A Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta terça-feira (30), o projeto de lei (PL) 490/2007, que, entre outros pontos, estabelece um marco temporal para a demarcação de terras indígenas. O governo Lula (PT) tentava adiar a votação, mas o presidente da Casa, o deputado Arthur Lira (PP-AL), levou o texto adiante, tendo sido aprovado por 283 votos favoráveis contra 155 contrários em sessão tumultuada.

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Houve ainda uma abstenção. Eram necessários os votos favoráveis de ao menos 257 deputados, número equivalente à maioria simples da Câmara. O texto agora irá ao Senado Federal.

O que é o marco temporal indígena

O que é o PL 490/2007

O PL prevê que as terras indígenas tenham demarcação homologada no Brasil somente caso já fossem ocupadas ou estivessem sob disputa dos povos originários na data da promulgação da Constituição Federal atual, de 5 de outubro de 1988.

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Ele estabelece ainda outros pontos ao alterar o Estatuto do Índio (a Lei 6001/1973):

  • permissão para contrato de cooperação entre índios e não índios para atividades econômicas;
  • permissão para contato com povos isolados para ações estatais consideradas de utilidade pública;
  • permissão para plantio de cultivares transgênicos em terras indígenas;
  • proibição à ampliação de terras indígenas já demarcadas;
  • previsão de indenização por qualquer benfeitoria realizada pelo ocupante não indígena em terra indígena, mesmo que já exista decisão sobre a ocupação ilegal;
  • permissão para que o ocupante não indígena permaneça na terra indígena até a conclusão da demarcação e até o pagamento da indenização;
  • permissão para a instalação de bases, unidades e postos militares em terras indígenas sem necessidade de consulta à comunidade indígena ou à Funai;
  • permissão à expansão de rodovias, à exploração de energia e ao resguardo das riquezas de cunho estratégico em terras indígenas sem necessidade de consulta à comunidade indígena e à Funai;
  • retomada de posse de terra indígena pela União caso haja alteração nos traços culturais da comunidade para cessão ao interesse público ou ao Programa Nacional de Reforma Agrária;
  • adequação dos processos de demarcação em andamento às novas regras;
  • nulidade das demarcações que não atendam a essas novas regras.

A aprovação na Câmara se adiantou a um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) também sobre o marco temporal, mas sem invalidá-lo (leia mais abaixo).

O texto ganhou urgência na Casa na última semana e é priorizado pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que reúne 300 deputados, sendo 13 de Santa Catarina. Os parlamentares favoráveis afirmam que o marco dá segurança jurídica aos produtores rurais instalados em propriedades que atualmente se sobrepõem aos limites de áreas demarcadas.

A proposta desagrada indígenas, que afirmam que não teriam como ocupar, à época da assinatura da Constituição, áreas hoje reivindicadas devido a eles terem sido vítimas de histórica perseguição e também serem tutelados por governos àquela altura. Eles afirmam ainda que o PL é inconstitucional, já que feriria uma cláusula pétrea da Constituição ao lhes retirar o direito originário às terras que ocupam.

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Marco temporal no STF

O projeto tenta transformar em lei o que até então era apenas uma tese jurídica, que deveria ter sua constitucionalidade julgada pelo STF em 7 de junho.

A Corte fará isso ao julgar especificamente uma ação judicial que trata de um território sob disputa em Santa Catarina. O caso conta com repercussão geral: ou seja, sua decisão vai fundamentar outros cerca de 80 casos parecidos e definir os rumos de mais de 300 demarcações pendentes no país.

A Câmara quis, portanto, se adiantar ao entendimento do STF, onde o relator do caso, o ministro Edson Fachin, já se colocou contrário ao marco temporal. O ministro Kassio Nunes Marques também já proferiu seu voto, sendo favorável à tese, em setembro de 2021, quando o julgamento havia sido suspenso.

O PL 490/2007 foi originalmente proposto para que a responsabilidade sobre as demarcações sejam repassadas do Executivo ao Legislativo. Ele voltou a tramitar na Câmara sob relatoria do deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), que, em uma nova versão, incluiu o marco temporal.

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Na última quarta (24), a pedido do deputado catarinense Zé Trovão (PL), os parlamentares aprovaram regime de urgência ao texto, por 324 votos favoráveis ante 131 contrários, o que permitiu que o projeto fosse já apreciado e votado pelo Plenário sem precisar passar pelas comissões temáticas.

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