Valquíria Carmen Sousa, 35 anos, é manicure. Menos nas sextas-feiras à noite, quando, por um momento, ela esquece a profissão e entra no universo que tanto sonhou quando criança: virar cantora.

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Em um videokê em São José, na Grande Florianópolis, ela se esbalda entre as doces lembranças do passado e o presente. Nessa mistura de sentimento, sobe no palco e solta a voz no microfone. Canta uma, duas, três músicas. A maioria românticas, suas favoritas.

– Ninguém aqui passa vergonha, nem quando erra – conta Valquíria.

Como ela, centenas de pessoas mantêm viva a mania dos videokês na região. Da febre que foi nos anos 90, eles só não caíram no completo esquecimento graças a essa turma fiel e fanática.

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Só dois bares na atividade

Na região, restaram apenas dois locais – o Tropicália, no Bairro Ponta de Baixo, e o Cantinho da Fama, no Kobrasol.

Iluminados por holofotes, cantores anônimos viram profissionais por uma noite. Alguns começam tímidos, mas se soltam ao longo da “apresentação”. Há quem entre no clima, feche os olhos e faça caras e bocas. E o sertanejo antecede o rock, que dá lugar ao reggae, e assim vai.

– O legal é cantar por hobby, sem compromisso – diz o psicólogo Rafael Ceravolo, 40 anos, frequentador de videokês.

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Tem gente que leva a sério

No Tropicália, o mais antigo em atividade, já rolou até campeonato de videokês, com direto a troféu e dinheiro como premiação. Em abril, agora, acontece a 4ª edição. É uma forma de incentivar os participantes que levam a modalidade a sério, segundo a proprietária Vera Lúcia Medeiros, 38 anos.

Em 10 anos de videokê, ela já viu pessoas se conhecerem no local, formarem uma banda e tocarem profissionalmente pela região.

– Para quem gosta de cantar, isso aqui é um vício. Eles chegam a brigar. Agora implantamos senhas, para não dar briga – conta.

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Alguns cantores

Glaucia de Oliveira

::: Idade: 37 anos

::: Profissão: Motorista particular

::: Onde mora: Fazenda do Max, São José

::: O que canta: O bêbado e a equilibrista (de João Bosco e Adir Blanc), Um anjo veio me falar (Rouge)

::: Seu lema: “Não subo no palco para brincar, para passar vergonha. Naquele momento, lá em cima, sou profissional.”

Fotos Betina Humeres/Especial

Glaucia teve a música sempre presente na vida. Quando criança, chegava a gravar fitas K7. Seguir carreira profissional era um sonho. Chegou a vencer um concurso nacional de canto. Mas a vida quis diferente. Glaucia casou cedo, aos 16 anos, e o marido nunca permitiu que ela cantasse. Hoje, separada, ela frequenta videokês até três vezes por semana:

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– Aqui não precisa ter preocupação de ser profissional. Se tu dá uma escorregadinha, ninguém te julga. A música é uma paixão.

Rafael Leonardo Ceravolo

::: Idade: 40 anos

::: Profissão: psicólogo

::: Onde mora: Ponte do Imaruim, Palhoça

::: O que canta: músicas de Frank Sinatra e Celine Dion

::: Seu lema: “O bom do videokê é cantar do seu jeito livre. Você pode interpretar do jeito que quiser. Eu canto para mim, para os meus amigos. Não tenho vergonha, não devo nada a ninguém.”

Das poucas vezes em que vai ao videokê, Rafael logo se destaca entre os cantores. Sobe no palco só para cantar músicas em inglês. Adora interpretar Frank Sinatra e Celine Dion e o faz com o coração: fecha os olhos, abre os braços, mescla o grave e o agudo, sente a música vir de dentro. Rafael cresceu ouvindo música clássica, MPB e Bossa Nova. Gosta mesmo é daquelas músicas que marcaram décadas.

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– É um hobby, não um compromisso e essa é a graça. Já tenho a minha profissão, que amo. Cantar é para distrair – conclui.

Garçons no palco na hora de fechar

Nem os garçons ficam de fora. Há um ano trabalhando no Tropicália, Richard Müller, 23 anos, volta e meia pode ser visto também no palco, entre um pedido e outro:

– Tem gente que tem vergonha de subir no palco para cantar. Aí eu me ofereço para ir junto.

No Cantinho da Fama, os proprietários Marco Antônio Zytkuewisz Moutinho, 25 anos, e Marco Antônio Moutinho, 53 anos, pai e filho, encerram a noite cantarolando no palco. Às vezes, os garçons os acompanham também. É o jeito que encontraram de avisar os clientes do fim dos trabalhos.

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– A gente tinha a intenção de abrir um bar, mas o Kobrasol já está bem servido. Então, optamos pelo videokê e nos surpreendemos com o público que começou a surgir – conta Marco Antônio, o filho.

Onde encontrar

Tropicália

::: Onde: Rua Assis Brasil, 5.814, Ponta de Baixo, São José

::: Quando: de terça-feira a domingo, das 20h às 2h. Nas sextas e sábado, o videokê funciona até meia-noite (depois, dá lugar a uma banda)

::: Quanto: de R$ 5 a R$ 10 apenas na sexta e sábado. Nos demais dias, a entrada é gratuita

::: Melhor dia: domingo

::: Playlist: mais de seis mil músicas

::: Informações: (48) 3343-0122.

Cantinho da Fama

::: Onde: Rua Caetano José Ferreira, 424, Kobrasol, São José

::: Quando: diariamente, das 20h às 2h. Nas sextas e sábados, até as 4h

::: Quanto: R$ 2

::: Melhor dia: sexta e sábado

::: Playlist: mais de seis mil músicas

::: Informações: (48) 3357-6859 ou (48) 8433-3339.