O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o marco temporal indígena foi retomado nesta quarta-feira (7), quase dois anos após ter sido paralisado, e acabou suspenso no mesmo dia. O ministro Alexandre de Moraes deu voto contrário à tese jurídica que definirá os rumos de mais 300 demarcações de terras indígenas no país — defendendo a posse aos povos originários e indenizações aos colonos (leia mais abaixo) —, antes de o ministro André Mendonça pedir vista e, assim, suspender o caso.
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Com o parecer de Moraes, o placar da Corte está em dois votos contrários ao marco temporal ante um favorável a ele. O julgamento havia tido início em setembro de 2021, quando o relator do caso no STF, o ministro Edson Fachin, foi contra a tese jurídica e o ministro Kassio Nunes Marques se pôs a favor.
Ainda naquele mês, Moraes pediu vista do processo, um mecanismo do STF para que o ministro tenha mais tempo para avaliar o caso. O julgamento teve agora novo pedido de vista, desta vez por parte de Mendonça, que, pelas regras internas da Corte, tem 90 dias para devolver o caso ao Plenário. Em julho, no entanto, haverá recesso do Judiciário, o que pode prolongar o prazo até uma retomada.
Mendonça indicou ao menos, ao fazer o pedido de vista, que devolverá o caso em tempo hábil para que seja avaliado ainda sob a presidência da Rosa Weber na Corte. A ministra vai se retirar do STF em outubro, quando fará 75 anos, idade em que magistrados são aposentados compulsoriamente.
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O que é o marco temporal?
O marco temporal se trata de uma tese jurídica que defende que as terras indígenas tenham demarcação homologada no Brasil somente caso já fossem ocupadas ou estivessem sob disputa dos povos originários na data da promulgação da Constituição Federal atual, de 5 de outubro de 1988.
O STF trata da constitucionalidade da tese ao julgar um caso de Santa Catarina: a ampliação da terra indígena Ibirama-Laklaño, espalhada por quatro municípios catarinenses do Alto Vale do Itajaí e reivindicada pelo povo Xokleng. A ampliação da TI é contestada na Justiça pelo governo catarinense e mobiliza também cerca de 300 proprietários rurais com terras sobrepostas à área demarcada.
Apesar de se debruçar sobre um caso específico, o julgamento tem o que a Justiça chama de repercussão geral: ou seja, vai fundamentar cerca de 80 casos parecidos e definir os rumos de outras demarcações.
Moraes defende terra a indígenas e indenização a colonos
O ministro Alexandre de Moraes defendeu, ao refutar a tese, que o direito dos indígenas sobre a terra deve independer de um marco temporal associado à promulgação da Constituição, uma vez que, citando o caso específico dos Xokleng, várias etnias indígenas eram perseguidas ou tuteladas a essa altura.
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Em Santa Catarina, os Xokleng foram vitimados por “bugreiros”, como eram chamados os integrantes de tropas paramilitares contratadas para dizimar os indígenas, pejorativamente chamados de “bugres”, desde o início da colonização por imigrantes europeus no século passado.
— Óbvio que, em 5 de outubro de 1988, eles não estavam lá, porque se estivessem, de 1930 a 1988, não teria sobrado nenhum. Será que é possível não reconhecer essa comunidade? Será que é possível ignorar totalmente essa comunidade indígena por não existir temporalidade entre o marco temporal e o esbulho [saída da terra]?— questionou Moraes.
Em contrapartida, o ministro afirmou que os agricultores que possuem títulos de propriedades que se sobrepõem à terra indígena têm o direito à indenização integral pela União em caso de desapropriação.
Moraes argumentou que muitas famílias ocuparam a terra de boa-fé e sem ter o conhecimento da tradicional presença dos indígenas, acrescentando, assim, que não deveriam arcar com o prejuízo disso. Em Santa Catarina, herdeiros de colonos já tiveram propriedades ocupadas e repassadas por gerações.
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— Quando reconhecido efetivamente que a terra tradicional é indígena, a indenização deve ser completa. A terra nua e todas benfeitorias. A culpa, omissão, o lapso foi do poder público — disse Moraes.
*Com informações da Agência Brasil.