Conhecedor da situação da Venezuela, o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, chegou a viajar em janeiro a Cuba, a fim de acompanhar o estado de saúde de Hugo Chávez. Gaúcho de Porto Alegre, Garcia também passou por cirurgia em fevereiro, para desobstrução de artérias coronárias.
Continua depois da publicidade
Aos poucos, ele vai retomando a rotina. Por e-mail, o filósofo e professor aposentado da Unicamp respondeu às perguntas de Zero Hora sobre o futuro da Venezuela pós-Chávez. Confira:
Zero Hora – Com a morte de Hugo Chávez, o senhor acredita que o chavismo enquanto corrente política tem condições de sobreviver?
Marco Aurélio Garcia – Todas as correntes políticas que têm profundo enraizamento social tendem a perdurar por um período histórico relativamente longo. É o que deverá ocorrer com o que muitos chamam de “chavismo”, se por ele entendermos um estilo de governo que provocou inversão nas prioridades sociais, ampla participação dos excluídos na vida política e respeito à soberania nacional.
ZH – Como ficam as relações entre Brasil e Venezuela? O senhor vê mudanças significativas?
Continua depois da publicidade
Garcia – As relações com o Brasil devem aprofundar-se, posto que a Venezuela acaba de formalizar seu ingresso no Mercosul. O candidato que aparece como favorito nas próximas eleições, Nicolás Maduro, mantém há muitos anos relações muito fluidas com o Brasil, sobretudo no longo período em que ocupou o posto de ministro das Relações Exteriores de seu país.
ZH – O chavismo pode se tornar uma herança política, como o peronismo, na Argentina?
Garcia – Em política é sempre perigoso fazer comparações entre duas situações tão distintas. Não obstante, há uma evidente similitude entre o chavismo e o peronismo. Chávez, como Perón, em circunstâncias muito diferentes, incorporou amplos setores, anteriormente marginalizados, na política de seu país. Mais do que conquistas materiais, milhões de argentinos e, posteriormente, venezuelanos, foram chamados a participar da política. Querer explicar esse fenômeno como resultado do populismo ou assistencialismo é de uma miopia total. Reflete aguda “demofobia”.
ZH – Como o senhor avalia o futuro das relações entre Venezuela e Estados Unidos?
Garcia – Apesar da retórica confrontacionista dos últimos dias, a tendência é de normalização. Maduro conversou há semanas com altos funcionários do Departamento de Estado a respeito. Não se pode esquecer, por outro lado, que os Estados Unidos são o principal destino das exportações venezuelanas e que maior parte das importações venezuelanas vêm do país.
ZH – A blogueira Yoani Sánchez declarou que a morte de Chávez deve acelerar as reformas em Cuba. O senhor concorda?
Continua depois da publicidade
Garcia – As reformas econômicas em Cuba são ditadas por razões internas. Elas têm ritmo lento, que não será afetado por eventuais mudanças na política venezuelana. É claro que uma brusca transformação na Venezuela poderia ter seus efeitos em Cuba. Não me parece ser o caso, no entanto.
ZH – O comércio entre Brasil e Venezuela é altamente favorável a nosso país. O senhor acha que o novo governo de Caracas deve ampliar o volume de importações do Brasil?
Garcia – O comércio Brasil-Venezuela apresenta um forte superávit para nosso país. Nos últimos anos, Chávez desencadeou lentamente um processo de substituição de importações nas áreas industrial e agrícola. Para escapar à chamada “maldição do petróleo”, a Venezuela tem de desenvolver sua agricultura e sua indústria. O Brasil quer participar desse processo que, no entanto, só produzirá resultados positivos no médio e longo prazos.
ZH – As correntes de oposição podem aproveitar a morte de Chávez para se solidificar?
Garcia – As oposições lograram unir-se em 2012, o que não é pouco, tendo em vista sua heterogeneidade política e ideológica. Seu futuro está diretamente ligado à capacidade de formular uma agenda positiva e não apenas se mover em torno de um antichavismo radical.
Continua depois da publicidade