Crescimento alinhado com a qualidade de vida. É o que pensa o especialista Marcio Atalla, referência nacional em saúde e bem-estar. Para encerrar o ciclo de artigos e debates sobre Qualidade de Vida, último tema do Projeto Joinville que Queremos de 2014, “AN” traz uma entrevista exclusiva com Atalla.

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Ele é professor, autor e apresentador do programa Medida Certa, do Fantástico, e explica as alternativas para se buscar o bem-estar em uma região com olhos tão voltados para a indústria e crescimento.

A Notícia – O Norte de Santa Catarina, especialmente Joinville, é reconhecidamente um dos grandes polos industriais do País. Numa região onde tantas pessoas têm suas vidas relacionadas à rotina empresarial, como é possível buscar um equilíbro entre o trabalho e a qualidade de vida?

Márcio Atalla – Não é segredo que as pessoas precisam se reeducar nesse sentido. Com a rotina que o brasileiro leva, tempo livre tem se tornado uma moeda cada vez mais rara entre as 24 horas do dia. Isso porque boa parte do tempo em que não estamos trabalhando, perdemos no trânsito, nas filas ou em atividades sedentárias, em frente à televisão ou computador.

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É por isso que programar atividades é uma solução que funciona. Muita gente até se dispõe a fazer exercícios, mas é sempre naquele pensamento de “se der tempo”. Isso não funciona, não vai dar tempo, tem que ter disciplina. E não precisa de muito tempo, 20 ou 30 minutos por dia já é mais do que suficiente. Aos finais de semana, quando geralmente o tempo é maior, daí sim a pessoa pode se dedicar a jornadas de 40 minutos ou uma hora.

Em pouco tempo, os efeitos dessas atividades físicas programadas é imenso. Por isso, a dica é reservar pelo menos meia hora, antes do começo da rotina diária, para colocar o corpo em movimento. Os reflexos aparecem ao longo de todo o dia, com mais disposição, mais concentração e bom humor.

A Notícia – E quando as atividades programadas não são uma opção?

Márcio Atalla – Nesse caso, a saída é o acúmulo de movimentação não programada. Para quem trabalha sentado, é importante um policiamento para se levantar e fazer uma caminhada curta de tempos em tempos. Nem que seja até a entrada do prédio e de volta ao escritório, ou até salinha do café.

Para quem não consegue se exercitar na plenitude do corpo, essas pequenas caminhadas estimulam a circulação, além de espantar o sono. São práticas que tendem a fazer com que as pessoas terminem o dia com mais disposição, talvez o bastante para encarar uma caminhada durante a noite. O importante é evitar os esforços repetitivos e ter cuidado para não se acomodar.

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Aproveitar as ferramentas que a própria estrutura da empresa oferece também é um tipo de solução criativa. Se você trabalhar em um lugar com escadarias, use isso a seu favor. Subir um degrau queima em média cerca de 0,17 caloria e descer, perto de 0,05. Nessa brincadeira, dá pra queimar 500 calorias com pouquíssima alteração da rotina diária. Mas, de qualquer forma, o fator essencial aqui é a disciplina.

A Notícia – E de que forma a própria indústria pode incentivar seus funcionários a buscar esse equilíbrio?

Márcio Atalla – Temos no Brasil – e no mundo todo – diversos exemplos de iniciativas que nasceram dentro das próprias indústrias e deram certo, a ponto de as empresas se tornarem referência em qualidade de vida. Um caso interessante aconteceu em São Paulo, e se alinha com o que falei anteriormente, de usar o ambiente a seu favor.

ma empresa paulista, essencialmente vertical, decidiu adesivar todos os seus degraus, informando quantas calorias cada um deles queimava, e como isso se equivalia em exercícios concentrados, como caminhadas por exemplo. Foi uma ferramenta que, ao longo do dia, permitiu que os funcionários fizessem um controle rigoroso da movimentação que faziam.

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O resultado foi que, em pouco tempo, poucas pessoas continuavam usando os elevadores, e a circulação das equipes se concentrou massivamente nas escadas. É um caso típico de uma empresa que pensou além. Hoje, vemos a indústria, e mesmo os governos, pensamento muito em crescimento e expansão.

Não dá para esquecer que crescimento tem de estar necessariamente alinhado com a qualidade de vida. Só assim, de fato, temos desenvolvimento. E numa ótica macroscópica, uma alternativa barata e funcional pra isso é pensar em transportes alternativos, menos agressivos e que realmente estimulem uma busca por saúde e equilíbro por parte das pessoas.

A Notícia – As bicicletas, por exemplo?

Márcio Atalla – As bicicletas são o futuro. Pedalar é uma atividade que reúne tudo: mobilidade, qualidade de vida, saúde e meio ambiente. O ideal é que as pessoas tenham condições de fazer todo o trajeto, de casa até o trabalho e de volta para casa, dependendo apenas da bicicleta. Devido a horizontalização das cidades brasileiras, contudo, nem sempre é possível.

É aí que entra o investimento público, que não se resume apenas em injetar mais e mais ônibus nas ruas, mas também a planejar a mobilidade da sua população. Regiões assim precisam que se pense em maneiras de amenizar os transtornos dos engarrafamentos e tirar o grande volume de carros das ruas, e a bicicleta é o melhor caminho para isso. Integração entre bicicleta e transporte coletivo, por exemplo, já é uma realidade em alguns países europeus, e não tem motivos para não funcionar aqui.

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A Notícia – De acordo com o Instituto de Planejamento de Joinville (Ippuj), 11% dos trajetos feitos na cidade acontecem nas bicicletas. Em relação ao quadro nacional, qual a relevância desse número?

Márcio Atalla – É um índice bem representativo, ainda mais para uma região tão voltada para a indústria. Qualquer análise rápida em dados do IBGE vai mostrar que Santa Catarina tem indicadores bons nos campos que representam a qualidade de vida.

Talvez por uma questão cultural, percebemos que a população não abre mão da bicicleta para muitas atividades diárias, e quem ganha com isso é a cidade como um todo. Cada pessoa que escolhe a bicicleta ao carro representa um veículo a menos nas ruas ou um espaço a mais nos ônibus. Além do evidente investimento na saúde individual.

É o tipo de atividade que se transforma em exemplo nos círculos de amizades e tende a se espalhar. Na prática, esse número mostra que existe espaço para ampliação dessa opção, já que andar de bicicleta comprovadamente funciona.

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A Notícia – Na sua visão de especialista, qual o principal papel do poder Público na manutenção da qualidade de vida da sua gente?

Márcio Atalla – O poder público dificilmente pode pensar em qualidade de vida sem pensar em investimento. O grande diferencial, aqui, é o planejamento. O governo precisa planejar como a mobilidade sobre os pedais vai acontecer para que ela seja funcional. Em resumo, oferecer as condições ideais para que, naturalmente, a população veja vantagens em adotar os meios alternativos.

Mas para isso, é necessária uma revisão nas políticas de Saúde Pública. A gente ainda custa a entender que com ajuda de projetos efetivos dos governos estadual e municipal para a melhoria da qualidade de vida, vamos diminuir as demandas nos hospitais, gastando cada vez menos com medicina curativa. É só investir no que chamamos de medicina preventiva.

A Notícia – E em relação ao resto do mundo, como estamos pensando a qualidade de vida relacionada à infraestrutura?

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Márcio Atalla – Ainda pensamos pequeno. É claro que temos um agravante, que é a falta de planejamento. E quando falo de planejamento, não falo de nada a curto prazo, e sim de uma planilha clara de metas e objetivos que deveria ter sido estipulada anos atrás.

Sabemos que quando uma cidade se torna 100% urbanizada, como é o caso de São Paulo, é muito difícil voltar alguns passos no processo e torná-la mais ecológica, mais sustentável, a infraestrutura não permite que se faça isso sem gastos astronômicos.

Como o governo vai reformar um centro grande e consolidado em uma cidade que mal tem espaço para os pedestres, corredores ou ciclistas, por exemplo? Faremos ciclovias ligando nada a lugar nenhum?

É fato que pensar em ciclovias e outros modos alternativos é um investimento barato se comparado a metrôs ou elevados, mas tudo tem que ser feito com cuidado, bem planejado. O Brasil ainda está acordando para a preocupação com qualidade de vida, e temos algumas regiões que puxam esses índices, como é o caso do Norte de SC.

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A Notícia – E de que forma a população pode, de certa forma, “driblar” esses desafios impostos pelas esferas públicas?

Márcio Atalla – Independência. É saber que você não precisa da ciclovia mais moderna nem do calçadão mais bem estruturado para fazer um exercício. Mesmo para os mais atarefados, reservar um tempo do dia para atividades programadas pode mudar drasticamente os quadros físicos e psicológicos das pessoas. Temos que lembrar que existem quatro fatores determinantes que condicionam a saúde do ser humano: o estilo de vida, o meio ambiente, a assistência médica e a genética.

Ao contrário do que muitos pensam, o estilo de vida tem muito mais importância do que a genética na equação da saúde, e o melhor de tudo é que de todos os fatores, este é o mais fácil de ser modificado. E movimentar o corpo. O movimento corporal é condição indispensável na busca pela saúde equilibrada, sabendo como otimizar o pouco tempo para tirar o máximo de aproveitamento para o bem-estar.

A Notícia – Muitas pessoas aplicam essa mesma independência quando o assunto é alimentação. Até que ponto isso é recomendado?

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Márcio Atalla – Não é como se todo mundo que quisesse fazer uma alimentação saudável precisasse passar por nutricionistas ou especialistas. Claro que estes profissionais têm um papel importantíssimo na orientação e acompanhamento, mas qualquer um pode ficar atento com o que come. A mudança vem de dentro, afinal de contas.

Por volta dos anos 80, tínhamos índices que apontavam o quadro alimentar do brasileiro como sendo 70% baseado em produtos naturais e 30% em produtos industrializados. Estamos em 2014, e esse quadro se inverteu. Muita gente se engana, mas está fazendo uma alimentação muito melhor quando come um prato de arroz e feijão do que quando come uma barra de cereais industrializada.

A Notícia – A boa classificação de Joinville no IDH nacional se deve, em grande parte, ao índice de longevidade estar acima da média. Na prática, para se pensar a Joinville que queremos, esse indicativo representa o quê?

Márcio Atalla – Se a população está envelhecendo e crescendo ao mesmo tempo, é um indicativo de que a cidade está se desenvolvendo. As pessoas estão vivendo mais, e isso não acontece sem qualidade de vida. Na prática, isso aponta que a cidade está bem, sim, mas também que, em pouco tempo, as políticas de saúde pública vão precisar ser revistas. Uma população com mais idosos vai precisar de estruturas diferentes, que atendam essa parcela da população. E isso é o futuro, na íntegra.

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Cidades que não só pensem em todas as idades, mas que ofereçam estrutura para que todas elas tenham seu espaço, seus próprios meios de buscar a qualidade de vida, para além daquilo que o poder público oferece. Mais uma vez, o fator principal fica na determinação e na independência.