Referência mundial nos estudos sobre as transformações sociais provocadas pelas novas tecnologias, o sociólogo espanhol Manuel Castells ministrou na noite desta quinta-feira uma aula magna em Florianópolis com o tema “Vigilância, Contravigilância e Privacidade em um Ambiente Digital“. O evento, organizado no Teatro Governador Pedro Ivo, fez parte da programação dos 50 anos da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Antes da palestra, Castells concedeu uma entrevista na sede do Diário Catarinense. Confira os principais trechos:
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Privacidade na era da internet
Para Castells, o preço que o usuário de internet paga para utilizar diversos serviços de maneira gratuita são os seus próprios dados pessoais. “Há um acordo implícito: você utiliza os serviços das empresas e elas pegam seus dados, empacotam e vendem para a publicidade. Cerca de 90% dos ingressos do Google vêm de vendas à publicidade. Vendem nossos dados para fazer marketing específico para cada uma das pessoas. Como a publicidade sempre financiou a imprensa e a televisão, agora financia também a internet, e a forma de financiamento é através dos nossos dados”.
O estudioso acredita que o fato de que não há mais privacidade do mundo depende de dois fatores: “Os governos vigiam a todos, invadindo nossa privacidade. Além disso, as empresas de internet necessariamente têm que romper nossa privacidade porque só assim podem subsistir como modelo de negócio. Fiz um artigo sobre isso e coloquei como título ‘Vigiados e vendidos'”.
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Bolha ideológica
Ao tratar do tema das mídias sociais digitais, Castells opinou sobre o algoritmo do Facebook, que privilegia que apareçam, na linha do tempo, conteúdos de interesse do usuário. “O grande problema de encerrar-se em espaços de comunicação pré-determinados por afinidade é que você nunca sabe o que se passa em outro mundo, nunca sabe o que passa além dos seus amigos e acaba acreditando que o mundo é o “seu mundo”. Com isso, outros mundos tornam-se universos de alienígenas, de outra espécie, e a raíz da violência está nisso. Estamos construindo minicomunidades do que somos e renegando o que não faz parte disso, como se fossem extraterrestres. E você só pode matar quando a espécie é outra”.
Movimentos sociais
Castells classificou as três últimas ondas de protestos no Brasil – 2013, 2014 e 2015 – como três processos espontâneos e distintos. “Em 2013 foi um movimento de jovens, que começa com revindicações por transporte e se extende para todas as grandes demandas sociais, que é contrário à corrupção e pede reforma dos serviços sociais. Recebem certa legitimidade da própria presidente Dilma Rousseff, que em julho de 2013 fala de reconhecer a voz da rua e sobre tentar fazer um projeto de reforma constitucional. Também líderes importantes como Marina Silva reconheceram e aderiram ao movimento”.
Para Castells, as manifestações de 2014 foram uma mesca de uma ala mais radical do movimento que tentava boicotar a Copa do mundo e a utilização desse movimento por parte de grupos de extrema direita que tentavam fazer uma crítica frontal ao Partido dos Trabalhadores (PT) ao governo de esquerda.
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“Em 2015 é claramente outro movimento, um movimento de classe urbana média e média alta, as manifestações de São Paulo a maioria das pessoas ganhava mais de cinco salários mínimos e 20% ganhava mais de dez salários mínimos, são mais velhos, entre 25 e 44 anos, são diretamente políticos contra a corrupção política de todos os partidos, mas centram a crítica no governo de Dilma Rousseff e no PT e tentam deslegitimar o governo por reações contra políticas de redistribuição social, pedindo o mercado como única forma, um movimento neo-liberal”, explica o sociólogo.
O espanhol afirma que os três movimentos são diferentes, mas têm características comuns: “Qualquer que seja a ideologia e os grupos sociais de cada movimento, todos utilizam a mobilização através da internet e celulares, todos se auto-organizam e desenvolvem o protesto de forma extra-institucional. Como a política institucional está controlada por uma casta de políticos profissionais, qualquer setor da sociedade, de classe popular ou classe média alta e qualquer ideologia, estão usando essas formas de movimento como formas de expressão que já não passam por instituições. As instituições não representam os cidadãos e os cidadãos, de todas as ideologias, estão buscando novas formas de se expressar e de gerar outro tipo de democracia”.
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“As empresas de internet têm que romper nossa privacidade para subsistir como negócio”, diz Castells