Alugo casa ou apartamento com conector para memórias à lenha. Explico: venho de um tempo em que computadores pessoais, notebooks, tablets e afins não eram encontrados nos lares. Sou franco ao dizer que nos idos da infância, jamais imaginei um descendente do Kenback-1 em minhas mãos como tenho hoje. Imaginar quatro seria atestar minha insanidade.

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Mas em meu alvorecer as memórias eram compartilhadas ao redor do melhor computador inventado – principalmente para estas épocas frias do ano -, o fogão à lenha. Aquela chapa de ferro quente foi minha primeira homepage. Em torno dele as manhãs frias eram carinhosas. E do alto-falante do velho Blaupunkt à válvula – que ficava acomodado na caixa de lenha ao lado – ouvíamos, curtíamos e comentávamos as informações.

Foi naquele velho rádio que ouvi, em 1979, o presidente general João Baptista Figueiredo anunciar certa Lei da Anistia. Eu não entendia nada de anistia, mas já compreendia o que era emoção. Lembro-me de meu avô, reavivando as brasas, soltar um longo suspiro e murmurar: ”graças a Deus, acabou!”

Os finais de semana de frio eram os melhores. Ladeando o velho fogão nº 3, a rede familiar se formava para a prosa em que a cadeira de balanço ditava o ritmo das palavras, acompanhadas pelo sussurro da chaleira, pelo farfalhar das folhas ao vento que brincavam no quintal e pelo ronronar de um velho gato mourisco aos pés de minha mãe.

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A cada pen drive alçado às brasas, memórias espocavam. Algumas alegres como as pipocas na panela. Outras, chorosas como lenha verde. E dezenas deliciosas como bolo de fubá saindo do forno. Fogão à lenha. Meu primeiro computador. Hoje coberto por uma toalha em um apartamento sem conexão, em uma cozinha sem memórias.