Minha visão sobre a Joinville que Queremos, no tema Mobilidade, vai se limitar às calçadas e se inspira na ativista Jane Jacobs (1916/2006), que nos anos 1950 e 1960 alertava para a diferença entre crescimento e desenvolvimento.

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Escritora e ativista política americana, mesmo não tendo formação técnica, conseguiu, como nenhum urbanista, analisar a cidade com muita clareza, simplicidade e sabedoria.

Em seu livro Morte e Vida de Grandes Cidades (1961), faz reflexões sobre a cidade dos automóveis, que negava as calçadas e os espaços públicos. Segundo ela, uma calçada e uma rua interessantes formam uma cidade interessante e, se elas parecerem monótonas, a cidade parecerá monótona; se parecerem abandonadas, a cidade parecerá abandonada.

Por esse enfoque, para realizar a Joinville que Queremos, precisamos mudar os paradigmas com os quais decidimos as funções sociais básicas de uma cidade – a função urbanística -, que se divide em habitação, trabalho, lazer e mobilidade.

A mobilidade, entre essas, é a mais importante, pois é a que determina sua dinâmica, é a que leva a todas as atividades, a torna viva, une os interesses espalhados pelo espaço.

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O ponto de partida da mobilidade urbana é a calçada. É o primeiro espaço público que vivemos ao sair de nossas casas. Se for acessível, é a mais democrática das formas de se mover. É a primeira imagem que temos da cidade.

Olhando detidamente para as calçadas que temos hoje, a primeira imagem de Joinville é a de uma cidade feia, abandonada pelo poder público, intransitável e desumana, desigual, excludente.

Para chegar à Joinville que Queremos, precisamos ter antes um olhar crítico para entender os erros que temos cometido e do porquê de nossas calçadas não expressrem a imagem dos valores humanos, os sentimentos de comunidade, o orgulho pelas suas raízes, a solidariedade, o sentimento de pertencimento e o desejo de viver o espaço urbano. Assim, a forma como é pensada, planejada e construída a calçada, determina a intensidade com que as pessoas vivem e amam “coletivamente” a cidade.

A Joinville que Queremos precisa provocar o prazer de viver nela, amá-la, não no sentido romântico, mas no sentido prático. E só conseguiremos isso estando fora de nossos carros, sendo pessoas e não motoristas.

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Pela forma como realizamos a cidade hoje, tendo o carro como valor determinante para a decisão da mobilidade, vivemos os paradoxos de automóveis cada vez mais rápidos, mas parados em congestionamentos, com pessoas muito próximas, mas com cidadãos infinitamente distantes uns dos outros, solitários, inertes, tensos, sem viver a cidade e o coletivo, que é o motivo de nos aglomerarmos nas urbes. Não queremos mais andar a pé, as calçadas não nos animam. Queremos estacionar dentro das lojas, pois não gostamos de andar pela cidade. Queremos parques e praças, mas com grandes áreas de estacionamentos, pois não queremos viver a cidade, queremos só usá-la para nosso deslocamento, em nossos carros.

A Joinville que Queremos tem que partir da premissa de planejar a mobilidade urbana não só para que ela se movimente, mas também com o valor fundamental de humanizá-la. Unir a necessidade de deslocamento com o prazer de viver a cidade. E isso só se consegue levando as pessoas ao contato coletivo, de andar a pé, de bicicleta, de transporte coletivo (seja ele qual for).

Diriam que estou fora da realidade, pois precisamos de nossos automóveis. Mas eu responderia que este artigo é para a Joinville que Queremos como cidade coletiva, e não individual. A cidade individual é essa que vivemos hoje, isolados em nossos confortáveis automóveis. Nos é ofertado escolher entre ônibus abarrotado, caro e desconfortável; bicicleta em ciclofaixas descontínuas e perigosas ou virtuais; e andar a pé por calçadas mal pavimentadas, com degraus e buracos, ou simplesmente inexistentes, tendo como agravante a falta de iluminação.

As opções oferecidas nos empurram aos nossos confortáveis automóveis particulares, que, como donos da cidade, invadem as faixas exclusivas de ônibus, estacionam sobre as ciclofaixas, ocupam e destroem o piso das calçadas, estacionam sobre elas, causam interferência na faixa de circulação de pedestres, com aclives, declives e degraus transversais, ou ainda com rebaixamentos totais em frente ao comércio para facilitar seu acesso ao estacionamento, tirando a segurança da barreira de proteção do meio fio. Vivemos então um círculo vicioso que de novo nos empurra para os automóveis, sem percebermos que dentro ele nos traz conforto e fora, ele provoca desconforto. Não vivemos no automóvel, vivemos na cidade, portanto, vivemos a maior parte do tempo em desconforto.

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Imaginemos essa Joinville daqui a dez anos, com o dobro de automóveis. A Joinville que Queremos, portanto, deve, obrigatoriamente, ter calçadas:

– Pensadas não como unidade “testada do lote”, mas como “unidade quadra”, pois se faltar em frente a um lote, não é funcional.

? Planejadas com acessibilidade, em respeito a todos os seus cidadãos, principalmente os que têm mais dificuldades físicas ou visuais, até porque temos uma expectativa de vida cada vez maior.

? Com árvores para amenizar o calor e faixa de ajardinamento para humanização e contenção de água das chuvas.

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? Com espaços para bancos, para que nossos idosos possam descansar.

? Com iluminação para passeios e atividades físicas noturnas.

Concluindo: calçadas acessíveis e democráticas, arborizadas e prazerosas, iluminadas e seguras, com espaço de convívio e conforto, como fator de saúde, por proporcionar o caminhar. Com faixas de travessias, preferencialmente elevadas, para beneficiar o pedestre, completadas e compartilhadas com ciclovias, interligadas a outros modais de transporte coletivo acessível, confortável e rápido. Assim, viveremos e valorizaremos nossos bairros e seu comércio, pois teremos o prazer de ir a pé até ele tendo um convívio coletivo.

A Joinville que Queremos é uma cidade para ser vivida e não para ser usada só como espaço para circulação.

*Mário Cezar da Silveira é especialista em acessibilidade.

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