Em mais uma cruzada para tentar conter o avanço de preços, o governo decidiu ampliar o crédito para os produtores de alimentos no país. A estratégia, no entanto, é vista com ressalvas tanto por agricultores quanto analistas: isoladamente, a medida não trará o efeito desejado de reduzir a pressão dos hortigranjeiros sobre a inflação.
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O valor que poderá ser emprestado a cada agricultor que cultivar tomate, batata-inglesa, cebola, feijão, mandioca, legumes e verduras passou de R$ 800 mil para R$ 2 milhões. Os demais produtores do país tiveram o seu limite ampliado para R$ 1 milhão. O incentivo já havia sido anunciado recentemente, na divulgação do Plano Safra 2013/2014, mas só foi confirmado na reunião extraordinária do Conselho Monetário Nacional (CMN) na terça-feira.
Para Sergio Schneider, professor de sociologia da alimentação na UFRGS e presidente da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, a liberação de crédito para tentar combater o avanço de preços é uma tática arriscada, pois não há uma relação direta entre aumento na produção e desconto nas gôndolas.
– Para impactar no preço final, é preciso que haja uma série de condições favoráveis. O avanço do dólar, por exemplo, impacta forte na aquisição de agrotóxicos, que são em grande parte importados. Não adianta ampliar a produção se há aumento de custos do outro lado – afirma Schneider.
A opinião é compartilhada pelo assessor de políticas agrícolas da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag), Airton Hochscheid, que avalia ser necessária uma política do governo garantindo preços mínimos mais fortes para ampliar a produção agrícola.
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– Não é de crédito que o produtor precisa. É de garantias de preço. Isolado, esse incentivo pode causar uma falsa expectativa ao produtor, que amplia sua produção em um ano e sofre com excesso de oferta no seguinte – diz o assessor.
Ajudando os vilões a mudarem de imagem
Os sete alimentos que receberam incentivo do Planalto têm registrado aumento bem acima da inflação oficial – que em 12 meses está em 6,5%. Em março, quando o acumulado em um ano atingiu 6,59%, ultrapassando o teto da meta, o tomate tomou momentaneamente o lugar do dragão e se tornou o símbolo da inflação.
O fruto virou motivo de graça e ganhou fama momentânea nas redes sociais. Em uma piada um caqui que se passava por tomate ia para a cadeia. Em outra, o fruto era guardado em um cofre, como se fosse algo muito valioso.
Com a entrada da safra de alguns itens no mercado e com a retirada de impostos de produtos da cesta básica – outra aposta do governo para domar a inflação -, o preço começou a recuar no segundo trimestre deste ano.
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Mesmo assim, o valor dos alimentos continua alto. O quilo da batata-inglesa, outro item que recebeu incentivo para a produção, subiu 146% em maio na comparação com o mesmo mês do ano anterior.
Com a resistência dos preços, especialistas sugerem alternativas para diminuir o custo de produção.
– Apostar em tecnologias que usam menos insumos importados pode ser uma opção para diminuir o preço final. Mas isso significa diminuir a produtividade – afirma Paulo Waquil, professor de economia rural da UFRGS.
Maior produção passa por orientação
Isolado, o maior volume de crédito pode não causar o efeito desejado pelo governo – aumentar a produção e reduzir o preço dos alimentos nas prateleiras – mas se combinado com outras ações pode diminuir o custo para os produtores, apontam especialistas.
Para o professor de economia rural da UFRGS Paulo Waquil, o Planalto deve investir no fortalecimento de mercados institucionais para incentivar o produtor.
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– O governo compra alimentos para a merenda escolar, por exemplo. É um grande comprador. Intensificar esse papel pode ser um grande passo – afirma Waquil.
A Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, lançada no início de junho, também é vista com bons olhos, por representar uma possibilidade de acesso mais fácil do produtor às novas tecnologias.
– Primeiro é preciso saber se vai funcionar de fato, mas a medida vem para reorganizar essa questão da assistência técnica ao produtor, que vinha sendo deixada de lado – avalia o professor de Economia da UFRGS Carlos Mielitz.
Ampliar a infraestrutura para melhorar o escoamento da produção também é considerado fundamental para diminuir o preço dos itens.
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– O alimento chega caro para o consumidor, mas isso não significa que o produtor esteja ganhando bastante. É muito dinheiro perdido no meio do caminho – diz Waquil.
Especialistas opinam sobre o aumento do limite de crédito
Airton Hochscheid
Assessor de políticas agrícolas da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag)
Na prática, não interfere em nada.
Fernando Ferrari
Professor de economia da UFRGS
Qualquer tentativa para reduzir o custo dos alimentos é bem-vinda.
Sergio Schneider
Presidente da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
Aumentar a produção para combater a inflação não tem uma relação tão direta como aumentar a taxa de juro.
Carlos Mielitz
Professor de Economia da UFRGS
Sozinha, essa medida não é suficiente.
Paulo Waquil
Professor de economia rural da UFRGS
O alimento chega caro para o consumidor, mas isso não significa que o produtor esteja ganhando bastante. É muito dinheiro perdido no meio do caminho.
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