Alésio dos Passos luta (mesmo que involuntariamente e até sem perceber) para que as histórias de Florianópolis e as suas próprias não sejam vítimas de uma esquina do tempo e se percam. Manezinho da Lagoa da Conceição, no Leste da Ilha, ele ocupa o lugar no mundo que já foi de seu avô e de sua mãe. A casa onde mora desde que nasceu abriga hoje mais de 700 espécies de plantas no jardim — que ele faz questão de chamar de coleção.
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As plantas de diferentes países, formas e cheiros ajudam Alésio a guardar num espaço físico seus 73 anos de vida. Conta com exatidão — e apenas com o auxílio da memória — o nome popular, científico e a função de tudo que plantou. É uma enciclopédia viva com formação em Estudos Sociais, especialização em Educação Ambiental e pós-graduação em Gestão da Educação.
A ligação com as plantas surgiu na vida do manezinho ainda na infância. Ele lembra do jardim mais modesto, mas já cheio de plantas que os pais mantinham. Dali saiam chás, temperos e infusões que ajudam nas mais variadas doenças. O conhecimento veio como herança e hoje são as plantas que contam sobre ele. Por meio delas se tornou um bruxo e “eco inconveniente”, como foi apelidado de forma jocosa, mas acabou gostando. Saber a etimologia, a função e cheiros de cada uma deu a Alésio uma profissão: especialista em plantas medicinais.
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O homem de pouco mais de 1,68 metro e dono de uma longa barba branca se embrenha no jardim à procura da pimenta da jamaica, seu xodó, para contar uma história. Suas folhas exalam até quatro perfumes diferentes, motivo que encanta Alésio e que deixa escapar características marcantes de sua personalidade: a atenção e apreço aos detalhes.
São essas mesmas características que estão presentes na forma com que Alésio fala de Florianópolis. Ele lembra da infância, do silêncio e escuro que marcaram esse período de sua vida. Silêncio porque parte dos sons que ouve hoje — vai-e-vem de carros, televisões, música nos celulares, por exemplo — não existia no passado.
Já o escuro era a marca do fim do dia. Não é como se agora o céu não escurecesse, indaga Alésio, mas é que antes dava de ver os vagalumes e hoje, acredita o manezinho, muitas crianças nem sabem o que é esse bicho. Sem luz elétrica, ele e sua família se recolhiam logo que o sol deixava de brilhar. Era melhor descansar assim, confidencia.
A Florianópolis da infância de Alésio tinha mais peixe e menos gente de fora. Entre suas memórias, lembra quando viu os primeiros turistas e quando a luz chegou à Lagoa da Conceição em 1910. Dos carros que desciam o morro “abre-alas” do bairro e se tornavam atração para os moradores.
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Apesar do manezinho tentar manter e ter apreço pelas raízes, a cidade mudou com o tempo nessas sete décadas em que ele vive. Ele sabe e não está parado no tempo. É ativo no WhatsApp e no Instagram. Na última responde às dúvidas que chegam via DM sobre as plantas e suas funções medicinais. Não prescreve o uso e nem dosagens, pois não é médico, como gosta de frisar. Mas faz questão de contar uma história que se perde aos poucos e que não está nos livros. A história de sua vida.
Fala das bruxas, do crescimento desordenado dos entornos da Lagoa da Conceição, das andanças por pelo menos 250 dos 295 municípios do Estado, da paixão pela praia e especialmente banho de mar (“isso cura tudo”, diz Alésio), de quando encontrou uma foto sua em uma exposição na Europa, das casas dos parentes que rodeiam à sua. Comenta das receitas que a companheira faz usando Panc (Plantas Alimentícias Não Convencionais), do antigo mercado que passou de geração em geração e que continua indo e também de que gosta de comer peixe. Comenta das duas filhas, do Morro da Lagoa e do passeio de barco que fez há cinco anos e que o lembrou que Florianópolis é de fato uma ilha.
— Às vezes, a gente está tão aqui que esquece disso — diz Alésio.
A Florianópolis de Alésio é sua coleção de plantas, o bairro João Paulo onde ele encontra os amigos pescadores, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) onde ele ministra aulas e participa de palestras, o Campeche onde mora uma de suas duas filhas, o bar do Betinho do Deca da Lila onde ele vai com frequência e a Igreja da Lagoa da Conceição.
Mais de 295 mil catarinenses vivem em Florianópolis
Alésio faz parte dos 295 mil estrangeiros que moravam em Florianópolis quando os recenseadores do Instituto Brasileiiro de Geografia e Estatística (IBGE) bateram às portas dos moradores de Florianópolis atrás de informações para compor o Censo de 2010.
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Apesar de já ter prévias do Censo de 2023, o IBGE ainda não diferenciou os dados de quantas pessoas de foram moram aqui atualmente. O que já foi divulgado é que a população cresceu. Conforme dados divulgados até março, são 574.200 mil com DDD 48.
Segundo o dado da Florianópolis de 12 anos atrás, a população de 421.240 habitantes era formada em sua maioria por catarinenses (293.262) e depois por quem veio de outros estados para cá. Gaúchos (53.476), paranaenses (22.363), paulistas (19.624), cariocas (7.988) e estrangeiros (4.622).
De lá para cá a cidade cresceu e a estimativa do IBGE é que vivam aqui agora 574.200 mil pessoas moram aqui.
Floripa 350 anos
A história de Alésio faz parte do projeto Floripa 350 anos, que celebra o aniversário da cidade. De março até dezembro serão contadas histórias sobre a cidade para celebrar a cultura, história e também sobre como Florianópolis cresceu ao longo dos anos.
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Assista o vídeo “Quantas Florianópolis cabem aqui?”
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