É na descida da montanha-russa que Guido Mantega completa nesta quinta-feira oito anos no comando da economia brasileira, o maior período contínuo de um ocupante do cargo. Combater a inflação que insiste em não ceder e fazer o país crescer com juro mais alto tem se mostrado tarefa bastante complicada até mesmo para alguém conhecido pelo otimismo.

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Em contraste com a maioria dos que ocuparam a pasta antes dele, Mantega, nascido na Itália e criado em São Paulo, não é econômico, ao menos nas palavras. No início da semana, tachou o rebaixamento de nota do Brasil feito pela agência de risco Standard & Poor’s de “inconsistente.” Em 2012, chegou a chamar de piada uma projeção de que o país cresceria menos de 1,5%. Depois, a estimativa se mostrou até otimista: o avanço foi de somente 1%.

Foi apenas um de seus diversos embates. Como o “pibão” – expressão popularizada por ele – de 2010 não se repetiu, Mantega passou a ser questionado dentro e fora do país. No ano passado, chegou a ter sua demissão proposta pela revista britânica The Economist, referência no universo financeiro. Prontamente rebatida pela presidente Dilma, a interferência acabou garantindo mais tempo no cargo.

– Política econômica não se faz no gogó. Não adianta prometer, é preciso cumprir – diz o analista João Ricardo Costa Filho, da Pezco Mycroanalysis, citando a redução dos gastos públicos, que investidores e economistas do mercado financeiro costumam cobrar.

Sob a batuta de Mantega, o país viveu fases distintas. Em 2006, primeiro ano no ministério, a inflação foi de 3,14%, muito abaixo dos 5,91% de 2013. O crescimento oscilou e se acomodou em números tímidos. Entre políticos de oposição, Mantega é chamado de “homem fraco em um ministério forte”, que só manteria o cargo por nunca contrariar a chefe.

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– Ele não tem o jeito durão de Dilma. A maneira como ele conduz as coisas é um pouco diferente. O que não significa que não se posicione quando tem opinião diferente – relata Júlio Gomes de Almeida, que foi subordinado direto de Mantega na Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

De ministro-tampão, Mantega conseguiu se consolidar no cargo. Em seu melhor momento, fez a economia atravessar a crise financeira internacional de 2008 e 2009 sem grandes sobressaltos. Foi dele a ideia de utilizar bancos públicos para injetar dinheiro na economia e estimular a iniciativa privada, evitando uma recessão mais profunda.

Três anos de PIB baixo e inflação

Oriundo do meio acadêmico, Mantega chegou ao Ministério da Fazenda quase por acaso. Até então o posto pertencia a Antonio Palocci, escolhido para o cargo no lugar do assessor econômico de Lula para tranquilizar o mercado. Palocci foi apeado do cargo pelo relato de um caseiro, Francenildo Santos Costa, sobre sua assiduidade em uma mansão suspeita em Brasília.

Ao deixar a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e assumir o comando das finanças do país, Mantega cunhou um estilo diferente do antecessor, um ex-marxista que aderiu à liberdade de mercado e ao combate à inflação. O atual ministro se define como desenvolvimentista – com mais foco no crescimento do que no freio na inflação. Acabou acumulando três anos de preços em alta e PIB baixo. Nos corredores do Planalto, sabia-se que a divergência entre Palocci e Mantega não se limitava à orientação econômica. Nas inexistentes esquinas de Brasília, há sussurros sobre a ligação entre o ministro e José Dirceu. De concreto, só há vários textos de Dirceu em defesa da permanência de Mantega.

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Humor de samurai à prova

Diante de críticas pesadas sobre os rumos da economia, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, cultiva a disciplina, a calma e o ânimo típico dos samurais, relatam auxiliares. O jeito falador – uma das suas marcas – não se repete quando o assunto é a vida privada.

Costuma ser reservado e manter distância até mesmo dos funcionários mais próximos. Manteve em sigilo a doença da mulher, a psicanalista Eliane Berger Mantega, que combate um câncer desde 2012. Os mais fortes rumores de que Mantega sairia do governo foram alimentados por uma suposta intenção de se dedicar à família.

Quem já conviveu com Mantega garante: o tom otimista do ministro, que algumas vezes chegou a virar piada entre os críticos do governo, não se aplica apenas a projeções no cenário econômico. No dia a dia, mantém sempre a disposição de ver as coisas pelo lado positivo. Entre os adjetivos usados para definir o ministro, estão humilde, dedicado e leal – qualidades que teriam feito Lula convidar o então chefe de gabinete da Secretaria do Planejamento de São Paulo no governo Luiza Erundina para ser seu assessor econômico direto.

Adversários não poupam depreciativos, como “burrinho”, “Forrest Gump” e “herbívoro”, este último uma alusão crítica ao fato de ele não “morder na carne” – fazer as ansiadas reformas estruturais. Com autocontrole de um praticante de caratê, Mantega não leva os comentários azedos para o lado pessoal e credita as críticas a diferenças na visão ideológica e à “dor de cotovelo” dos opositores. Que, ao menos até agora, não têm nas mãos um escândalo de grandes proporções para aquecer o óleo da fritura ministerial.

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Celebridade em família

Enquanto o pai veste terno e gravata e passa o tempo discutindo os rumos da economia brasileira, Marina Mantega ganha holofotes posando de biquíni – ou sem – para revistas. Mas ser filha de ministro não é fácil, garante a jovem que por diversas vezes diz ter dificuldades de arranjar namorado por causa do cargo que o pai ocupa. No fim do ano passado, chegou a ser apontada como affair do humorista Eduardo Sterblitch, do programa Pânico. O namoro nunca foi confirmado.

Também ganhou espaço nas revistas de fofoca o suposto “calote” que Marina deu na até então amiga Carol Magalhães, neta de outro figurão da política, Antônio Carlos Magalhães. As duas estavam na Europa quando o cartão de crédito da filha do ministro estourou. A amiga se dispôs a bancar a gastança da colega sob a promessa de que os valores seriam devolvidos assim que retornassem. Ao que tudo indica, não foi bem o que aconteceu, e a amizade ficou estremecida.

Um ministro em oito tempos

2006

Em março, após o ministro da Fazenda Antonio Palocci, considerado o homem forte do governo, cair em desgraça com o escândalo do caseiro Francenildo, o presidente Lula decide dar uma guinada no governo. Transfere Guido Mantega da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para o Ministério da Fazenda.

2007

Mantega sofre a primeira grande derrota ao tentar prorrogar a CPMF. O governo federal queria a manutenção da cobrança, com alíquota de 0,38%, até 2011. A oposição conseguiu, no Senado, o fim da cobrança, que deixou de existir no final daquele ano, fazendo o governo perder receita anual de R$ 44 bilhões.

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2008

Para compensar a perda da CPMF, o Palácio do Planalto é obrigado a elevar impostos. O bom momento dos preços de commodities no mercado internacional ajuda o Brasil a se manter firme durante a crise econômica mundial. Entra em cena o receituário que ajudou a economia nacional a sobreviver à crise financeira iniciada nos EUA.

2009

Com os mercados internacionais em retração, Mantega, por meio de bancos públicos, derrama crédito no mercado. A estratégia funciona e o país sai com poucos arranhões da crise internacional. O ministro resiste em reduzir a economia que o governo precisa fazer para pagar juros da dívida, mas é vencido pelos colegas Dilma Rousseff e Paulo Bernardo.

2010

Colhendo resultados do passado, o país cresce em ritmo chinês e Mantega vive o seu melhor momento no governo. Apesar do PIB alto, começam os problemas para cumprir a meta de superávit. Para fechar o caixa, o governo faz, às pressas, a capitalização da Petrobras, o que não é bem-visto pelo mercado, que critica a manobra adotada.

2011

Começam as primeiras críticas de Mantega aos juros altos cobrados pelos bancos. Banqueiros evitam comentários abertos, mas a relação entre governo e mercado fica fissurada. A ideia é de que a redução forte da taxa Selic serviria de estímulo suficiente para dar impulso à economia. Não é o que ocorre e o PIB desacelera.

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2012

Pressionados pela queda nos juros cobrados por bancos públicos, instituições privadas começam a exigir taxas menores. Mesmo assim, a economia patina, e sobe o tom das críticas. Quando o Credit Suisse, um dos bancos mais respeitados do mundo, reduz expectativa de crescimento do Brasil de 2% para 1,5%, Mantega classifica como piada.

2013

Diante do resultado decepcionante do PIB do Brasil no terceiro trimestre, a revista The Economist eleva o tom contra as intervenções do governo brasileiro na economia e afirma que a presidente Dilma Rousseff deveria demitir o ministro da Fazenda e substituir sua equipe econômica. Mantega se sente ameaçado, mas Dilma o mantém no cargo.