Oito em cada 10 imigrantes que moraram em Florianópolis no ano passado ocuparam vagas de trabalho formais com remuneração entre um e dois salários mínimos, apesar da alta escolaridade do grupo. A contradição contribui para a vulnerabilidade das pessoas que escolhem a capital catarinense para viver e foi publicada no relatório “Sinais Vitais Migração Internacional – Diversidade global, transformação local”. O diagnóstico social foi divulgado nesta quarta-feira (23) pelo Instituto Comunitário Grande Florianópolis (ICOM).

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O levantamento aponta que mais de 90% dos 4.448 trabalhadores migrantes em Florianópolis estavam em vagas consideradas vulneráveis, com os menores pagamentos e que garantiam apenas a subsistência para o dia a dia. Do total de empregados formais, 494 pessoas receberam menos de um salário mínimo, equivalente a 11% dessa população.

Esse retorno financeiro não correspondeu à taxa de escolaridade entre o grupo, considerada positiva pelos especialistas. Oito em cada dez trabalhadores possuía nível médio ou até superior completo na Capital. Cerca de 68% completaram a escola, 12% possuem diploma superior e outros 5,1% informaram ter ensino superior incompleto, de acordo com o Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho em 2021.

— A renda não acompanha, não é compatível com a formação deles. O mercado de trabalho deixa de explorar as potencialidades de contribuição profissional e econômica desses migrantes — analisa Camilla Reis, gestora do Sinais Vitais Migração Internacional.

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A exceção é da pequena parcela com pós-graduação, aproximadamente 1% dos estrangeiros. Pelo estudo, cerca de 0,85% dos trabalhadores formais e migrantes tiveram salários acima de sete mínimos, que seria a remuneração similar para brasileiros com a mesma escolaridade.

O país com mais imigrantes empregados em Florianópolis no ano passado foi a Venezuela, com 29%. A segunda nacionalidade estrangeira mais comum foi do Haiti, com cerca de 21%. Na sequência, Argentina e Uruguai também tiveram altos índices, registrando 18,8% e 8,5% respectivamente.

Para Camilla, há a necessidade de sensibilizar as empresas locais para fomentar a contratação dos migrantes em áreas e posições correspondentes às suas competências. A próxima etapa seria acolher e integrar o grupo para oferecer uma rede de suporte.

— A diversidade cultural pode agregar muito ao ambiente da empresa e geralmente esses migrantes chegam com muita vontade de trabalhar. No geral, a gente vê que são pessoas muito dedicadas, mas que enfrentam uma série de preconceitos e dificuldades de integração — explica a gerente do estudo.

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O terceiro setor foi o que mais empregou migrantes na capital catarinense. Em 2021, 62,3% deles trabalhavam com vendas e serviços em lojas e mercados. Outros 15,65% trabalhavam com serviços administrativos.

Segundo o diagnóstico social, muitos dos novos moradores de Florianópolis deixaram as antigas profissões no país de origem e outros apenas conseguem o sustento em serviços informais. Ambas as situações estão ligadas à dificuldade de inserção profissional por conta dos caros e difíceis processos de validação de documentos e outras questões burocráticas.

— Isso tá muito relacionado de uma maneira geral com a dificuldade que hoje existe, em Florianópolis e Santa Catarina, dos migrantes revalidarem os seus diplomadas de nível superior. Acaba sendo um grande gargalo — relata a especialista.

Migrantes em vulnerabilidade social

Os baixos salários e a falta de estabilidade prejudicam as famílias migrantes, que acabam buscando auxílio das assistências sociais. Em 2021, 3.725 estrangeiros de 68 nacionalidades estavam cadastrados no Cadastro Único (CadÚnico) em Florianópolis.

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Desses, 46% viviam em situação de pobreza ou extrema pobreza. O grupo mais vulnerável, cerca de 35% do total, sobrevivia com renda familiar per capita de até R$ 89, classificado como extrema pobreza.

— A gente percebe também um recorte racial entre os migrantes. 62% dos cadastrados são pretos e pardos e 36% se autodeclaram brancos — apontou Camilla.

Porém, a maior parte dos migrantes cadastrados no CadÚnico possuem ensino médio completo (37,23%) ou ensino superior (20,59%).

Diagnóstico identifica desafios para qualidade de vida

O Sinais Vitais é um diagnóstico social participativo que busca identificar questões prioritárias e desafios da comunidade, visando orientar ações para a melhoria da qualidade de vida da população. Desde 2008, o ICOM fez nove edições do levantamento, abrangendo os principais municípios da Grande Florianópolis.

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A presença dos temas de migração em acordos globais é um sinal da importância e gravidade que a questão migratória assumiu nas últimas décadas. Isso fica claro nas recentes crises humanitárias registradas na Europa e América Latina. No caso brasileiro e florianopolitano, os dados do Sinais Vitais mostram como destaque os deslocamentos de hatianos e venezuelanos para a capital catarinense em busca de melhores condições de vida.

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