Apesar de ser um assunto recorrente nos últimos meses, principalmente depois de ter acometido 41% do rebanho suíno da China, a Peste Suína Africana (PSA) já estava no radar humano desde o início do século 20. Mas foi em agosto de 2018 que o mercado realmente sentiu seus efeitos. A doença se alastrou no maior produtor da proteína no mundo, a China, impactando diretamente a economia mundial, e também, claro, a exportação da carne suína de Santa Catarina.

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Região também forte na produção e exportação de suínos, o Estado possuí a certificação da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) como área livre de doenças como febre aftosa e peste suína clássica. Isso o torna um atraente fornecedor de proteína animal, principalmente para países criteriosos e hoje atingidos por vírus altamente contagioso, como o da China.

Com isso, Santa Catarina tem uma excelente oportunidade de expandir as exportações para mercados com muita demanda e gerar mais receita em tempos de recessão econômica, tornando o agronegócio, já responsável por 34% do PIB estadual, um gigante. Mas isso só será possível mantendo-se livre dessa doença que dizimou milhões de suínos no mundo, prezando pela excelência na questão de sanidade animal.

Entenda a Peste Suína Africana

Segundo aponta a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o vírus da Peste Suína Africana surgiu no leste e sul da África no início do século 20. Atingiu primeiramente porcos selvagens e uma espécie de carrapato portador do vírus. Nos anos 20 atingiu criações de suínos domésticos no Quênia e, cerca de 30 anos depois, chegou à Europa. A porta de entrada foi Portugal: a transmissão aconteceu quando animais foram alimentados com restos de comida de aeronaves que continham produtos derivados de suínos contaminados com a Peste Suína Africana.

A doença se espalhou para Espanha, Itália, França, Bélgica, Malta, Holanda. Chegou também na América do Sul e Caribe na década de 90. No sudeste europeu e na Rússia a PSA chegou no ano de 2007. Em 2014, atingiu o leste europeu. O vírus da PSA foi detectado na China em 2018 e também na Hungria, Mongólia, Vietnã, Cambodja e Hong Kong.

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O vírus da PSA é transmitido pelo contato direto entre suínos infectados. Também é transmitido quando o animal ingere produtos de origem suína cuja proteína está contaminada. Essa, inclusive, é a via que possibilitou que o vírus alcançar tantos lugares tão distantes uns dos outros. Também foi assim que ele chegou ao Brasil, em 1978, em suínos de subsistência criados no Rio de Janeiro, no município de Paracambi. Ao que tudo indica a contaminação aconteceu como em Portugal: no trato de animais com restos de comida de avião.

Resistente, ele ainda pode ser transmitido por meio de equipamentos, sapatos, vestuários e em meios de transporte por onde passaram animais contaminados. O vírus pode permanecer vivo nas fezes dos animais por até três meses e, em alimentos (produtos maturados), até nove.

O Brasil está livre da PSA desde 1984, data em que a doença foi considerada erradicada do país, assim como nos países da Europa Ocidental. A situação, porém, continua crítica na China, Bulgária, a Polônia e a Lituânia. Estes três últimos, inclusive, foram apontados pela Comissão Europeia como áreas de alto risco à doença.

Agência de Notícias - Embrapa Suínos e Aves - Mapa PSA 2019 - Cópia
Mapa PSA 2019 (Foto: Embrapa)

A Peste Suína Africana é inofensiva em humanos, mas nos suínos a chance de sobrevivência é praticamente nula. Os principais sintomas nos animais são febre alta, falta de coordenação motora, coloração avermelhada na pele, hemorragia nas orelhas, patas e nariz, depressão, perda de apetite, diarreia e problemas respiratórios. Também é causa de morte súbita.

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Mas ainda que não seja uma zoonose, ou seja, não há risco para a saúde do homem, a PSA representa um risco ao mercado. E este entrou em desespero quando, em agosto do ano passado, o vírus atingiu os suínos chineses, maior rebanho em todo o mundo, dizimando 41% dele.

A China tinha, até o avanço da PSA no país, cerca de 428 milhões de cabeças de suínos e chegou a produzir cerca de 54 milhões de toneladas da carne em 2017, sendo considerado o país com maior produção da proteína. Até o final do ano, de acordo com o banco holandês Rabobank, a estimativa é que o rebanho seja reduzido em 55%.

Crise para uns, oportunidade para outros

O que acontece na China e se alastra para seus vizinhos asiáticos se tornou uma ótima oportunidade para o Brasil, forte produtor de proteínas animal. Santa Catarina aqui tem um destaque especial, uma vez que é o único estado com reconhecimento da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) como Área Livre de Febre Aftosa sem vacinação, que mantém desde 2007, e também o de Zona Livre de Peste Suína Clássica – PSC.

Tamanha confiança na produção catarinense logo refletiu em excelentes números ao longo de 2019. O Estado ampliou em 64% a quantidade de carne suína exportada para a China e Hong Kong, chegando a 662,7 mil toneladas do produto e seus subprodutos embarcados entre janeiro e novembro. Em relação ao faturamento, também houve aumento, e hoje o país é responsável por 54,7% da receita de exportação da carne catarinense, segundo dados do Ministério da Economia em análise com o Cepa.

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E a tendência para 2020 é que as exportações continuem a aumentar. Para Enori Barbieri, vice-presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (Faesc), o próximo ano para o agronegócio catarinense será positivo.

— O que eu vejo para o futuro é que vamos viver um bom momento. Já estamos vivendo: as exportações de carne catarinense deve chegar a 500 mil toneladas esse ano. E para a China elas continuarão numa larga escala por um bom tempo. A baixa que eles tiveram com o rebanho foi muito significativo, deve demorar pelo menos uns sete anos para aumentar novamente a população suína. Então a previsão é que esse aquecimento de exportação gere muitos empregos em Santa Catarina, muita movimentação econômica, principalmente para cidades do interior que vivem da movimentação econômica de ICMS do agronegócio —explica.

Enori ainda ressalta que o bom momento refletirá em toda a cadeia de produção animal:

— A demanda pela carne aumentou também o preço dos grãos, que está valorizando. Isso gera demanda por mão-de-obra. O impacto deve positivo em todos os pontos — comemora.

Claro que para continuar exportando para o mercado asiático e internacional de maneira geral o estado deve prezar por aquilo que tem sido seu diferencial entre outros exportadores: a excelência no status de sanidade animal e a garantia de que a PSA não atingirá seus suínos.

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Status sanitário é o diferencial de SC
Status sanitário é o diferencial de SC (Foto: Angelica Luersen)

Status sanitário como diferencial e constante preocupação

De acordo com a OIE, a dificuldade da China em conter a doença está relacionada à forma como os animais são criados no país. Estima-se que lá 20% das propriedades mantenham de um a 500 animais. Sem obedecer diretrizes estabelecidas por órgãos de vigilância sanitária, esses animais são, frequentemente, alimentados com restos de comida que podem conter o vírus.

Esta é uma das práticas já abolidas no estado de Santa Catarina, que ainda que nunca tenha vivido a crise da PSA, já passou por momentos nebulosos com a Peste Suína Clássica e outras epidemias que atingiram populações de aves e também de bovinos, como a febre aftosa.

Em um trabalho minucioso e até exaustivo, que englobou ações de vários setores públicos e privados, além dos pequenos produtores, dos revendedores e até do consumidor final, foi possível erradicar doenças e se tornar estado-modelo no que diz respeito à sanidade animal. Mas manter este status sanitário é uma luta constante e cada vez mais ações de prevenção são adotadas para que doenças como a PSA se mantenham longe.

De acordo com Jorge de Lima, gerente executivo do sindicato das Indústrias da Carne e Derivados de Santa Catarina (Sindicarne), visando os riscos da PSA, novos controles estão sendo seguidos, tanto na área pública como na iniciativa privada.

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No âmbito da área pública a Cidasc, juntamente com o Icasa, Polícia Militar e Defesa Civil mantém a fiscalização ativa nas barreiras sanitárias e controle total da entrada de animais no estado, além produtos e subprodutos de origem animal. Profissionais da Companhia também realizam anualmente simulado de emergência em suínos, reuniões com técnicos da agroindústria e eventos de educação sanitária com produtores rurais.

Juntamente com o governo federal a fiscalização em portos e aeroportos já foi intensificada. Qualquer alimento oriundo de algum país com foco de PSA deve ser incinerado. Alimentos de origem animal não processados também serão barrados e descartados.

Na iniciativa privada foram desenvolvidos novos programas de conscientização para integrados e cooperados alertam para os riscos da PSA e as melhores formas de prevenção. Entre elas estão: a aquisição de matrizes e reprodutores apenas com certificação de que o animal não possui nenhuma doença; evitar ao máximo visitas na propriedade, e, se necessárias, ter o devido controle e fazer a esterilização correta; utilizar caminhões desinfetados para o transporte de animais, e levar sempre em mãos a Guia de Trânsito Animal – GTA.

Além de tudo, para Lima, o debate acerca da sanidade animal e os riscos de qualquer descuido nesse sentido deve sempre estar em pauta, tanto nas instituições como entre os cidadãos.

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— A pauta da sanidade tem que ser recorrente para o Estado e entre os consumidores. É um tema que precisamos discutir com mais intensidade, sem cair no esquecimento nunca. Afinal, só conquistamos esse nível de excelência por ações diárias de todos os órgãos envolvidos em fiscalização e prevenção. Disso consumidores e transportadores devem estar cientes. Se falharmos nisso podemos arruinar municípios catarinenses que vivem desse segmento, dessa produção – enfatiza.

Saiba mais sobre o agro catarinense.