntos. Como estou escolhendo músicas para gravar um CD, que sairá em breve pela Biscoito Fino, pensei em um projeto casado, de disco e filme – no caso, um “docudrama” musical com as canções do álbum. Algo bem pessoal.

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Que disco é esse?

Pretendo interpretar apenas canções românticas. Alguma MPB, Ne Me Quitte Pas, um Kurt Weill indicado pelo Miguel Falabella, enfim, um conjunto romântico e que tenha a ver comigo.

Você vem de uma família de artistas. Seus pais inclusive trabalharam em chanchadas da Atlântida. Como é receber um troféu com o nome de um astro daqueles filmes?

Mamãe (Dinorah Marzullo), papai (Manuel Pêra) e vovó (Antônia Marzullo) fizeram filmes com Oscarito. Cheguei a fazer uma ponta em Luz dos Meus Olhos (1947) quando tinha uns quatro anos. Com 12 para 13, fui bailarina em chanchadas, entre elas Esse Milhão É Meu (1959). Cresci entre artistas como Oscarito. Isso só aumenta minha felicidade ao receber o troféu.

Depois de Pixote, você filmou nos EUA (Mixed Blood, de Paul Morrissey, 1984). Como foi a experiência? E ainda: você nunca quis repeti-la?

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Não sou empreendedora, no sentido de articular minha carreira. Sempre quis fazer sucesso, claro. Mas, passada a agitação pós-Pixote, era preciso ir atrás para construir algo lá fora, e eu nunca levei isso ao pé da letra. Havia possibilidade de fazer teatro nos EUA. Mas é complicado, tem muita concorrência, e até hoje meu inglês não é fluente. Lembro de ter ficado com medo, inclusive. Então, não me arrependo. A gente faz escolhas, e eu fiz as minhas.